X-Men: Dias de um futuro inesquecível

Escolha. Algo inerente a todo ser humano, cujas vidas são formadas por uma imensa amálgama de decisões de todos os tamanhos e repercussões. Algo capaz de nos transformar nos maiores heróis, nos piores vilões ou, na maioria dos casos, em membros de uma sociedade que, como reflexo de seus integrantes, também escolhe. E também erra, trazendo desgraça e dor.

Entretanto, encontramos esperança naqueles momentos, tão ímpares quanto sublimes, de acerto e avanço. Há tantas leituras quanto possíveis mutações para o conceito dos X-Men. Sempre foi assim. A saga dos mutantes no cinema veio para reforçar as mais fundamentais. Com “X-Men: Dias De Um Futuro Esquecido”, a santa trindade volta à baila com força, emoção e eficácia extrema: confiança, escolha e esperança.

O sucesso e a qualidade de “X-Men: Primeira Classe” são indiscutíveis. A revitalização da temática, o novo elenco e uma visão mais independente dos quadrinhos em relação aos primeiros filmes deram um passo evolutivo extremo na mitologia dos mutantes na telona.

O que foi bom, afinal, a Marvel está dominando o mercado com o conceito dos universos complexos e a Fox não podia ficar se contentando com uma franquia defasada – especialmente depois da inconsistência dos filmes de Wolverine –, logo, tudo mudou com o filme de Matthew Vaughn. E para melhor, pois foi o fôlego de “Primeira Classe” que permitiu o salto – sem paraquedas e sem volta – na mitologia da maior, e mais dramática, saga dos X-Men.

Bryan Singer no set

Bryan Singer no set

X-Men

“Dias do Um Futuro Esquecido” envolve tragédias, sacrifícios, muito drama e, claro, escolhas. Muito graças à dinâmica entre as versões sexagenárias de Professor X e Magneto, num clara referência à fé numa segunda chance e ao poder da amizade reconstruída por conta da experiência. É difícil torcer por Magneto – contanto que você não tenha tendências assassinas, claro –, mas, dessa vez, o roteiro permite que Ian McKellen redima o personagem e nos faça sentir com ele.

Os quadrinhos já discutiram praticamente todos os temas possíveis, mas quem escolhe os assuntos a serem tratados pelos filmes é o momento. Quais aspectos vão fazer sentido para quem nunca leu uma página? Como manter a crítica social e política sempre presente?

Curiosamente, “Man of Steel”, “Capitão América: O Soldado Invernal” e “X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido” entenderam a demanda atual e bateram forte na repressão, no medo do controle do Estado e nas ameaças que a alta tecnologia (em referência aos drones de combate) podem trazer contra os “inimigos”.

Aí entram as Sentinelas, muito mais próximas do visual do Destruidor, de “Thor”, do que dos quadrinhos, elas incorporam todos esses medos e conceitos. Isso permite que o filme vá além da mensagem constante da coexistência, sempre presente em X-Men, e discuta também a liberdade, os limites da sociedade e a importância da individualidade.

Singer mostra que é possível abordar temáticas sérias e ser socialmente relevante sem “Nolanizar” um filme de super-herói

Individualidade essa que, inevitavelmente, pode definir o futuro de milhões, afinal, Tio Ben precisa ser evocado. E, se com grandes poderes vem grandes responsabilidades, um ato impensado ou equivocado pode transformar o planeta. Isaac Asimov brincou com isso em “A Fundação”, quando, mesmo protegido por uma armada toda-poderosa e exércitos invencíveis, o Imperador Creonte é morto pela mais improvável das razões e a Galáxia segue um novo rumo.

X-Men

X-Men

As analogias não tem fim, afinal, escolher é nossa grande força. E nossa ruína, afinal, pode haver um oceano sem fim entre um sim e um não. Nesse ponto, Bryan Singer – de volta à franquia “boba” que ele elevou ao nível da seriedade e relevância cinematográfica – soube trabalhar muito bem o distanciamento dos personagens, preservando suas razões e convicções, sem ignorar a lógica e a história. Ou seja, nada de reviravoltas descartáveis só para satisfazer o roteiro.

“X-Men: Dias do Futuro Esquecido” mostra que é possível abordar temáticas sérias, colocar tudo em risco e ser socialmente relevante sem “Nolanizar” um filme de super-herói. E isso o diferencia brutalmente de “Capitão América: O Soldado Invernal” (o que não invalida o filme, claro; revi uma segunda vez e continua bastante interessante) ao apostar em estruturas próprias e igualmente efetivas. Há um diferencial, porém.

O Capitão é só um, enquanto os X-Men sobram em número e em níveis emocionais. Patrick Stewart e Ian McKellen brilham como nunca; James McAvoy e Michael Fassbender são duas forças descomunais; e Hugh Jackman rouba o filme de maneira tão arrebatadora que faz pensar por que a Fox insiste em roteiros tão mequetrefes para seus filmes solo?

Jackman, sempre simpático e modesto em entrevistas, emociona sem fazer esforço, faz rir nas horas certas e vive um dos maiores arcos dramáticos dessa Era de Ouro dos Heróis no cinema. Tony Stark que me desculpe, mas crise de ansiedade é brincadeira de criança perto do que Wolverine mostra em tela.

Singer e Peter Dinklage

Singer e Peter Dinklage

X-Men

É tudo uma questão de tom. De entender quando é preciso ser leve e quando a coisa é séria. O primeiro ato do filme é brilhantemente garantido por combates e pelo uso cirúrgico de Quicksilver, um dos personagens mais irreverentes dos X-Men no cinema.

A cena dentro do Pentágono é absolutamente fantástica, em todos os aspectos. Efeitos, roteiro, trilha, interpretação, edição, tudo. Em contrapartida, o terceiro ato é de uma melancolia impressionante, com grandes arcos sendo fechados e milhões de vidas em jogo de uma forma bem mais envolvente e crível do que o acidente aéreo previsível de “O Espetacular Homem-Aranha 2”.

O fanboy

Foi difícil não chorar do final do segundo ato até o final. Há uma sensação inexplicável de fim de ciclo, de sacrifício supremo e de dó. Nem todos ganham quando passado, presente e futuro são alterados, mas os poucos presentes que o destino reserva são valiosos demais.

Essa talvez seja a maior força de “X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido”: fazer com que o drama supere a roupagem dos super-heróis e envolva por si só. Bryan Singer está irreconhecivelmente aprimorado na melhor direção da carreira e o roteiro de Simon Kinberg (“Sherlock Holmes” e “X-Men: O U?ltimo Conflito”) funciona bem demais. Arrisco dizer que esse é o grande filme da franquia X-Men. É o filme a ser batido.

—–
Fábio M. Barreto é jornalista, autor de “Filhos do Fim do Mundo” e é orgulhoso dono do Wolverine #1.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

Focado no drama humano, novo “Godzilla” relega monstro ao papel de coadjuvante

Foi-se o tempo dos atores fantasiados, do zíper aparecendo na TV ou dos monstros amarrados por cabos transparentes. Agora é hora do novo “Godzilla”, um espetáculo de proporções gigantescas, muita correria e aqueles confrontos tamanhos família capazes de fazer o cinema tremer e plateia delirar. Afinal, o que se esperar de um filme dedicado a monstros destruindo cidades? De cara, um aviso: deixe o 3D de lado e economize, não faz a menor diferença.

A paixão pelos monstros japoneses formou diversas gerações e, felizmente, não deve acabar tão cedo. Entretanto, essa paixão não se traduz em boas bilheterias nos Estados Unidos. O exemplo mais recente é o divertido “Pacific Rim”, de Guillermo Del Toro, que teve péssimo resultado a despeito do bom ambiente e da história simples, mas efetiva.

Bom, o que esperar de um filme com cenário principal em Hong Kong, cheio de estrangeiros, dirigido por um mexicano maluco e que não tem os norte-americanos como heróis? É aí que “Godzilla” tenta acertar, ao se apropriar do conceito do monstrão e colocar toda a carga arquetípica dos Estados Unidos tanto na ambientação quanto na resolução do problema.

É um festival de apropriações. O recente desastre na usina de Fukushima é um dos paralelos, assim como a mensagem original anti-nuclear e alguns elementos históricos, como os diversos testes nucleares no Pacífico depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Tudo para justificar a existência de uma criatura gigantesca e ancestral, que precisa ser destruída pelo simples fato de existir e, bem, ser “gigantesca e ancestral”. É aí que entra a outra mensagem, de cunho ambiental. De qualquer forma, tudo isso é pano de fundo para um confronto colossal.

O diretor Gareth Edwards e Bryan Cranston no set

O diretor Gareth Edwards e Bryan Cranston no set

Godzilla

E ele demora. Demora muito. Quem reclamou do tempo que o “King Kong” de Peter Jackson demorou para aparecer em cena, pode levar os tomates para demonstrar indignação. Fosse a primeira aventura da franquia, talvez o roteiro de Max Borestein e argumento de Dave Callahan (cujas credenciais são o abominável “Doom” e os explosivos “Os Mercenários” 1 e 2) funcionasse melhor, mas todo mundo sabe que o Godzilla vai aparecer e os trailers fizeram o favor de mostrar o bicho sem o menor pudor.

Aliás, essa é uma discussão válida na produção atual: vale a pena trabalhar pesado numa reviravolta ou numa revelação de personagem/elemento-chave se o marketing, ou os spoilers, vai jogar tudo no ventilador?

Roteiros são avaliados e comercializados partindo do pressuposto que vão gerar bons filmes, que fazem sentido e serão capazes de cumprir a promessa inicial. Logo, o roteirista precisa construir a melhor história possível, tentando surpreender o leitor (seja a secretária do produtor, que é a primeira a ler, até o executivo do estúdio) e provocar reações nesses sujeitos. Claro que, em filmes menores e comandados pelo produtor, tudo vai ser remodelado, cenas invertidas e mudadas de lugar, personagens mesclados e etc, mas o objetivo do roteirista sempre é contar uma história.

“Godzilla” tenta acertar ao se apropriar do conceito do monstrão e colocar toda a carga arquétipica dos EUA tanto na ambientação quanto na resolução

Por outro lado, quem controla o produto final quer maximizar o resultado do produto e apela, sem o menor peso na consciência, de todas as formas para “criar awareness”. Fazer com que o público espere pelo seu produto é uma coisa, sobrecarrega-lo sem necessidade é outro totalmente diferente. Quem perde, no longo prazo, é o próprio estúdio, que vai prejudicando a relação com o espectador e, eventualmente, vai perder a atratividade, afinal, para que ir ao cinema ver um filme se já foi exposto a tantos clipes, cenas iniciais, fotos, mais clipes e etc?

Gareth Edwards e Ken Watanabe no set

Gareth Edwards e Ken Watanabe no set

Godzilla

Por outro lado, há os spoilers. Há algumas semanas, quando assisti “O Espetacular Homem-Aranha 2”, a Sony enviou um e-mail bem simpático pedindo para que não revelássemos o final. Já somos revistados, proibidos de levar o telefone celular para dentro da sala, vigiados com câmeras de visão noturna, precisamos assinar embargos e sabe se lá mais o que para ter acesso a filmes e entrevistas, agora não confiam nem mesmo o fim dos filmes à imprensa.

Aí, na primeira sessão para fãs, todos os spoilers vazam; na primeira exibição na Indonésia, alguém entra com uma RED para filmar (ok, exagero, mas você entendeu!) e, antes disso, alguém da empresa que está fazendo a autoração já copiou e passou para os amigos (existe um mercado negro gigantesco de troca de favores aqui) inevitavelmente, tudo vai inundar os torrents, o Twitter, o Facebook e os sites de memes. Não há mais controle.

Além disso, parece que os estúdios supervalorizam o poder de fogo da grande mídia, que já perde feio para as redes sociais. Basta ver o tamanho da repercussão da foto do novo Batman, que não foi anunciada à Vanity Fair ou Hollywood Reporter, mas sim divulgada diretamente pelo Twitter de Zac Snyder.

É um cenário tão catastrófico quanto um monstro gigante derrubando prédios como se fossem castelos de areia. Logo, “Godzilla” já perde o elemento de surpresa e precisa apostar na ansiedade e na construção de ambiente para que o espectador torça por duas coisas: o surgimento do monstro e pancadaria!

Godzilla

O artifício favorito do diretor Gareth Edwards foi o ponto de vista humano, o que significa câmera no chão – ou voando – observando as criaturas desesperadas ao redor

O roteiro optou pelo estilo Rocky Balboa de construção, ou seja, a Humanidade vai apanhar um bocado até encontrar um modo de lutar. E aí as gargalhadas começam, pois ver a toda-poderosa Marinha dos Estados Unidos incapaz de fazer qualquer coisa e ainda navegando em formação com o Godzilla é hilário! Tudo vira galhofa, o que não é de todo ruim, afinal, a diversão é o objetivo.

Mas ouvir a trilha sonora ficar tensa e profunda toda vez que o honorável e fantástico Ken Watanabe – o cientista pé no chão e preocupado com a moral e o futuro da Humanidade – aparece e solta diálogos saídos de um livro de “Momentos de Sabedoria Ambiental e Histórica” gera aquelas risadas involuntárias de tão batido. Ele é tão desperdiçado quanto Bryan Craston, que vai levar fãs de “Breaking Bad” ao cinema e ao ódio supremo. O outro nome conhecido do elenco é do versátil David Strathairn, que também aparece pouco e não convence.

“Godzilla” é um filme focado em nossas reações perante o surgimento de monstros que consomem energia nuclear e querem, como todo bicho de filme do gênero, se procriar e fazer mais monstrinhos. O artifício favorito do diretor Gareth Edwards foi o ponto de vista humano, o que significa a câmera lá no chão – ou voando – observando as criaturas conforme o cenário ao redor se modifica e portas se fecham.

Falta uma estética coerente e, por falar em coerência, as reações das pessoas também geram risadas. O que fazer quando um monstro gigante está vindo para a cidade? Fique no meio da rua esperando ele pisar em você! Um monstro vai escapar de uma instalação de pesquisa, quem você manda para pará-lo? Os bombeiros, claro!

Toda a galhofa e clichês pelo menos servem para valorizar o pouco tempo de tela do monstrão

Quando Godzilla aparece e a briga começa, o filme ganha um ritmo interessante e vira uma partida de futebol. Escolha um lado e torça. Muita gente bateu palmas ao meu lado e tudo se transformou numa experiência coletiva.

Nesse aspecto, toda a galhofa e clichês elevados à enésima potência serviram para valorizar o pouco tempo de tela do monstrão. Ele virou coadjuvante de seu próprio filme? Sim, mas funcionou quando apareceu e tirou aquele gosto amargo da pataquada de Roland Emmerich.

Assista com os amigos, leve muita pipoca e entre no espírito, afinal, tudo começa com fotos de um monstro gigantesco que parece uma ilha navegando pelo pacífico.

———-
Fábio M. Barreto gosta de “Godzilla vs Mothra”, delirou com as lutas, mas sabe que o roteiro é ruim de doer. É jornalista, autor de “Filhos do Fim do Mundo” e produz o canal de YouTube “Barreto Unlimited”

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

Assista ao primeiro trailer de “Interestelar”

Depois do misterioso (e empolgante) teaser em dezembro passado, a Warner Bros. finalmente revelou o primeiro trailer de “Interestelar”.

A odisséia sci-fi do diretor que você mais conhece e confia, Christopher Nolan, vai explorar viagem no tempo e universos paralelos. Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Jessica Chastain e Michael Caine (claro!) estão no elenco.

O filme estreia no dia 7 de novembro no Brasil.

Interstelar

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

Novo trailer de “Planeta dos Macacos: O Confronto” mostra primatas evoluídos (e perigosos)

A Fox liberou hoje o segundo trailer de “Planeta dos Macacos: O Confronto” (Dawn of the Planet of the Apes), a sequência do reboot da série (confuso, eu sei), o excelente “Planeta dos Macacos: A Origem”, de 2011.

A nova trama continua acompanhando a saga de César, apenas alguns anos depois dos eventos do filme anterior, com a população de macacos evoluídos cada vez maior. No elenco, estão Gary Oldman, Jason Clarke, Judy Greer e, claro, Andy Serkis.

A direção é de Matt Reeves (“Cloverfield” e “Deixe-me Entrar”), e a estreia brasileira está marcada para 25 de julho de 2014.

Apes

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

Capitão América: Heróis em crise de identidade

O gênero dos super-heróis tenta encontrar lugar no mainstream da cultura pop há coisa de 20 anos. Falhou miseravelmente nas series live action de Homem-Aranha, Capitão América e o melhor representante foi o Hulk, de Bill Bixby. De acordo com Stan Lee, à reportagem do B9, “a virada de mesa só foi possível por causa da mistura entre efeitos especiais capazes de replicar as histórias em quadrinhos e uma geração de diretores criados em ambientes ricos em HQs e que assistiram às series fracassadas”.

Eles vieram, patinaram em alguns casos, mas desde “X-Men – O Filme”, os acertos vem se acumulando, culminando com o fenômeno de “Os Vingadores”. Com uma pipeline de várias adaptações e continuações a caminho – entre elas o reboot do “Quarteto Fanta?stico”, um filme solo da Viúva Negra, o tiro no escuro com “Guardio?es das Gala?xias” e o segundo “Os Vingadores” – não há mais dúvida na habilidade técnica ou na preferência do público.

Agora, a briga é outra: o que eles tem a dizer é relevante e pode ultrapassar o ambiente da ação desenfreada e da luta contra vilões canastrões ou maquiavélicos ao extremo? “Capita?o Ame?rica – O Soldado Invernal” é o mais novo capítulo dessa batalha.

Capitão América

Capitão América

Christopher Nolan carregou a bandeira do herói pé no chão, soturno e atribulado durante toda a trilogia de Batman. O Homem-Morcego começou como um paladino, foi transformado em vilão e precisou reencontrar a própria identidade – e as razões que o motivavam – para salvar o dia. Ou seja, Batman, eu e você passamos a ter os mesmos problemas. Se ele deu um passo em direção à Humanidade ou fomos permitidos nos aproximar dos heróis, o futuro vai dizer. O fato é que a aproximação aconteceu. E deixou marcas.

Quando o “Man of Steel”, de Zack Snyder, pousou na Terra, a temática continuou enquanto Kal-El buscava razões para confiar na Humanidade e pagou o preço por suas escolhas. Entretanto, diferente de Nolan, Snyder foi um pouco além com a última cena do filme. Nolan flertou com temas como invasão de privacidade, uso da força e a índole das pessoas, enquanto Snyder resolveu peitar o governo. Afinal, o Super-Homem foi construindo força política e consciente ao longo dos últimos 20 anos de maneira bem interessante. Não havia mais o embate entre dois lados fictícios: o herói e o vilão. Ao derrubar o drone norte-americano, ele abre a galeria de tiro municiada por críticas políticas e sociais declaradas.

É aí que “Capitão América – O Soldado Invernal” entra, pois carrega a bandeira levantada por Zack Snyder e vai pra cima dos assuntos mais polêmicos, problemáticos e relevantes dos últimos 4 anos: privacidade, segurança nacional e a própria identidade norte-americana. Precisamos lembrar que, embora filmes de Hollywood sejam consumidos mundialmente, o primeiro alvo é, e sempre será, o público dos Estados Unidos.

Logo, o roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely desce a lenha nesses temas usando a SHIELD com escudo (trocadalho do carilho!) para não atacar o governo diretamente, mas transmitindo a mensagem com clareza. Para isso, eles fazem uso de algumas artimanhas batidas, tentam transformar assuntos tão sérios em elementos de uma trama simplória de espionagem e “quem confia em quem”. Tudo isso serve apenas para despistar.

Capitão América

Steve Rogers é o catalizador perfeito para transmitir essa mensagem: ele viveu na época do Sonho Americano, deu “a vida” pela pátria, foi herói de guerra e, de quebra, é um super-soldado. Ou seja, a consolidação máxima do norte-americano perfeito. Quando esse cara não sabe mais em quem confiar, precisa de um caderninho com uma longa lista para se atualizar do que é viver no mundo moderno, está sendo usado para fins escusos e, não foi reintegrado ao Exército, mas sim a uma empresa paramilitar “acima do Bem e do Mal” é sinal de que tudo foi para o brejo.

“Capitão América – O Soldado Invernal” carrega a bandeira levantada por Zack Snyder e vai pra cima dos assuntos mais polêmicos, problemáticos e relevantes dos últimos 4 anos

Se o americano entende de uma coisa é da crise cultural que enfrenta há um tempo e do descaso do governo com os veteranos de guerra. Curiosamente, onde é que Rogers encontra apoio e razão para continuar na luta? Assistindo a uma palestra no VA (Veteran’s Administration, ou qualquer coisa que envolva veteranos, sejam encontros, peças teatrais, grupos de apoio e etc.)!

As relações de confiança estão em crise e ao ver dois melhores amigos colocados em rota de colisão é a alegoria mais descarada possível. E foi proposital. Os Estados Unidos estão enfrentando uma divisão política tremenda e a polarização só aumenta. Esse é o cenário perfeito para que, com a paranóia adequada, fique até fácil acreditar na existência de algo como a Hydra no mundo moderno. Há uma eterna briga do americano – especialmente os republicanos – contra o papel do governo e seus exageros.

Hoje em dia, só se fala em drones e postura mais reservada de Obama, que opta pela diplomacia na maioria dos casos e é até mesmo acusado de “agir de forma tão fraca, que os inimigos fazem o que bem entendem” (no caso da crise na Ucrânia), mas alguns medos antigos não se dissiparam completamente, assim como a mentalidade controladora. Rogers, porém, viveu na época que gerou todas essas ideias e, por não ter sido afetado pela doideira da Guerra Fria, só se lembra das verdadeiras razões, dos amigos que perdeu e por aquilo que lutou. É um sentimento mais puro, virgem. Sem o cinismo atual.

Capitão América

Steve Rogers é o catalizador perfeito: ele viveu na época do Sonho Americano, deu “a vida” pela pátria, foi herói de guerra e, de quebra, é um super-soldado

A todo momento, o Capitão América parece abrir mão do que lhe faz excepcional para divulgar essa mensagem. É como se algo tivesse se perdido no caminho e ninguém mais saiba onde está o mapa certo. Nesse contexto, é extremamente justo dizer que o tema central de “Capitão América – Soldado Invernal” cruzou a barreira do filme de super-herói e pretendeu ser algo mais sério e crítico.

Mas Batman, não fez isso? Sem criar polêmica, mas Bruce Wayne é um ricaço bom de briga e cheio de boas intenções, enquanto o Bandeiroso tem, de fato, poderes extraordinários; além de fazer parte de um projeto pontual da DC/Warner, enquanto Capitão América se encaixa na complexa estrutura narrativa da Marvel, que agora também envolve a TV com a série “Agents of SHIELD”.

E é justamente aí que aparece um elemento digno de debate. Como filme de super-herói e ação, “O Primeiro Vingador” funciona bem, define o personagem e esbanja correlações do filme com o universo da Marvel, já “Soldado Invernal” se apoia nas fraquezas da SHIELD, no caráter (e falhas) de seus líderes e depende, única e exclusivamente, da bússola moral de Steve Rogers para se guiar. É, basicamente, a estrutura de um daqueles filmes de policial que descobre as falcatruas na corporação e tenta, com ajuda de amigos de fora, resolver a parada.

É o primeiro filme da Marvel que ousou quebrar o formato e tem colhido frutos fantásticos nas bilheterias, embora seja apenas interessante e sem nenhuma surpresa

É uma boa estrutura, mas denota uma quebra de paradigma interessante nos filmes da Marvel. Até agora, eram heróis contra vilões. Heróis sendo heróis. Ainda é difícil dizer se essa mentalidade vai mudar, e afetar os próximos filmes, ou se foi pontual pelo fato de Capitão América permitir essa discussão (os X-Men também seriam ideias, mas estão nas mãos da Fox e, felizmente, estão mergulhando na mitologia dos quadrinhos e ganhando força graças ao reboot com “Primeira Classe”).

Mas fica fácil entender as razões de tanto entusiasmo no fandom. Foi o primeiro filme da Marvel que ousou quebrar o formato e tem colhido frutos fantásticos nas bilheterias. Embora os irmãos Anthony e Joe Russo tenham entregue, de fato, um filme apenas interessante e sem nenhuma surpresa.

Mas, como a voz do povo deve ser ouvida, as decisões certas superaram a obviedade do roteiro (estruturalmente previsível de ponta a ponta) que, embora provocativo, ficou um pouco perdido entre a ficção e a realidade. E isso nos traz de volta à pergunta inicial: o que os super-heróis tem a dizer é relevante?

Parece que sim, entretanto, o mesmo processo de aprimoramento necessário para tirá-los da obscuridade das adaptações ruins vai precisar acontecer para que mensagem, visual e formato casem perfeitamente. O primeiro passo já foi dado. Quando eles se encontrarem e essa crise de identidade acabar, os heróis vão transcender barreiras.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

“Noé”: Filme grande, fé, magia e… Transformers!

Superação é uma constante na obra de Darren Aronofsky que atinge seu ápice em “Noé”, uma lenda atemporal utilizada para estudar o sujeito moderno e sua obstinação. Mesmo cercado pela magia divina, ao se considerar as decisões de Noé, vivido por Russell Crowe, é impossível não olhar o homem e suas limitações. E essa é a proposta do diretor, aparentemente tão obstinado quando seu protagonista e tão fiel à arte como Noé a Deus.

Mas as duas línguas são compatíveis? A pergunta é para a posteridade, mas baseada num fato: entrar para assistir “Noé” para julgar verossimilhança ou a lógica bíblica é um tiro no pé, pois fé e magia – além dos transformers/ents! – são peças fundamentais do universo criado pelo diretor, no qual a presença do Deus judaico-cristão é tão latente e palpável quanto a água dos rios.

“Noé” é o maior “projeto ego” de Darren Aronofsky, começando pela fixação pela passagem bíblica desde a juventude e terminando com a retomada dos épicos religiosos, dez anos depois da controversa estreia de “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Aronofsky utilizou uma leitura judaica que prevê a inserção de outros trechos relevante ao assunto para a complementação e interpretação da história do dilúvio, que não tem mais de três páginas na bíblia cristã.

Mas, embora ele tenha ganhado a guerra para lançar a sua versão nos cinemas, precisou incluir alguns elementos claramente hollywoodianos para gerar drama e motivar a história ao longo da longa jornada vivida pela família de Noé desde o sonho divino até a chegada do dilúvio.

Darren Aronofsky no set

Darren Aronofsky no set

Noé

E por que tudo isso é relevante? Noé faz as vezes do homem atribulado e perante uma sequência de escolhas fundamentais, entretanto apenas duas serão de fato transformadoras em escala histórica (pelo aspecto bíblico). Todos vivemos cercados por decisões, por dilemas e muitas dúvidas, e Aronofsky transferiu todas essas características para o mito.

Por mais que a missão e o incentivo para as decisões de Noé sejam originadas do criador, o livre arbítrio se faz valer e a decisão é dele. Só dele. Curiosamente, é isso que mais atribula o personagem de Russell Crowe. Qual é a escolha certa? Qual a vontade do criador? Vida ou morte? Fé espiritual ou fé na força do homem? Muitas dessas perguntas, que ecoam na obra de J.R.R.Tolkien, por exemplo, se fazem presentes na leitura de Aronofsky.

Entretanto, “Noé” também tem sua cota de respostas e reações previsíveis, afinal, ele segue a lógica de que os descendentes de Noé repovoaram o mundo após o dilúvio divino. Há elementos interessantes ali, como a tentativa de conciliar as teorias criacionistas com a ciência moderna, mas falha justamente por precisar do maior Deus Ex Machina do cinema para justificar o surgimento do homem.

Outro ponto é a raiz da desavença entre Noé e o filho a quem é atribuída a origem dos povos africanos (que seria improvável por conta de um erro narrativo do filme). E é justamente aí que a tentativa de julgar o roteiro pelo que é lógico e o que não é fica problemático.

A sequência dos anjos caídos, transformados em transformers recalcados de pedra, testa a disposição do espectador. Quem resiste a essa, vai superar todas as outras invenções ou adaptações bíblicas. Pelo menos oferece uma teoria de como 8 pessoas teriam construído uma arca gigantesca e mantido milhares de animais em cativeiro durante um bom tempo.

Darren Aronofsky e Russel Crowe

Darren Aronofsky e Russel Crowe

É forte, no aspecto cinematográfico, a impressão de que Aronofsky ficou tão obcecado por Noé quanto o personagem por sua missão

A impressão de que Aronofsky ficou tão obcecado por Noé quanto o personagem por sua missão, é forte no aspecto cinematográfico. A obra é quase um grande ponto de vista, tentando compreender as decisões das pessoas à sua volta, contanto que elas ajudem o protagonista a ter forças para realizar a tarefa hercúlea. Noé se transforma em alguém tão industrial (elemento maléfico, de acordo com o roteiro) quanto os homens maus que justificaram essa carnificina bíblica.

Mas até que ponto ele é melhor apenas por estar seguindo os ensinamentos do Jardim do Éden e de seus antepassados? A questão é deixada em aberta em boa parte da trama e tanta criar uma ponte entre o arquétipo bíblico com o homem moderno, que carrega o mal dentro de si, mas pode optar pela bondade. É um jeito interessante de tratar a velha luta entre Bem e Mal, mas centrada num único personagem que, na mão de um diretor menos obstinado, teria sido apenas um arauto silencioso do criador.

O mesmo não pode se dizer da maioria dos demais personagens, que tem pouca variedade dramática e se mantém os mesmos durante toda a exibição. Logan Lermann acaba sendo o ponto mais fraco ao antecipar seu desfecho logo na primeira cena. Lembrou Sméagol vendo Um Anel pela primeira vez, corrupção instantânea.

É um filme grande e revelador sobre Aronofsky, mas não um grande filme inesquecível, distante dos grandes trabalhos do diretor

Jennifer Connely tem bons momentos, mas estava ali apenas para apoiar o marido, tendo apenas uma oportunidade de brilhar, que aproveita bem. O destaque mesmo fica por conta da “estranha” da família, vivida por Emma Watson, num papel impressionante e que, sozinha, justifica a ida ao cinema.

É estranho analisar uma história seminal que, sejamos religiosos ou não, moldou o caráter humano em tantas maneiras distintas e, por si, reflete as dúvidas e atribulações que enfrentávamos há mais de 5 mil anos. Algumas coisas parecem não mudar, mas o desejo de escolher a opção correta nunca vai nos abandonar.

Era preciso um filme desse tamanho para uma discussão tão “simples”? Não, mas os épicos religiosos sustentaram Hollywood por tanto tempo e, quando bem feitos, marcam o cinema para sempre, imortalizando contos, enaltecendo personalidades e realizações que, independente da crença, são seminais para a Humanidade (vide a presença de dilúvio em pelo menos três das grandes religiões atuais). É um filme grande e revelador sobre Aronofsky, mas não um grande filme inesquecível, distante dos grandes trabalhos do diretor.

O climão de “RoboCop”: Padilha mentiu no Roda Viva?

Em fevereiro desse ano, o Roda Viva realizou uma entrevista extensa e aprofundada com o cineasta brasileiro José Padilha, que dirigiu “RoboCop”, “filme brasileiro de US$ 130 milhões”, de acordo com ele.

Pude acompanhar boa parte do papo na época, graças à transmissão ao vivo disponibilizada pela TV Cultura, e gostei bastante do resultado, mesmo perante uma bancada não tão preparada e com um péssimo “especialista de cinema”. Inclusive, o programa é extremamente recomendado e está disponível, em 4 partes, no canal do Roda Viva. Mas nem tudo que foi dito ali pode ser considerado verdade absoluta.

No primeiro bloco, por volta de 15m48s, alguém pergunta sobre o “clima no set”, partindo daquela premissa deslumbrada de quem nunca pisou num estúdio norte-americano. Em vez de falar sobre o mito das entourages dos atores, José Padilha optou por explicar a importância do ensaio com o elenco e da preparação antes das filmagens.

“Depois de aborrecer muito o estúdio, consegui ensaiar [assim como diz ter feito em Tropa de Elite]”, diz Padilha ao programa, também afirmando que ensaios são raros nos Estados Unidos por causa do custo; algo já questionável. “Estávamos numa sala, com sofás, algumas mesas, o Gary Oldman, o Joel Kinnaman e todo mundo. O roteirista sentava ao lado, o Josh Zetuman, e a gente ia ensaiando e mudando a cena. Isso foi criando uma intimidade e a gente foi entendendo a história cada vez mais”.

Como consequência desses ensaios, Padilha diz ter sido capaz de filmar “Robocop” como um “filme brasileiro”, no qual cenas são reescritas no set, diálogos alterados e novas cenas filmadas no improviso. Mas nem todo mundo do elenco concorda com essa visão e a resposta ao Roda Viva é colocada em xeque.

Jay Baruchel

Duas semanas depois, tive a oportunidade de entrevistar o ator Jay Baruchel, que interpreta um gerente de marketing em “RoboCop”. Ele faz a voz de Soluço, o protagonista do ótimo “Como Treinar Seu Dragão” e é fã declarado de Padilha. “Quando soube que Padilha estava filmando no Canadá, pertinho da minha casa, fui com tudo atrás da produção e queria participar”, diz Baruchel, em entrevista exclusiva ao B9. “Assisti aos dois Tropa de Elite no Netflix e gostei demais do trabalho dele”.

Vendo um ator tão empolgado, e dedicado à direção – que será o futuro de Baruchel no cinema – acabei perguntando sobre os ensaios. Curiosamente, há alguns anos, Gary Oldman havia reclamado sobre “diretores que ensaiam na câmera” para a reportagem do B9. Logo, Padilha enaltecendo o trabalho, Oldman concordando, uma resposta muito legal estava por vir, não? Mas algo inesperado aconteceu! Vou colocar o diálogo na íntegra para expor:

Fábio Barreto: – Gary Oldman havia reclamado de diretores que ensaiam na tela e José Padilha falou bastante sobre a importância do ensaio outro dia. Como foi…?

Jay Baruchel: – Ele falou isso? (gargalhadas absurdamente altas)

FB: – Sim, falou.

JB: – Okay. (com cara de “então tá, então!”)

FB: – Então não rolaram ensaios?

JB: – Não, pois quando sentamos para a primeira, e única, “table read” [quando o elenco lê o roteiro junto], ele ficou repetindo “Não fazemos isso no Brasil”. Ele me disse isso várias vezes, que ninguém ensaia no Brasil. E ele repetia “Isso é fantástico!” [imitando Padilha em deslumbre], então é estranho vê-lo falando sobre a importância dos ensaios.

Bizarro, não? Ele pode ter confundido os termos? Table read é um elemento inicial na preparação e pode até ser considerado ensaio, mas o ensaio propriamente dito acontece quando a cena é encenada, com movimentação, num cenário similar ou espaço aberto. Muitos diretores ensaiam antes e durante a produção, pouco antes da cena ser rodada, já com iluminação sendo definida e movimentos de câmera.

De qualquer forma, a contradição soou estranha e me fez questionar outras explicações dadas por Padilha durante o Roda Viva, afinal, ninguém ali estava pronto a contrapor suas explicações, pois, infelizmente, o painel tinha caráter mais curioso do que investigativo, especialmente por se tratar de um cineasta tão engajado e informado sobre violência, política e, claro, cinema.

A reportagem do B9 procurou José Padilha para comentários, ou alguma explicação sobre a contradição, mas ele não estava disponível para entrevistas sob alegação de que “o período de divulgação de Robocop acabou e ele não fala mais sobre o assunto”.

“X-Men: Dias de um Futuro Esquecido” ganha mais um trailer antes da estreia

Com a estreia se aproximando, marcada para 22 de maio, a Fox revelou mais um trailer de “X-Men: Dias de um Futuro Esquecido”.

A história acontece sete anos depois do fim da trilogia, e dois anos depois do “X-Men: Primeira Classe”, e marca o retorno do diretor Bryan Singer à franquia.

Assista ao trailer acima, legendado em PT-BR.

X-Men

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

Adeus, Popcorn Time: depois do sucesso, desenvolvedores desistem da iniciativa

Se você não teve como aproveitar as benesses de fazer streaming dos seus filmes em torrents preferidos, agora já não poderá mais. Os desenvolvedores do Popcorn Time desistiram da empreitada, alegando temerem pela própria integridade. Mexer com a máquina do copyright certamente não ia ser fácil, e eles não quiseram comprar essa briga.

“Amamos o Pochoclín [a pipoquinha mascote do serviço] e tudo o que ele significa, e sentimos muito por abandonar nossa incrível comunidade de colaboradores. Foram eles que traduziram o app para 32 idiomas, alguns deles nós nem sabíamos que existiam. Ficamos impressionados com o que uma comunidade de código aberto pode fazer”, explicam em comunicado liberado há pouco no site.

“Nosso experimento fez com que nos sentíssemos em perigo por fazer algo que amamos”, esclarecem os desenvolvedores do Popcorn Time

O Popcorn Time chamou a atenção de mídias no mundo todo por ser uma interface agradável de acesso a filmes disponíveis em torrents, sendo elogiado por se colocar como um ‘herói’ do consumidor, que poderia assistir a filmes recentíssimos do conforto da sua casa.  Eles esclarecem que o projeto não é de nenhuma forma ilegal – “Nós checamos. Quatro vezes”, ressaltam – mas que os custos para manter o projeto no ar são altos demais para eles.  “Não queremos fazer parte dessa batalha”, encerra o texto.

Tentei acessar o aplicativo por aqui, mas ele não responde mais, fica eternamente aguardando uma conexão. É realmente uma pena. Adeus, Pochoclín!

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

Oscar 2014: Samsung e Twitter não param de rir com o maior selfie de todos os tempos

O Oscar tem muitos patrocinadores. 30 segundos de veiculação durante o intervalo da premiação custou 1.8 milhão de dólares esse ano. Porém, nenhuma marca deve estar mais satisfeita do que Samsung e Twitter nesse momento de entrega dos troféus da Academia.

A apresentadora Ellen DeGeneres não largou o seu Galaxy, tirando fotos e tuitando durante o evento. E uma dessas brincadeiras já pode ser considerada o maior selfie de todos os tempos, pelo menos mercadologicamente falando.

Ellen reuniu vários atores para a foto, e ainda desafiou o público a transforma-lá na mensagem mais retweetada do Twitter. Minutos depois do selfie, era impossível até seguir a apresentadora, um bug devido ao alto volume de novos followers.

No momento que escrevo esse post, já são mais 350 mil RT’s e 200 mil favoritadas. E, mesmo com toda a história da pizza, entregue pela Big Mama’s & Papa’s, ficará marcado como o melhor product placement da noite.

Esse ano é a primeira vez que o Oscar é transmitido também via internet, com patrocínio da Samsung, mas talvez eles não imaginassem o montante de cachês milionários reunidos em uma única foto.

[ATUALIZAÇÃO] Nos bastidores, Ellen usa um iPhone, segundo apontado por diversos leitores. Mas isso não deve estragar o merchan, apesar de dar margem pra piada: “Pra usar Galaxy, so? pagando”.

Oscar

[ATUALIZAÇÃO 2] É oficial. Esse é o tweet mais retweetado do Twitter, ultrapassando o recorde que pertencia ao presidente Barack Obama, quando comemorou sua reeleição.

Oscar

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

“RoboCop”: Padilha Ex Machina

As ideias de gente como Gene Roddenberry e Arthur C. Clarke, por exemplo, sempre fizeram a ficção científica contemporânea olhar para a frente e para o futuro. Ambos criaram mundos tão críveis quanto distantes, um pouco conectados por uma aparente fé na evolução da Humanidade. Até agora, sobram argumentos para contrapor esses visionários.

Violência urbana, pequenas – e constantes – guerras em áreas de grande miséria, corrupção e muita incerteza na política internacional com Coréia do Norte e Irã ameaçando desestabilizar o cenário. Logo, a ficção começou a olhar o amanhã com cinismo, aquela sombra soturna pairou sobre heróis e os futuros deixaram de ser promissores, quase ecoando a onda do “cinema contra as corporações” da década de 1980 ou vendo as trevas em qualquer sombra, no “efeito Nolan”.

E é daí que surge o argumento para a estreia de mais um diretor brasileiro em Hollywood: “RoboCop”, dirigido por José Padilha e fotografado por Lula Carvalho.

Com uma carreira brasileira marcada pela pesada crítica social, a ausência total de fé no sistema de segurança e no claro desdém pelo trabalho da imprensa, Padilha assumiu a missão de dirigir um remake do clássico de Paul Verhoeven. O processo foi abertamente atribulado com diversas alterações de data e muitas discussões sobre os rumos da história e, mesmo com tudo isso, saiu.

José Padilha no set

José Padilha no set

RoboCop

Antes de ver o filme, o instinto dizia ser impossível dissociar uma obra da outra, ou seja, comparar o original com o novo. Depois, isso cai por terra. Alguns elementos continuam presentes, mas, felizmente, o novo ?“RoboCop” se sustenta com as próprias pernas e podemos olhá-lo como obra única. Mas isso não quer dizer que o diretor conseguiu, necessariamente, transferir seu estilo provocador para a tela nessa mistura de ficção científica, filme de ação e drama familiar.

Gene Roddenberry idealizou um mundo no qual o humano deixasse de ser violento. Padilha se alimenta do oposto, vendo uma sociedade derivada diretamente dos efeitos dessa agressividade. Ele parece buscar por uma utopia inexistente, tal como Roddenberry. Mas, ao ponto que o criador de “Jornada nas Estrelas” viu esse homem “evoluído”, Padilha tem como maior “devaneio” em “RoboCop” a cena de abertura, na qual veículos de combate não-tripulados (drones) e soldados robóticos norte-americanos patrulham e pacificam as ruas de Teerã, capital do Irã, um dos maiores opositores aos Estados Unidos (esse será o único spoiler do filme, prometo).

O cenário é fantasioso ao extremo, quase um mundo paralelo no qual décadas de desavenças foram superadas sem conflito (o roteiro deixa claro que a Guerra do Afeganistão foi a última travada ao custo de “vidas americanas”) em apenas 14 anos. Mas serve para passar um recado direto: Padilha quer criticar o uso atual dos drones.

O tema é justo, atual e relevante. A administração de Barack Obama tem ampliado o uso dos veículos para eliminar ameaças fora dos Estados Unidos (é proibido o uso desse recurso em território americano e contra cidadãos onde quer que estejam) e as críticas acontecem com frequência. Padilha também fala a respeito – mas não mostra – de uma sociedade violenta, repleta de crimes e sofrendo por isso. A tese central é: usar os drones ou não.

RoboCop

Elementos do original continuam presentes, mas, felizmente, o novo ?“RoboCop” se sustenta com as próprias pernas e podemos olhá-lo como obra única.

Para debater o tema, ele utiliza o âncora de TV da extrema direita, o empresário capitalista até o último fio de cabelo, a corrupção na polícia, a família destruída, o sucesso em outros “mercados” e a repetição do discurso dos políticos. Muito bem. Tudo está lá. Mas a superficialidade reina. Não há novidade, não há nenhum novo argumento para a discussão. Não há sinal do impacto da mensagem de “Tropa de Elite” – quando o Capitão Nascimento fala de fazer uma escolha… e opta por “ir para a guerra”, ele faz mais diferença do que toda a discussão em “RoboCop” – e o que sobra é uma chuva no molhado. Algo muito aquém da proposta inicial.

O tema não permeia o filme como uma presença sombria e problemática, ele desaparece quando Jackson sai de cena e só volta se jogado na cara do espectador. O resultado é artificial, como se apenas o elemento radical importasse. A América, que tanto é mencionada, não tem voz própria, se tornando uma marionete da mídia, numa crítica descabida se contraposta às mídias sociais. O argumento soa didático, feito por quem acabou de ler as primeiras linhas sobre o tema, quase professoral (assim como Padilha fez com as ‘cenas de professor’ em “Tropa de Elite”), portanto, desinteressante para quem vive essa realidade.

E existe mais um agravante: Padilha gosta de vilanizar o sistema (com méritos!), mas dessa vez faltou um vilão digno. Falta uma ameaça. Falta algo maior em jogo. Esse elemento é extremamente problemático para a composição de um filme impactante e socialmente relevante, pois se o inimigo é invisível e “maior que tudo”, ele se torna praticamente imbatível e invalida a jornada do herói. Tira força de todos os argumentos e, de certa forma, justifica o desempenho mediano nas bilheterias norte-americanas.

RoboCop

Ao criticar o papel da imprensa, Padilha acaba utilizando um recurso a là “Tropas Estelares”, com Samuel L. Jackson dando um show tecnológico e defendendo seus ideais extremos. A alusão clara a Rush Limbaugh está lá, entretanto, em alguns momentos, ele é muito mais Datena do que sua contrapartida republicana.

Padilha gosta de vilanizar o sistema, mas dessa vez faltou um vilão digno. Falta uma ameaça. Falta algo maior em jogo.

A tentativa de porrada é para todo mundo, não exclusiva dos americanos. Assim como a escorregada. O debate nunca decola e a denúncia nunca acontece. E daí que o apresentador é caricato e exagerado? Isso sempre existiu. O que ele fala e faz importa e, nesse caso, o roteiro falha ao não enxergar essa necessidade, de ir além, de forçar a barra, de apelar.

Muito dessa culpa está tanto na ausência do vilão, que personificaria ou causaria alguns desses problemas, quanto no fato de Padilha optar por não mostrar essa sociedade norte-americana varrida pela criminalidade. Não vemos as ruas de Detroit destruídas, famílias acuadas, gente com medo. Nada.

Na única prisão que “RoboCop” faz, ele está na frente da delegacia, em meio a um evento público. Onde está a realidade? Quais mazelas afetam esse futuro? Como se alinhar à crítica de que “ninguém quer ser RoboCop, nem mesmo Alex Murphy”, de acordo com o diretor, se não vemos a necessidade dele propriamente dita? É o mesmo que acreditar na guerra de “1984” sem questionar, coisa impossível com a noção moderna de comunicação.

Paul Verhoeven no set do RoboCop original

Paul Verhoeven no set do RoboCop original

RoboCop

Falta essa conexão da crítica com sua relevância, com a perda de Murphy, que foi desumanizado ao se tornar um ciborgue tecnológico from hell. E isso fecha a sequência responsável pela atenuação do filme: como sentir pela família? Mesmo repletos de decisões acertadas, e um belo trabalho de Abbie Cornish, a família sofre da mesma superficialidade dos pontos críticos. É um problema estrutural, enfatizado por um primeiro ato extremamente longo e focado na reconstrução de Murphy.

Padilha pode ter falhado em dar a carga crítica ao filme, isso é fato. Porém, ele não falhou ao entreter. Como obra de ação, funciona bem. Como filme de ficção científica, fez bom uso dos efeitos, teve bom gosto na construção da tecnologia, nos efeitos que ela causa no mundo – e se distancia, e muito, do fraco “Elysium”, de Neil Bloomkamp – e na criação do universo bélico em torno do RoboCop. Como filme policial, nem tanto, pois a corrupção é mais um dos temas com execução duvidosa e desfecho simplório. O filme é divertido, tem boas piadas e, como mencionado anteriormente, se sustenta sem problemas.

Logo, é um êxito comercial, com um visual digno de Hollywood – feito pela visão de Lula Carvalho, o mesmo diretor de fotografia dos dois “Tropas de Elite” –, sem escorregadas no som, com trilha sonora também brasileira e um elenco de nome trabalhando bem. Gary Oldman é fantástico, como sempre; embora também tente assimilar a carga de vilão sem de fato o ser. Joel Kinnaman, o herói, tem uma interpretação neutra, sem muita variação ou profundidade suficiente nas cenas mais dramáticas.

A refilmagem era necessária. O “RoboCop” original é um dos filmes mais datados de seu período e, se me permito aqui uma única comparação, Padilha dirigiu muito melhor que Verhoeven. E isso, em si, já é uma boa realização. Nota altíssima para a nova versão da “morte” de Alex Murphy. A atualização da temática fez bem ao personagem, assim como a tecnologia e um elemento que o filme de Padilha transborda: humanidade x artificial.

Enquanto o primeiro RoboCop lutava contra a sua programação, sem nenhuma perspectiva de voltar a ter uma família ou uma vida normal, a versão atual está no outro extremo, fazendo de tudo para conciliar a nova realidade com o lado emocional. “Eu, Robô” é muito mais efetivo nesse quesito, porém. Ou mesmo “O Homem Bicentenário”. Duas obras de Asimov. Dois tratados sobre Humanidade, pois escolheram um tema e mergulharam nele.

“RoboCop” conseguiu fugir do estigma de ser uma nova versão de “Tropa de Elite”, e se distanciou de forma positiva do original.

A história, e a realidade desse 2028, permitem que vejamos essa esperança no horizonte da família Murphy, embora de forma – novamente – muito sutil. E esse é o maior problema desse filme, o roteiro do estreante Joshua Zetumer (numa derrapada gigantesca da Sony Pictures).

Não havia espaço para sutileza nessa história, Padilha é o diretor que sabe dar a martelada como ninguém. Então, por que insistir nessa vasta gama de temas e retirar a profundidade de todos eles? É como se houvesse o desejo de que a história fosse o mais neutra possível para evitar uma tragédia, mas o resultado pode ser um filme que caia rapidamente no esquecimento do público norte-americano. Padilha deveria ter notado isso, mas ele teve suas guerras a travar e é possível entender, e acreditar, que poderia ter sido muito pior.

“RoboCop” conseguiu fugir do estigma de ser uma nova versão de “Tropa de Elite”, se distanciou de forma positiva do original e abriu espaço para uma nova série, muito mais pé no chão e – por conta dos aprendizados do passado – melhor que a original. Mas poderia ter sido melhor, muito melhor.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

“12 Anos de Escravidão” e duas horas de vergonha

Muito se falou em escravidão quando “Django Livre” estreou com uma visão estilizada, pop e até cínica de Quentin Tarantino. Um dos maiores pontos de discordância por aqui foi a seriedade, ou a falta dela. Escravidão é assunto sério, e ainda influente na vida de muitos norte-americanos (lembremos que a segregação foi consequência direta e só terminou em 1964, mesmo que muita gente diga que ela nunca terá fim), logo, não existe meio termo.

Embora “Lincoln” tenha usado o assunto como pano de fundo para contar a vida do presidente assassinado, faltava um novo filme contundente sobre o tema. A polêmica veio em duas partes: primeiro, a crescente reclamação de que a vida do negro norte-americano só ganha espaço nos grandes filmes pela violência ou pela escravidão, de acordo com vários articulistas e figuras da comunidade; depois pela identidade do diretor e do astro principal, afinal, Steve McQueen (indicado ao Oscar de Melhor Diretor) e Chiwetel Ejiofor (indicado a Melhor Ator) são ingleses, o que os desqualificaria para abordar o assunto. Eis que o filme estreia e a maioria das vozes se calam. Por uma simples razão. Como realização cinematográfica, ele é fantástico! Como documento social, é incômodo e vergonhoso. E precisa ser visto.

Uma cena é marcante em “12 Anos de Escravidão” mostra o fazendeiro de algodão vivido por Michael Fassbender (indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante) encontrando na Bíblia a justificativa para seus direitos de posse dos escravos e o modo bruto e estúpido como os trata. A mesma Bíblia que ensina os escravos a escutarem, terem fé e acreditarem na ressurreição. Quem Fassbender tenta convencer? Seus deuses, cujas palavras o autorizam? A esposa furiosa pelas relações sexuais do marido com uma das escravas? Ou a si mesmo, para encontrar algum moralismo e razão que justifique a violência?

O diretor Steve McQueen no set

O diretor Steve McQueen no set

12 Slave

As respostas não importam, pois a lei e os costumes validavam assassinatos, brutalidade e tortura. Tudo isso já seria forte o suficiente para envergonhar todos que, ativamente ou não, conviveram com essa condição por anos, mas há uma particularidade no roteiro (indicado a Melhor Roteiro Adaptado) e na história original de Solomon Northup: ele era um homem educado, violinista exemplar e pai de família. Seu único “crime” era ser negro, seu único “erro” foi confiar em homens que lucravam com o sequestro de homens livres nos estados do Norte e a venda deles como mercadoria no Sul.

E daí surge a grande questão do filme: se apenas a cor separava (ou separa) um homem digno de respeito de uma simples mercadoria (ou coisa a ser explorada), e, hoje em dia (pelo menos oficialmente) a escravidão é proibida, o que separa qualquer ser humano de passar pelas mesmas provações e absurdos? E a resposta é triste. Nada. Não faltam casos de escravidão involuntária, exploração infantil, cativeiros de décadas, trabalho forçado e dívidas impagáveis transferidas de pai para filho por fazendeiros em diversos países, inclusive no Brasil.

A sociedade pode ter dado um grande passo ao abolir a prática sem, de fato, extirpar o conceito da superioridade absoluta de um ser humano sobre outro. “12 Anos de Escravidão”, ou 2 horas de vergonha (pois foi isso que senti ao longo da projeção), é um chamado à auto-análise, à reavaliação de tudo que se ouviu ao longo da vida sobre o período e as atrocidades nele cometida e ao questionamento de seus próprios conceitos. Claro, ninguém aqui é escravagista (assim espero!), mas será que nunca praticamos atos similares em outras circunstâncias? Todo dono de escravos tinha a razão de estar certo. Perante deus, leis e seus “iguais”.

12 Slave

“12 Anos de Escravidão” é um chamado à auto-análise, à reavaliação de tudo que se ouviu ao longo da vida sobre o período e suas atrocidades

Como pai de família, vivi aquele fim de mundo de forma intensa. Solomon foi sequestrado, vendido, espancado, flagelado, estrangulado e a lista continua. Por vezes, salvo por seu violino; noutras, pela pura sorte. O acaso é o grande juiz, levando alguns, poupando outros. Sem justificativa, sem razão. Apenas a manifestação clara da loteria social. Abominamos a escravidão por conhecer a essência desse mal, por estudarmos seus terríveis efeitos e, felizmente, por conhecermos histórias que geram uma certeza: a Humanidade perdeu com esse episódio. Há, mas escravidão sempre existiu, os gregos, os romanos e etc. Claro, mas uma hora precisava acabar, não? Tempo de serviço não legitima estupidez.

Boas participações de Bennedict Cumberbacth e Chris Chalk dão peso ao elenco de apoio, que conta com participação do também produtor Brad Pitt, mas as emoções são garantidas pelo simpático e modesto Chiwetel, num tour de force extraordinário. 12 anos se passam na narrativa. Quase todo esse tempo é sentido pelo abandono, pela luta solitária, pela resistência de um sujeito disposto a voltar para a família… e voltar a ser livre.

McQueen tinha tanta certeza da escolha para o protagonista, e em sua habilidade, que, num dos pontos altos, foi contra todas as regras modernas e simplesmente parou a câmera. Deixando Chiwetel trabalhar. Ou melhor, sofrer em frente a milhares de espectadores. Tanto a pausa quanto a atuação são angustiantes. Estamos diante de um homem que está perdendo seu tempo, sua vida. Nada mais justo que o público sinta esse incômodo, veja seu desejo crescente de novidade e movimento ser cerceado.

O filme tem vários vilões, entre eles Paul Dano, em novo papel de maluco descontrolado (sua especialidade) e o maior de todos, Michael Fassbender, fruto da sociedade e economia de seu tempo. A esposa não lhe atrai, pois ela não está sob seu controle; é opositora. A escrava linda atende a suas necessidades, comprova a virilidade. Ele é praticamente uma criança mimada com uma bazuca, discorde dele e boom!

Uma realização cinematográfica fantástica, e um documento social incômodo e vergonhoso

Os demônios de Fassbender são os mesmos das proto-celebridades de hoje em dia, ele precisa ser adorado, temido, respeitado, idolatrado. Se não está no foco da atenção, não é nada; desaparece na vastidão das próprias terras e embaixo da saia rodada da esposa dura na queda. Ele vive do show e termina esperneando não necessariamente por lhe tomarem o brinquedo favorito, mas por ignorarem tudo que ele é e acredita.

Embora seja filme de época, alguns paralelos atuais são inevitáveis. Os escravos são examinados e vendidos sem controle sobre seu destino, expostos e descartados caso não atendam as demandas dos compradores. Atualmente, fazemos algo parecido por livre e espontânea não? Colocamos nossos corpos, ideias, realizações, sonhos e opiniões à venda, expostos sem nenhuma barreira, à espera do melhor comprador, que vai se apropriar da sua postura, influenciar como você vive e ter o poder de lhe deixar sem dinheiro no mês seguinte, se assim desejar.

Forcei a barra? Sei não. Pode até ser o cerne das relações de trabalho, mas, estamos, de fato, de pé, em praça pública, querendo ser escolhidos pelo melhor senhor. Fazer isso no Facebook, na Campus Party ou no Twitter pode mudar a embalagem, mas não altera a essência. Ah, mas escravos não tinham opção. E você, tem?

———
Fábio M. Barreto é jornalista e autor da ficção brasileira “Filhos do Fim do Mundo”.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

Crianças reencenam os filmes indicados ao Oscar

O CineFix reuniu uma garota para reinterpretar os indicados ao Oscar de Melhor Filme.

O resultado é adorável. Uma prévia para quem ainda não viu os filmes, mas ainda mais divertido para quem assistiu.

Kids

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

“Nebraska”: A observação do homem comum de Alexander Payne

A temática de “Nebraska”, dirigido por Alexander Payne (“Os Descendentes”) chama atenção em vários pontos. Logo de cara, uma câmera distante espera a chegada do senil Woody (Bruce Dern, em trabalho indicado ao Oscar de Melhor Ator), caminhando em direção a um prêmio inexistente, noutro estado. Isso define tanto o estilo escolhido por Payne, quanto pelo roteiro de Bob Nelson: ser observador.

Não há esforços para mergulhar nas ações dos personagens ou ser co-protagonista da narrativa, o lugar do espectador é na poltrona, descobrindo uma das milhares de histórias do dia-a-dia dos Estados Unidos. E ela é monótona, sem propósito, tediosa. Entretanto não diminui a vida daquelas pessoas. Conhecê-las vale a pena, assim como sentir por elas.

O roteiro se passa na vastidão parcamente habitada do meio-oeste norte-americano (os personagens fazem uma peregrinação de Montana ao Nebrasca). Lá os sonhos são outros, ninguém almeja as luzes de Los Angeles nem a modernidade de Nova Iorque. A vida simplesmente acontece, naquele ritmo que todos conhecemos. Devagar e sempre. Às vezes, sem levar a lugar algum. E é nesse ponto que a jornada senil de Woody ganha sentido, pois ver um homem incapaz de tomar decisões, acometido por constantes lapsos de memória, tão decido a alcançar algo inexistente, levanta a pergunta: por que?

Alexander Payne e Bruce Dern no set

Alexander Payne e Bruce Dern no set

Nebraska

Tudo isso é construído enquanto conhecemos a família Grant, repleta de exemplos clássicos do baby boomers – machos-alfa e mulheres submissas. Não importa o que tenham feito da vida, nem quanto dinheiro tenham, todos vão parar na frente a tevê, devidamente abastecidos com cerveja, e, silenciosamente, assistir ao beiseból. Relembrar frivolidades. Literalmente, ver o tempo passar. Esperando a próxima obrigação que vai tirá-los do lugar, que vai força-los a deixar o templo.

É um contraponto a praticamente tudo que Hollywood produz, a sempre criar histórias com ritmo acelerado, em momentos de transformação na vida de personagens em ascensão ou um veterano buscando redenção. Woody não quer nada disso. Ele quer fazer algo mais simples: quer deixar algo para os filhos; ter um legado, que nunca foi capaz de construir. Talvez por isso a escolha do preto e branco, no qual quase nada se destaca e ações internas valem mais que as escolhas exteriores. A fotografia em preto e branco também foi indicada ao Oscar.

Ele é o resultado da vida daquele sujeito que sempre fez o suficiente para aguentar até o próximo mês. No caso dele, com um agravante por ser um sujeito caridoso e facilmente enrolado. Mas onde está Will Forte, o MacGrubber do Saturday Night Live? David está ao lado do pai. Não há o conflito de gerações. Ele é o guardião, ou melhor, o único guardião disposto a acompanhar Woody em seu devaneio.

Sujeito pacato, trabalha numa loja de eletrônicos, não consegue segurar a namorada por ser incapaz de agir, de tomar decisões. Testemunhar a loucura do pai, ao surto familiar quando todos tentar tirar um pouco de dinheiro de uma fortuna inexistente, e todos os sonhos depositados no veterano serve como alerta. Aquele é o futuro dele, caso continue passivo. E o preço é alto demais.

Nebrask

Payne resistiu à tentação de explorar as maravilhas de Montana e tudo é mais íntimo. A jornada é pessoal.

Vez por outra, comediantes resolvem testar os limites e tentar mostrar ao mundo que são, de fato, atores. Foi assim que, por exemplo, Jim Carrey deslumbrou em “O Show de Truman” e “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” e Robin Williams transformou vidas com “Sociedade dos Poetas Mortos”. Forte é uma nova surpresa em “Nebraska”.

Will Forte trabalha de forma contida, mas cheia de bondade e sinceridade. O meio-oeste costuma criar homens duros, um tanto insensíveis. Ele resiste pelo amor e respeito ao pai. Surpreende justamente por parecer real, sem exageros; no fim das contas, o homem por trás das caretas do SNL consegue chamar a atenção por quem é. Mais um entre tantos sujeitos que nunca romperam as fronteiras do lugar onde cresceu. Isso não o incomoda; viver sozinho e terminar abandonado sim.

A dobradinha Forte/Dern funciona bem e a história ganha credibilidade. Quando a conclusão tão divertida quanto emotiva chega, ele volta a sorrir; volta a ser criança, ao ver o pai realizando um sonho tardio, ao, mesmo que artificialmente, encontrar algo para se orgulhar. E ser feliz.

O filme é cheio de alertas, cheio de provocações e cheio de tempo. A edição novamente acertada de Kevin Tent deixa tudo acontecer e leva o longa à beira do tédio, mas nunca chegando lá. Payne resistiu à tentação de explorar as maravilhas de Montana e tudo é mais íntimo, se os personagens não estão no lugar, ele não importa. A jornada é pessoal.

“Nebraska” é um dos melhores filmes do ano. Concorre ao Oscar, embora sem favoritismo.

Precisamos gostar de Woody e de David, cujas histórias parecem ser mais conhecidas pelos outros personagens do que por eles mesmos. Aí surge um dos grandes destaques: June Squibb, no papel da mãe desbocada e porra louca. Ela quebra o marasmo, energiza todas as cenas em que aparece e promove as melhores piadas do filme e também foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.

“Nebraska” é um dos melhores filmes do ano. Concorre ao Oscar de Melhor Filme, embora sem favoritismo. Ele marca mais um passo sólido na carreira de Alexander Payne, também indicado a Melhor Diretor, um dos grandes contadores de história da geração atual.

Ele é efetivo, simples, se dedica ao homem comum (mesmo com a fortuna, o protagonista de “Os Descendentes” tem dramas de gente normal), ao que nos torna humanos e sabe bem como navegar no meio de tanta angústia, mesquinharia, sonhos… e morte. Viver bem, ou melhor… apenas viver é a lição constante do diretor.

——-
Fábio M. Barreto é jornalista, autor da ficção “Filhos do Fim do Mundo” e sonha em se aposentar em Montana!

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

“Trapaça”: O conto do vigário

O U2 cantou sobre as “mãos que construíram a América”, na trilha sonora de “Gangues de Nova York”, um filme focado em criminosos e picaretas de outrora, mas igualou a contribuição dos criminosos à dos trabalhadores honestos na história do país.

A nação pode ter evoluído, mas nunca eliminou o desespero. E, onde há desespero, há alguém para tirar proveito da situação. No badalado “Trapaça” (American Hustle), somos apresentados à versão anos 1970 das falcatruas sob o comando de David O. Russell e um elenco estelar com Christian Bale, Amy Adams, Jennifer Lawrence e participação fantástica de Robert De Niro.

“Trapaça” é um filme peculiar. Como tantos outros, mergulha na década de 70 para falar do crime, para retratar uma época marcada por corrupção e violência, assim como brilho e sonhos. E o que encontra é uma mescla de medo, insegurança, desejo de ficar milionário e traição, muita traição.

O título e a trama já dão a entender: alguém vai levar um golpe, muita gente vai ser enganada. Daí surgem as dinâmicas entre personagens e o arco dramático relativamente direto e bem executado pelo diretor David O. Russell (“O Lutador” e “O Lado Bom da Vida”). Nada muito novo ou inédito. A época já foi retratada ao extremo, e com competência, por Scorsese e em filmes mais recentes como “Gangster Americano”, por exemplo. Então, de onde surge toda a adoração ao filme? Elenco!

David O. Russell com Bradley Cooper e Amy Adams no set

David O. Russell com Bradley Cooper e Amy Adams no set

Trapaça

Russell escolhe bem suas histórias. “O Lutador” é fantástico tanto em roteiro quanto em elenco; o mesmo vale para “O Lado Bom da Vida”, logo, ele misturou o time dos dois filmes e criou um monstro em “Trapaça”. Especialmente por isso, é possível entender as motivações de diversos tipos de figuras da época.

O enganador dividido entre amor e o dinheiro (Christian Bale), o policial pobre que vive num mundo idílico onde é famoso e querido (Bradley Cooper), a esposa abandonada disposta a tudo por afeto (Jennifer Lawrence), o político navegando pelo sistema corrupto (Jeremy Renner), a beldade disposta a nunca mais sofrer, custe o que custar (Amy Adams) e o promotor público louco para ser promovido (Alessandro Nivola). Inicialmente arquétipos, mas dotados de camadas e personalidade tão grandes que se tornam fantásticos.

O roteiro não tem medo de partir do estereótipo e, então, ir revelando camada atrás de camada, transformando todos em personagens disfuncionais e cujos objetivos serão modificadas ao longo da trama, conseguindo cumprir a grande busca de qualquer roteirista: simular algo capaz de envolver o espectador.

A vida é assim, longe da discussão preto/branco/cinza, algo em constante desenvolvimento, cheia de razões pouco óbvias e que só o próprio indivíduo compreende. Assim são os personagens de “Trapaça”, guerreiros em causa própria obrigados a envolver interesses alheios no grande esquema.

Trapaça

Um dos pontos mais interessantes é o personagem de Jeremy Renner, o prefeito Carmine Polito. Ele é a maior dúvida da trama. Corrupto? Idealista? A definição não importa, mas suas ações afetam absurdamente o grande manipulador da história vivido por Christian Bale (gordo, careca e conquistador). As roupas extravagantes podem ter saído de moda desde os anos 70; a descoberta da amizade e da confiança, não.

O roteiro não tem medo de partir do estereótipo e ir revelando camadas, transformando todos em personagens disfuncionais

Essa relação acaba sobressaindo na trama, pois graças à atuação dos dois atores, algo especial acontece ali e entendemos o lado pessoal, e real, de ambos os personagens em meio à armação do título. Polito surge como algo novo no gênero, ao misturar as funções políticas com uma postura pessoal pouco vista nesse tipo de personagem, coroada em mais um belo trabalho de Renner. O embate final entre Bale e Renner é desmoralizador.

Em seu discurso no Globo de Ouro, Amy Adams agradeceu David O. Russell por criar “grandes personagens femininas” e ninguém pode tirar isso dele. Mulheres relevantes, marcantes e inesquecíveis. Ela mesma pode criar uma mescla de sensualidade e inteligência bastante efetiva em “Trapaça”, mas o momento mais marcante ficou para a despirocada Jennifer Lawrence cantando “Live and Let Die” numa cena claramente inspirada no batizado de “O Poderoso Chefão”. É um choque de estilos e forças diferentes, numa época no qual o descaso, e destrato, com as mulheres ainda era aceito como parte do jogo.

Trapaça

A Ilusão Americana

“Trapaça” tem uma constante: todos os personagens são sonhadores, ambiciosos. O sonho americano estava em xeque (a maioria das capitais enfrentava sérios problemas de pobreza e depreciação imobiliária) e ficar parado significava problemas financeiros.

David O. Russel cria mulheres relevantes, marcantes e inesquecíveis

Recorrer ao crime era uma das opções, a que vemos nesse filme é a enganação. Gente desesperada disposta a colocar dinheiro em negócios duvidosos, sob a promessa de grande retorno.

Uma temática bem semelhante ao início da vida de Jordan Belfort, em “O Lobo de Wall Street” – que acontece anos depois, logo, uma reação típica de quando a água chega no pescoço. Ou seja, todos vivendo na ilusão do sonho que, pode, quem sabe, eventualmente, se tornar realidade.

E a única certeza é a do pesadelo.

Crescer no Brasil significa ouvir máximas como “todo político é corrupto”, “o jeitinho brasileiro”, “político que rouba, mas faz”, “só ladrão se dá bem” e por aí vai. Tudo isso faz parte desse universo setentista de “Trapaça”, um mundo carente por estrutura, com pouco dinheiro, cheio de pessoas dispostas ultrapassar barreiras para se dar bem.

“Trapaça” tem uma constante: todos os personagens são sonhadores, ambiciosos

Claro, trata-se de uma ficção, mas ignorar os paralelos claros é tolice. E é necessário entender o arco dramático e histórico que o país conseguiu criar nas últimas 4 décadas. Difícil não pensar que o poderio norte-americano de hoje, foi construído sobre os sonhos destruídos de milhares de personagens de histórias tão similares a essa. O sonho acabou faz tempo e a maioria se recusa a acreditar.

“Trapaça” chega com força ao Oscar, grande elenco e toda essa carga social. Pode levar o prêmio principal, mas precisa derrotar “Gravidade”, de Alfonso Cuarón.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

O Lobo Mau de Wall Street

Há uma linha clara guiando a maioria dos indicados a Melhor Filme no Oscar: os roteiros têm caráter transformador e provocador. A única exceção é “O Lobo de Wall Street” (The Wolf of Wall Street, 2013), escrito por Terence Winter, de “The Sopranos” e “Boardwalk Empire”, que optou por um retrato de um sujeito desprezível, sem grandes arcos dramáticos ou envolvimento emocional do espectador com a história. Entretanto isso não impede que Martin Scorsese e Leonardo DiCaprio deem mais um show de cinema, mantendo um ritmo quase frenético por 3 horas de exibição.

A sensação contraditória é inevitável, pois a história é absolutamente previsível desde o primeiro momento e a persona de Jordan Belfort, o empresário picareta que constrói um império vendendo ações em Wall Street, se transforma rapidamente num catalizador para piadas físicas, humor à la Jack Ass e um ego do tamanho do mundo.

Ele é o vilão, logo, não faz nada digno de identificação ou piedade; só é herói para ele mesmo. Um sujeito que ultrapassa os limites da ganância em prol do sentimento de invulnerabilidade criado pela fortuna. Pronto. É isso. Mas, ao mesmo tempo, é impossível tirar os olhos de DiCaprio – e das beldades que o cercam ao longo do filme – e aguardar pelo próximo movimento de câmera maluco de Scorsese, que brincou bastante com pontos de vista (talvez um reflexo de Hugo? Leia mais aqui) e se portou quase como um analista do personagem.

Scorsese com DiCaprio e Margot Robbie no set

Scorsese com DiCaprio e Margot Robbie no set

Oscar 2014

Belfort incorpora o asco aos operadores de Wall Street, ainda mal vistos desde a última crise, e tinha potencial para permitir uma análise desse mercado, das más práticas e da reação do público a eles.

Terence Winter preferiu ignorar tudo isso e manter o roteiro focado apenas nas realizações, exageros e surtos comportamentais regados por quilos de cocaína e inúmeros comprimidos de quaalude (banidos depois da década de 80).

Ele também mostra o lado negro do “self-made man”, já que conseguiu sua fortuna por esforço próprio, mas apoiado no desespero alheio. Incapaz de manter o zíper fechado, mesmo casado com uma deusa, ele vive ao bel prazer do abuso, da falta de limites e da imbecilidade concentrada. Para descobrir tudo isso, não é preciso mais que meia hora de filme, pois ele é escancarado.

Não há camadas, não há sub-tons na vida de Belfort. Não há nada a ser descoberto. O que resta? Leonardo DiCaprio alucinando em cena. Transformando discursos motivacionais dentro da empresa em momentos de atuação suprema, envolvendo, quebrando tudo. As palavras pouco importavam perante um ator disposto a tudo para fazer o espectador acreditar na babaquice inigualável de seu personagem.

Martin Scorsese e Leonardo DiCaprio dão mais um show de cinema, mantendo um ritmo quase frenético por 3 horas de exibição.

A lavagem cerebral dos funcionários acontecia com razão, afinal, todo mundo queria dirigir a Ferrari de “Miami Vice”; era o sonho americano às avessas. Scorsese foi sábio ao escolher no exagero (tanto da atuação quanto do uso da baixaria) sua melhor arma, pois ele é o único elemento capaz de dar alguma razão para uma jornada tão desestimulante.

O festival de nudez, sexo, sacanagem e comportamento imbecilóide permeia o filme, com direito a um ator de suporte abaixar as calças no meio de uma festa e resolver se masturbar ao ver uma mulher estonteante. Rir ou sentir nojo fica a critério do espectador, mas esse é o tom definido pelos exageros relatados no livro auto-biográfico de Belfort e mantidos no filme. Esse ponto criou muitas comparações com “Scarface”, mas elas caem por terra ao se assistir ao filme, afinal, Tony Montana é um titã da maldade perto do carente Belfort.

Wolf of Wall Street

O festival de nudez, sexo, sacanagem e comportamento imbecilóide permeia o filme

Seria fácil imaginá-lo como um retrato do homem capitalista, mas, mesmo dentre eles, o personagem é exceção à regra. Destrói o casamento sem perceber – talvez num dos poucos erros de Scorsese, ao ignorar a construção de um arco dramático para mostrar essa derrocada – e se cerca por adoradores que pensam da mesma maneira. Esse é, de fato, o roteiro mais fraco entre os concorrente à estatueta.

Num dos excessos, durante os primeiros estágios da overdose de uma dose cavalar de pílulas, DiCaprio desaba e precisa se arrastar – literalmente – até o carro para evitar que o FBI escute ligações telefônicas comprometedoras.

Wolf of Wall Street

O resultado poderia ser triste e até desesperador, mas é apenas hilariante, pois rir é a única opção. A cena coroa o trabalho de DiCaprio, que enfrenta páreo duro no Oscar. E também define o filme: veja como o homem a quem você confia seu dinheiro é problemático.

Scorsese trabalha bastante as cores e os filtros para estilizar bons momentos do filme, transforma o ambiente a seu favor, dá um show de técnica e mostra sua competência usual. Mas sem surpreender, como fez nos recentes “Hugo” ou “Ilha do Medo”. Muitas escolhas remetem a “Os Bons Companheiros”, por exemplo, sem garantir nenhuma cena genuinamente antológica.

Para complicar um pouco a situação, erros crassos na edição e no som comprometem os poucos bons diálogos do filme. É um bom filme? Claro. E deve ser visto. Entretanto está distante do Scorsese criativo e desbravador que sempre nos contou histórias irresistíveis. Dessa vez, o verdadeiro teste está no seu senso de humor.

————
Fábio M. Barreto é correspondente em Los Angeles, está torcendo por DiCaprio no Oscar e escreveu o romance “Filhos do Fim do Mundo”.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

O que nos dizem os indicados do Oscar 2014

Vez por outra, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas resolve apostar em tendências com seus indicados. Histórias transformadoras, críticas sociais, momentos históricos e etc são alguns desses temas. Em 2014, a mensagem é clara: dramas pessoais marcaram as produções do ano passado. É a vitória da história simples e efetiva contra as recentes tentativas de se popularizar a briga por Melhor Filme e um modo da Academia mostrar que, pelo menos por enquanto, vai manter o status quo e não arriscar.

Por que isso? Vejamos a lista de indicados a Melhor Filme. Exceto por “O Lobo de Wall Street” (The Wolf of Wall Street) e, até certo ponto, “Trapaça” (American Hustle), os demais indicados (9 no total) são exercícios de intimidade, brutalidade e dramas vistos pela lupa de seus diretores. Até mesmo “Gravidade”, com seus efeitos especiais e espaciais, ou “12 Anos de Escravidão” (12 Years a Slave), que encapsula a escravidão, sem reduzir sua importância e estupidez, se encaixam nesse perfil.

A tendência de filmes mais pessoais serve como alerta a jovens roteiristas: há espaço para esse tipo de história. É só escrever direito e parar de seguir fórmulas, afinal, nenhum dos indicados segue as regras de cursinhos ou livros de estrutura. Há um vencedor mais relevante: criatividade. E isso é fato.

Oscar 2014

A tendência de filmes mais pessoais serve como alerta aos jovens roteiristas: há espaço para esse tipo de história

Curiosamente, dois filmes de ficção científica (ou algo parecido) foram indicados. O espacial “Gravidade” (Gravity), de Alfonso Cuarón e o romance virtual “Ela” (Her), de Spike Jonze. A escolha desses longas é importante por também demonstrar que correr riscos têm suas vantagens. Muita gente riu do conceito de “Ela”, mas o filme vem conquistando espectador atrás de espectador de forma fantástica.

Já “Gravidade”, que resenhamos aqui, é um espetáculo, cheio de simbolismos, lições, sonhos e adrenalina. Sandra Bullock concorre a Melhor Atriz, George Clooney ficou de fora. Será que Cuarón vai quebrar a maldição e, finalmente, garantir um Oscar para um filme de ficção científica? As chances são boas.

Mas não há barbadas nesse ano, pelo menos nessa categoria. “Trapaça” é um rolo compressor de grandes atuações, com um roteiro exemplar e execução fantástica. É possível resistir ao combo Amy Adams & Jennifer Lawrence? E o que dizer da constante evolução de Bradley Cooper? Todos indicados. É um filme feito para uma razão: entrar para a história do cinema.

Oscar 2014

O outro grande concorrente é “12 Anos de Escravidão”, com direito a show de Chiwetel Ejiofor (indicado a Melhor Ator), bela direção de Steve McQueen e emoção garantida. Michael Fassbender também compete como Melhor Ator Coadjuvante e Brad Pitt, em pontinha estratégica, tem chances apenas se o filme ganhar, pois está indicado por ser produtor.

Será que Cuarón vai quebrar a maldição e, finalmente, garantir um Oscar para um filme de ficção científica? As chances são boas

“Philomena”, “Capitão Phillips” e “Nebraska” correm por fora, mas devem apenas cumprir tabela. O coringa desse baralho é “Clube de Compras Dalas” (Dallas Buyers Club), o que obriga a menção a Matthew McConaughey.

Ele tem grandes chances de levar o Oscar de Melhor Ator. Por conta de 3 motivos: “Mud”, “Clube de Compras Dallas” e “O Lobo de Wall Street”. Ele acertou tanto ano passado, chamou tanto a atenção, que é impossível não associá-lo à imagem de um grande ator em grande fase. Leonardo DiCaprio aparece novamente, dessa vez com chances (a recente indicação por “J. Edgar” ainda é misteriosa e sem sentido) por comandar o filme de Martin Scorsese (indicado a Melhor Filme e Diretor, entre outros).

A briga na direção fica entre David O. Russell (que também escreveu o roteiro indicado de “Trapaça”), Alfonso Cuarón (“Gravidade”), Alexander Payne (“Nebraska”), Stevem McQueen (“12 Anos de Escravidão”) e Martin Scorsese (“O Lobo de Wall Street”). Só tem cachorro grande. Palpite? Cuarón ou Russell.

Oscar 2014

Em 2014, a mensagem é clara: dramas pessoais marcaram as produções do último ano

Uma das grandes ausências foi Robert Redford, com “All is Lost”, que ficou de fora das categorias principais e só foi indicado a Edição de Som. Outro que ficou de fora foi Joaquin Phoenix, o protagonista de “Ela”, já era controverso por conta da não-elegibilidade de Scarlett Johansson por ter feito apenas a voz da interface Samantha.

O motivador “A Vida Secreta de Walter Mitty”, de Ben Stiller, foi totalmente ignorado e “O Jogo do Exterminador” não conseguiu a indicação a Efeitos Visuais, que conta com a presença bizarra de “O Cavaleiro Solitário” entre os indicados; aliás, “Homem de Ferro 3” também concorre.

A partir dessa semana, o B9 vai publicar textos sobre todos os indicados das principais categorias. Acompanhe, assista e monte sua listinha. Veja a lista completa de indicados no site do Oscar.

————
Fábio M. Barreto mora pertinho do prédio do Oscar, mas, como todo mundo de Los Angeles, não consegue madrugar para assistir as indicações e fica sabendo depois de todo mundo!

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

“A Vida Secreta de Walter Mitty” pergunta: quem, de fato, você pode ser?

CIDADE DO MÉXICO – O avião cruzava os céus mexicanos em meio a um dos espetáculos mais assustadores, e belos, da minha vida: uma tempestade elétrica que ocupava todo o lado esquerdo da roda. Os raios avermelhados desenhavam padrões malucos acima das nuvens, tive medo e, falando de forma mais romântica, inveja. Um relâmpago não tem consciência, claro, mas foi impossível não pensar que, pelo curto tempo de existência, ele fazia o que bem entendia e cumpria uma função. Era, logo existia. E então a escuridão retornava.

A cada intervalo, minha mente voltava à sala de exibição da Fox, durante ao “A Vida Secreta de Walter Mitty” (The Secret Life of Walter Mitty). E a luz havia acabado. Novamente. Lá estava Ben Stiller descobrindo que seu emprego estava na berlinda e sem saber para onde canalizar sua energia. Energia era a palavra. Energia, algo que todos temos e precisamos gastar, de preferência sabiamente, antes que ela termine.

Walter Mitty teve essa chance. Mas, antes, precisava descobrir quem ele era. Ou melhor, em quem ele havia se tornado. Esse é um dos desafios do roteiro de Steve Conrad (“À Procura da Felicidade”), baseado num conto clássico de James Thurber. E quem é Walter Mitty? “Ele não é um fracassado, solitário ou um esquisitão”, explica o diretor e astro Ben Stiller, em entrevista exclusiva ao B9, na Cidade do México.

“Ele só é um cara que nunca conseguiu colocar em prática tudo aquilo que queria ser e fazer”.

Ben Stiller comanda as filmagens em Nova York

Ben Stiller comanda as filmagens em Nova York

Walter Mitty

“A Vida Secreta de Walter Mitty” parece sintetizar as próprias escolhas da carreira de Stiller, que celebra em 2014 os 20 anos de sua primeira direção (“Reality Bites”): personagens sempre à espera de uma transformação, prontos para explodir, recomeçar ou se reinventar.

“Parte do meu trabalho é permitir que esse tipo de personagem seja notado e fazer com que as pessoas notem haver algo mais ali. Cada um tem uma história e ela acontece quer a gente queira ou não; sempre estamos pensando em algo, sempre há um objetivo e ele é importante para aquela pessoa, a gente só não sabe. Na maioria das vezes, preciso fazer o suficiente para não estragar tudo nas filmagens (risos) e continuar fazendo o que amo”.

“Não estragar tudo” significa dirigir e atuar bem, num filme cuja mensagem é universal: viver a vida. Com mais de 116 filmes no currículo, Stiller conhece tanto suas limitações quanto vantagens e as usa de acordo. “Não vejo muita ligação entre um personagem e outro, pois sempre encaro cada projeto como novo. É bobo, mas funciona assim comigo. Uma das coisas mais importantes, a meu ver, é dar dignidade aos personagens, honrar o que está no roteiro e o que Steve (Conrad) quis transmitir ali”, explica o diretor, partidário do “menos pode ser mais”.

Há melancolia, há sofrimento, mas sempre há esperança nesse roteiro em constante movimento, beneficiado por um diretor numa jornada própria

Walter Mitty é o condutor ideal para expor a visão do diretor e a devoção do ator. Muita gente acaba perdendo essa perspectiva, mas trabalhar com cinema, na maioria dos casos, é uma relação profissional. Você vai ao set todos os dias, cumpre sua função, leva trabalho para casa em alguns dias, e repete o processo até o fim do ciclo. Recebe o pagamento. E procura o próximo trabalho.

A vida de Mitty é assim, a de Stiller também. “É sempre engraçado ver minha filha cheia de perguntas quando estou editando em casa”, conta entre uma risada e outra (quando provocado, pois, normalmente, ele é mais recatado e sério do que se imagina).

Walter Mitty

“Papai, por que você passa o dia assistindo televisão?”.

Claro, ele é um dos astros mais bem pagos de Hollywood, pode produzir seus próprios projetos, mas inegavelmente, tem mostrado amadurecimento visível. É só ver o trabalho em “Greenberg” e comparar com “Mitty”. É o bom resultado da mistura: mente criativa, sucesso comercial e um cineasta com algo a dizer. E muito bom gosto visual, afinal, um dos elementos mais poderosos desse novo filme é o uso criativo das locações exóticas, assim como as mais simplórias, a favor da construção desse herói cotidiano.

“A Vida Secreta de Walter Mitty” tem um valor especial para quem trabalha com mídias, pois aborda diretamente a transição dos veículos impressos para o ambiente online

São tantos cartões postais seguidos que poderia parecer difícil lembrar de todos, mas é aí que entra a carga dramática e eles ficam marcados na sua mente, não importa se é a estrada solitária na Islândia ou a fonte na frente do escritório. Assim como os personagens tidos como corriqueiros, as locações têm suas próprias histórias e, aos poucos, vão sendo reveladas.

Para Stiller, “é necessário se lembrar constantemente de que somos formados por essas experiências, pelos passos que escolhemos, pelas decisões às quais, em muitas vezes, somos forçados a tomar; é tão fácil perder a noção quando se está gravando num lugar tão lindo, voando e fazendo coisas tão legais. Pode ser a idade falando, mas a vida passa e percebo que vamos perdendo aqueles que amamos e apenas a realidade é uma constante. O momento é tudo que temos. Lidar com isso é tão difícil quanto importante”. Bater um papo sincero e, até certo ponto, pessoal com um sujeito cuja imagem está, normalmente, ligada ao humor é interessante e mostra muito do profissional por trás das telas. Tão sério quanto tiete.

Ben Stiller e Adam Scott no set

Ben Stiller e Adam Scott no set

“Eu parecia uma criança quando Sean Penn estava trabalhando. Ele é meu ator favorito, e poder ver o cara atuar, ali, pertinho, me intrometer e capturar o resultado do trabalho dele em filme foi algo muito legal para mim”, confessa Stiller, com um sorrisão aberto.

O trailer vende bem a ideia, mas é apenas uma camada superficial desse filme intenso e, possivelmente, transformador

“É preciso ter equilíbrio, sabe. Só fui perceber isso quando formei minha família. Antes, era só trabalho, trabalho e mais trabalho. Quando as fraldas chegaram, senti a necessidade de passar mais tempo com eles e escolher bem quais histórias queria contar como cineasta. Minha família entende e apoia o que eu faço, mas graças a eles percebi que precisava aproveitar mais essas experiências às quais sou exposto e faço parte. Nunca estou totalmente feliz se não estou com eles, assim como não fico satisfeito quando não estou envolvido criativamente no processo, e dou mais vazão à criatividade quando estou com eles, logo, é um ciclo que beneficia a todos”.

“A Vida Secreta de Walter Mitty” tem um valor especial para quem trabalha com mídias, pois aborda diretamente a transição dos veículos impressos para o ambiente online (e as pequenas tragédias que acompanharam, e acompanham, o processo). Steve Conrad escolheu contar a história fictícia da última edição da revista Life e tudo acontece pelo prisma de Walter Mitty, o responsável pelo controle dos cromos e negativos. O cargo em si já soa arcaico, não? Entretanto, por se tratar da Life, o cara é fundamental! Afinal, sem fotos, a revista não existe.

Walter Mitty

O chamado motivador não faz do longa uma obra de auto-ajuda. É uma provocação declarada

Cercado por momentos da vida alheia, Mitty faz pouco por si mesmo e apela para a fantasia para espancar o chefe imbecil, conquistar a mulher dos seus sonhos e resolver os problemas mais corriqueiros. Para quem gosta, o humor de Stiller funciona perfeitamente e os personagens são construídos tanto no mundo real quanto no fantástico. O trailer vende bem essa ideia, mas é apenas uma camada superficial desse filme intenso e, possivelmente, transformador. Trata-se de um chamado à ação, um grito contra a procrastinação e as inúmeras vidas acomodadas por aí.

Walter Mitty

Interessante notar que a motivação de Mitty é profissional (ele precisa encontrar uma foto perdida), mas seus companheiros de aventura são distantes e fisicamente ausentes; pessoas com as quais ele se relaciona em seu mundo particular e com quem ele quase nunca teve contato (a paixão vivida por Kristen Wiig, o consultor de perfil do site de namoro criado com primazia por Patton Oswalt e o fotografo premiado vivido por Sean Penn). O filme tem um pouco de road movie, mas é, no fundo, uma grande caça ao tesouro e, quando se abre o baú, ele está repleto de surpresas e mensagens necessárias aos olhos de um Mitty transformado por sua própria realidade.

Há melancolia, há sofrimento, mas sempre há esperança nesse roteiro em constante movimento, beneficiado por um diretor numa jornada própria. Ele não é de todo deslumbrante, porém. Muito por conta do excesso de introspecção e longas sequências em meio à natureza, focadas unicamente na figura de Mitty.

“Pude fazer tudo que quis, e isso é fantástico. Poucos atores tem essa oportunidade. Mas em alguns momentos, pode ser frustrante não ter um diretor vendo outras coisas ou cobrando de maneira mais direta. É impossível estar nos dois lugares ao mesmo tempo, então eu seguia minha visão da cena e mandava ver. Mas me perguntava: será que estou fazendo o melhor? Estou me cobrando o suficiente? Eu sabia a resposta, mas não significa que a pergunta desaparecia!”, comenta Stiller.

Uma pergunta que não vai embora ao se assistir “A Vida Secreta de Walter Mitty” é: você sabe quem você pode, de fato, ser? Isso não faz do longa uma obra de auto-ajuda, longe disso. É uma provocação declarada. Assim como Stiller, que poderia ter se contentado ao repetir as mesmas comédias, e optou por contar outras histórias que respondessem a seus ímpetos criativos, Mitty partiu numa aventura extremamente real.

Uma pergunta que não vai embora ao se assistir “A Vida Secreta de Walter Mitty”: você sabe quem você pode, de fato, ser?

Ambos têm energia de sobra e, provocados da maneira certa, entregam resultados impressionantes. O personagem se desenvolve, se modifica, sem precisar jogar tudo para o ar. Apenas encontra um novo modo de ver as coisas. O filme é sincero, grandioso e tem peso suficiente para fazer uma coisa por você: se essa for a sua hora, ele vai te transformar.

E revelo a minha transformação: voltei a ter fé nas grandes histórias cheias de coração e relevância. Muita gente tem se surpreendido, por subestimar Ben Stiller como diretor justamente em seu melhor trabalho até agora, e por se achar acima de uma história motivadora. Motivação é tudo que sempre precisamos. Nunca devemos estar acima disso, devemos buscá-la onde quer que ela esteja. Que seja um raio distante, o refrão de uma música, a cena de um filme ou o sorriso de uma criança. É só olhar para o lugar certo. Para Mitty era num que ele conhecia através de fotos. Onde estará a sua?

============

Fábio M. Barreto é jornalista, chorou com o final desse filme, quer passar um mês na Islândia tirando fotos e é autor da ficção “Filhos do Fim do Mundo”.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

“O Jogo do Exterminador”: A resistência masculina

Enquanto os grandes estúdios brigam pelo blockbuster multimilionário do ano, um novo mercado se formou em torno de companhias menores numa constante busca pela próxima cinessérie de sucesso. Tudo por conta do sucesso recente da Summit Entertainment (que já está no mercado desde os anos 1990 e que tem o oscarizado “Guerra ao Terror” no currículo), com seus filmes altamente rentáveis e de custo modesto (“Em Chamas” custou cerca de US$ 78 milhões), que evitou os tropeços da New Line (que fez “O Senhor dos Anéis”, mas, mesmo assim, faliu poucos anos depois) e se estabeleceu como a casa das adaptações para o público adolescente.

Se a empresa fez o dever de casa no aspecto financeiro, também tem feito no aspecto criativo. O conceito é que a cada megahit, você financie outros 5 filmes menores e, quem sabe, não acerte na loteria novamente. O resultado tem sido fantástico e permitiu que um dos marcos da ficção científica norte-americana chegasse às telas.

É importante contextualizar, pois tudo joga contra “O Jogo do Exterminador”: material antigo, penetração razoável no exterior e, o mais importante mercadologicamente, distanciamento com a garotada que consome cinema e literatura hoje em dia. Mas a surpresa está justamente nessas “diferenças”, pois, essencialmente, Orson Scott Card definiu muitas das regras seguidas pelos heróis e heroínas da atualidade. Ender Wiggin é um jovem inovador, capaz de ultrapassar limites para atingir seu objetivo e com a chance de não salvar apenas um mundo, mas a raça humana!

O diretor Gavin Hood e Harrison Ford no set

O diretor Gavin Hood e Harrison Ford no set

O diferencial de “O Jogo do Exterminador” está na natureza militar da história

A mensagem é grandiosa, inspiradora, imutável e assustadora: lute, conquiste seu lugar e transforme o mundo à sua volta. De certo modo, não é essa definição do ser humano? A busca pela evolução e pela realização. O diferencial de “O Jogo do Exterminador” está na natureza militar da história. Harry Potter foi para a escola de bruxaria, Ender Wiggin foi para a Escola de Combate e aprendeu a ser um general.

Ender's Book

Não há muito espaço para o deslumbre ou elementos lúdicos nessa história, afinal, vida e morte são conceitos sempre presentes. Ender entende isso e, mesmo em suas ações corriqueiras ou no lido com os valentões da escola, ele é efetivo e brutal. O exemplo clássico do arco do herói que precisa encontrar o equilíbrio entre a emoção extrema da irmã e a violência desregrada do irmão – ambos rejeitados pela Academia.

A atualização visual fez bem a “O Jogo do Exterminador”, pois pode aproximar conceitos como a Sala de Batalha e as próprias simulações de combate comandadas por Ender da linguagem dos videogames. Alias, fosse mais famoso (quem sabe com o filme), ele seria um dos grandes heróis dos jogadores modernos. Ele é Neo, ele é Luke, ele é Potter, ele é Katniss e a lista continua, mas ele é o único capaz de acabar com uma guerra.

Esse conceito é bem interessante, e atual (se contraposto à guerra ao Terror de George W. Bush), além de permitir a Ender fazer uma crítica brutal ao militarismo do qual é tão dependente. Ele é o comandante capaz de encerrar o conflito entre humanos e insetos de maneira definitiva – e terrível. Ao mesmo tempo, ele também pode fazer isso de modo pacífico, não fosse a manipulação à qual é submetido.

Ender's Game

Você luta por acreditar realmente ou simplesmente pela imposição ou histórias que ouviu? Há um grande debate sobre a relação com nossos oponentes e Card é brilhante nesse aspecto: “no momento em que entendo meu inimigo, passo a amá-lo como ele se ama; quando o amo, posso destruí-lo completamente” (tradução livre).

Crescer rápido é necessário ou o destino é morrer como vítima dos mais espertos.

E o filme reconhece essa qualidade e lhe dá foco em mais um grande trabalho de Asa Butterfield (“A Invenção de Hugo Cabret”), que faz frente a um Harrison Ford energizado e de volta à boa forma, e Sir Ben Kingsley em versão guerreiro Maori. Harrison Ford vem retomando uma sequência de ótimas atuações (assim como em “42”) e se torna indispensável a essa adaptação.

A obra original já trabalhava a questão da juventude mais curta e vemos nisso na responsabilidade e nos ensinamentos recebidos pelos jovens recrutas. A preparação é brutal, assim como a dura realidade da vida adulta. Crescer rápido é necessário ou o destino é morrer como vítima dos mais espertos. “Nunca me senti como uma criança. Sempre fui uma pessoa – a mesma pessoa que sou hoje”.

Ender's Game

Os conceitos relevantes estão por todos os lados e, felizmente, são utilizáveis na vida moderna. A relação com os jogos, conflitos, preparação acadêmica, vida social, respeito racial, fé, trabalho… destino. Essa é a principal razão pela qual “O Jogo do Exterminador” nunca perdeu força ao longo de três décadas e pela qual ele pode não ser um sucesso estrondoso de bilheterias, mas vai continuar transformando mentes e estimulando o debate.

“O Jogo do Exterminador” é um festival de acertos num filme efetivo e, mesmo que distante de se transformar em um hit, marca o gênero

Esse tipo de discussão é necessária perante o aumento da individualidade, o declínio na habilidade de interação interpessoal promovido pela internet e a quantidade de aprendizado não supervisionado. “Jogos Vorazes” faz um pouco disso ao promover o debate, mas sobre uma revolução pouco prática; Harry Potter estimula a amizade; “O Jogo do Exterminador” mistura tudo isso com ação, belos efeitos e um desfecho ainda surpreendente.

Saí do cinema IMAX maravilhado com o trabalho de Gavin Hood e a esperança renovada na boa ficção científica, num ano que já nos presenteou com “Gravity” e “Her”. Destaco a atuação certeira de Hailee Stienfeld, a força feminina do elenco, que também conta com um pequeno papel para Abigail Breslin.

“O Jogo do Exterminador” é um festival de acertos num filme efetivo e, mesmo que distante de se transformar em um hit, marca o gênero. A batalha ainda não terminou, mas desde quando precisamos contar ao inimigo que ele ganhou? Assista! E mostre a seus filhos e sobrinhos!

===============

Fábio M. Barreto é autor da ficção “Filhos do Fim do Mundo” e voltou a ser uma criança sonhadora quando viu “O Jogo do Exterminador”

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie

Assista ao primeiro teaser trailer de “Planeta dos Macacos: O Confronto”

A Fox liberou hoje o primeiro teaser trailer de “Planeta dos Macacos: O Confronto” (Dawn of the Planet of the Apes), a sequência do excelente “Planeta dos Macacos: A Origem”, de 2011.

A nova trama continua acompanhando a saga de César, apenas alguns anos depois dos eventos do filme anterior, com a população de macacos evoluídos cada vez maior. No elenco, estão Gary Oldman, Jason Clarke, Judy Greer e, claro, Andy Serkis.

A direção é de Matt Reeves (“Cloverfield” e “Deixe-me Entrar”), e a estreia brasileira está marcada para 25 de julho de 2014.

Planet of Apes

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie