Criar é fácil. Quer ver? Quero contar a história dos homens-pássaro do planeta P’tere, prestes a ser invadido por uma colônia de insetos do espaço-sideral. Pronto, boa ou não, a história foi criada. Em tese, foi fácil. O complicado é a execução que, no caso de um roteiro ou de um livro, separa as ideias capazes de ver a luz do dia daqueles milhares de conceitos entulhados no Mundo das Ideias Que Nunca Foram para a Frente (humm, daria até para escrever a respeito, imaginando um Mundo habitado por esses ‘seres’).
É tudo questão de estrutura e, sem dúvida, de prática. Mas, ultimamente, existe um novo agravante, que é a natureza multi-plataforma desse tipo de criação. Como manter a unidade em diversas mídias, momentos e públicos? Aprendi tudo isso da pior maneira possível, ao decidir escrever o começo de um romance, que inspirou um curta-metragem, e acabou virando livro de verdade. “Filhos do Fim do Mundo” (When It Ends, no formato cinematográfico) é um bom exemplo do novo formato de negócios envolvendo o mercado literário, que, finalmente, começa a brincar de gente grande no Brasil.
Como o lançamento só acontece em janeiro, pelo selo Fantasy, da Casa da Palavra, leia aqui um “capítulo excluído” e exclusivo do B9. Se gostar, curta nossa página no Facebook: facebook.com/FilhosDoFimDoMundo
De qualquer forma, gostaria de falar sobre esse formato e as dificuldades, e soluções, da concepção e execução em multi-plataforma. “Filhos do Fim do Mundo” nasceu como conceito de um livro há menos de dois anos. Como disse no começo, criar a história é algo fácil. Encontrei os elementos certos, organizei num rascunho e, em menos de 10 minutos tinha um esqueleto do livro. O lógico seria ter desenvolvido esse material até o final, porém, ano passado, apareceu a chance de trabalhar em um curta-metragem.
Já tinha visto vários desses booktrailers e pensei na coisa mais óbvia, por que não juntar as duas coisas? A ideia fez sentido e comecei a trabalhar num breve roteiro para “When It Ends” e foi uma das experiências mais válidas nesse processo todo. Especialmente por conta dos erros, claro! Por saber do potencial comercial da obra, não queria mostrar nada da história principal no filme para preservar as surpresas. Acabei não mostrando nada e perdi uma boa chance de estabelecer personagens na tela. A maior lição, porém, veio do conflito entre estrutura literária e estrutura visual.
Basicamente, escrevi um prólogo estendido e optei por manter a maioria dos diálogos fieis à obra. Cometi o maior dos pecados da “auto-adaptação”, levei um livro para o cinema e resultado é um ritmo muito arrastado, numa obra com problemas para se manter por conta própria. Houve acertos, claro, como a confirmação da necessidade por histórias mais amplas e linhas narrativas paralelas, que, em princípio, estavam em segundo plano.
É difícil assumir erros, mas quando eles ensinam e mudam seus paradigmas, isso é motivo de orgulho. De qualquer forma, a primeira etapa falhou no aspecto da independência. Porém, compreender a lógica dessa conversa entre literatura e roteiro cinematográfico influenciou absurdamente o livro, que ganhou em agilidade e permitiu maior uso das referências do leitor. Também compreendi a necessidade pela escolha de um meio termo entre o teor literário e a velocidade de cinema.
Curioso como essas duas mídias tem tanto em comum e precisam se comunicar. Com o vídeo sendo escolhido como principal fonte de entretenimento do sujeito moderno, permitir que algumas de suas características se façam presentes na literatura é um jeito justo de se manter na corrida e evitar cair no desuso. Pelo menos foi assim que encarei.
Há uns 5 anos, meu amigo Jurandir Filho, do podcast RapaduraCast, brincou que eu “dominaria o mundo em todas as mídias”. Nunca tive esse objetivo, mas, sem querer, ele matou a charada. Anos mais tarde, vejo ser impossível se manter relevante na comunicação em um único meio, sem experimentar em vídeo (seja com vlogs ou programas informativos), sem gravar podcasts, sem ser fonte de informação ativa nas mídias sociais.
A soma de todas essas ferramentas, como usada de forma consciente, tem muito a agregar. E isso aconteceu comigo. Notava a evolução a cada novo capítulo, a cada revisão. E também encontrei um modo de deixar a experiência jornalística permanecer mesmo no formato literário. Tudo por conta da troca entre as mídias, e um bocado de testes, claro. Pensando bem, ser jornalista e escritor tem uma coisa em comum: contar histórias. Se narrativas ou factuais não faz diferença, mas o fim é o mesmo.
Bem, com o filme concluído, e a primeira versão do livro pronta era hora de fazer o mais difícil: vender. Montei esse pacote a exemplo do que muitos diretores tem feito aqui em Hollywood, tentando conquistar executivos dos estúdios com visual, em vez de colocar o roteiro na pilha. Deu certo! E culminou na seleção de “Filhos do Fim do Mundo” pelo selo Fantasy, coordenado pelo best-seller Raphael Draccon, da editora Casa da Palavra, uma das integrantes do grupo LeYa.
Trabalho com jornalismo há 16 anos e sempre pensei em escrever romances, mas nunca havia passado de pequenos contos até decidir fazer essa transição. Não fechar os olhos para novas ideias ou seguir regras dos livros clássicos foi muito importante. Pude experimentar, encontrar soluções próprias e, com certeza, inventar erros só meus, porém, pude ver um plano comercial, literário e de mídia funcionar de maneira prática, direta e funcional.
Em janeiro colocamos tudo à prova com o lançamento de “Filhos do Fim do Mundo”. Gostando ou não, a estrada já foi trilhada e se você sonha em escrever seu próximo livro, esse foi meu caminho. Siga-o se quiser, afinal, no fim das contas, quanto mais gente percorrer todo o trajeto, melhor!
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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