“O Hobbit: A Desolac?a?o de Smaug” sofre com a ingenuidade de Peter Jackson

“O Hobbit” sempre teve uma história simples: um grupo de personagens precisa vencer desafios para derrotar um dragão, encontrar riquezas e retomar uma cidade perdida. É a famosa base da indústria do RPG: “uma aventura”. Foi assim que Peter Jackson iniciou sua segunda visita à Terra-Média com “Uma Jornada Inesperada” (falei dele aqui), primeiro da série de filmes encomendados pela Warner Bros. para adaptar o trabalho inicial de J.R.R.Tolkien.

Inicialmente, tratava-se de uma dobradinha que, logo, por conta das bilheterias, virou trilogia. Festejei a decisão, afinal, quanto mais tempo passeando por Mirkwood, Esgaroth, Bree e Bolsão melhor, não? Idealmente, sim. Na prática, a coisa foi diferente e o resultado de “A Desolação de Smaug” coloca em risco a imagem, e a eficiência, de Peter Jackson.

Logo de cara, é preciso dissociar simplicidade de infantilidade. Ideias simples podem ser complexas e o mercado infantil já emocionou e transformou muitos espectadores. Nenhuma das duas coisas é, necessariamente, negativa. Muita gente usa o conceito do próprio Tolkien sobre “O Hobbit” ser uma obra mais infantil para diferenciar essa nova trilogia de “O Senhor dos Anéis”. Sempre foi, tanto que é leitura de Ensino Médio nos Estados Unidos e na Inglaterra.

The Hobbit

Para muitos a presença de Smaug justifica as três horas de projeção, para outros tantos é enrolação e obviedade demais

O que acontece nos novos filmes é isso: uma ideia simples, ganhando mais volume, complexidade e uma injeção de adrenalina. Muito, claro, por conta da necessidade dos três filmes – inspirado num livro de menos de 300 páginas – e da maior novidade: um segundo longa com a história deveras diferente do original. Esse elemento chama a atenção não apenas por novos personagens ou cenas prolongadas, mas pela transformação da índole de personagens. Curioso lembrar que uma das críticas a “Uma Jornada Inesperada” foi justamente a fidelidade ao livro. Tudo mudou. E funcionou?

Essa questão é subjetiva demais. Para muitos, a história vai ter arcos mais elaborados e a presença de Smaug justifica as três horas de projeção, para outros tantos é enrolação demais e obviedade demais. Mesmo não tendo amado “Uma Jornada Inesperada”, comprei o Blu-Ray e já assisti mais de 20 vezes. Farei o mesmo com esse novo filme, mas por ser fã.

O fã vai querer visitar a Terra-Média, embora considere, até o momento, a Batalha do Abismo de Helm melhor que todas as horas da nova trilogia. Fã é fã e estou feliz com esse meu lado. Agora, o cara que gosta de sentar na poltrona, ser carregado por uma boa história e ver um bom filme. Ah, esse está sofrendo aqui. Detonar por detonar é um desserviço, afinal, subjetividade é sinônimo de porrada hoje em dia. Logo, vamos a alguns fatos.

Peter Jackson no set

Peter Jackson no set

Um cineasta para todos analisar

The Hobbit

Primeiro, lembra que metade do texto anterior falava sobre os 48 quadros por segundo? Sumiu! Muitas salas têm disponibilidade, mas a Warner preferiu mostrar a versão 24fps para a imprensa, não divulgou uma linha sobre o formato e mantém a oferta na surdina. Cerca de 750 salas nos Estados Unidos e mais de 2500 no resto do mundo. Fato: o experimento falhou e nenhum outro grande filme abraçou a ideia. Toda a revolução tecnológica e o blablabla caíram por terra (pelo menos por enquanto, James Cameron está filmando “Avatar 2 e 3″ com mais quadros por segundo), mesmo com uma significativa margem de aceitação. Sobrou apenas o 3D tipicamente mais escuro e, via de regra, desnecessário.

Aí vem um dos maiores problemas: “A Desolação de Smaug” é ingênuo. Bobo mesmo. E a culpa é de Peter Jackson, que, aliás, é o primeiro personagem a aparecer em cena. Simples pode ser bom; infantil também. Bobo é difícil de engolir. O diretor aprovou (teoricamente) uma edição óbvia e desinteressante. A primeira cena do encontro entre Thorin e Gandalf, e os dois “caras maus” é descarada ao extremo, sem tensão, sem criatividade. Algo feito no automático.

E a sensação não se dissipa ao longo da projeção. Peter Jackson usa e abusa da repetição dos movimentos de câmera, recicla suas próprias ideias (a cena na qual Tauriel, em bom papel de Evangeline Lilly, cura um dos membros da companhia de Thorin é exatamente igual ao salvamento de Frodo por Arwen) e caiu na armadilha do segundo filme. Ele assume ter “filmado demais”, mas, na inexistência da trilogia, muitas das cenas seriam mais breves ou ficariam na edição. Kill your darlings, é a regra máxima e ele a desrespeitou. Cinema é entretenimento, mas não é parque de diversões e essa é uma das deslizadas de “A Desolação de Smaug”.

Peter Jackson abusa da repetição dos movimentos de câmera e recicla suas próprias ideias

Assistir à fuga nos barris garante a mesma sensação de visitar o brinquedo do “King Kong”, dirigido e criado por Peter Jackson para o Universal Studios, aqui em Los Angeles. Correria, movimento, aquela forçada de barra básica – mas plenamente aceitável – e a relevância dramática nula. O mesmo vale para a montanha-russa dentro de Erebor, na qual tanto roteiro quanto PJ soltaram a franga e deram vazão a todos os sonhos mais malucos. Seriam ótimos extras para o Blu-Ray, com certeza, e atrações garantidas no eventual parque temático tolkeniano! Fica difícil não imaginar duas coisas: como teria sido caso Guillermo Del Toro dirigisse; e como seria tão mais empolgante, e igualmente lindo, em dois (ou mesmo um!) filmes mais condensados.

The Hobbit

Hobbit

Um Fã para Todos Adorar (alguns spoilers)

Houve melhorias, claro. A maior delas foi a melhor efetividade da trilha sonora, que fugiu da repetição ad eternum da música tema dos anões e carregou a trama com mais variedade e força. A atuação de Martin Freeman, que já era fantástica, melhorou mais ainda. E, claro, Smaug foi revelado com magnanimidade, imponência e fogo! O monstro ficou fantástico e fez jus ao trabalho de voz de Benedict Cumberbatch. Uma combinação bela e assustadora.

O descompromisso com o material original permitiu maior liberdade ao roteiro, sem dúvida. Um triângulo amoroso surgiu, assim como diversas ligações – de validade questionável – com “O Senhor dos Ane?is” e uma nova rodada da discussão de Merry e Pippin com Barbárvore, desta vez, diluída entre Legolas & Tauriel e Bardo & Anões. Lutar é preciso? Ser egoísta é sempre visto com péssimos olhos no universo cinematográfico de Tolkien.

Mas, justamente por soar como preambulo, a discussão não é concluída. Thorin e Bilbo (subutilizado nesse capítulo) enfrentam seus demônios frente a frente. O hobbit sofre pela tentação do Um Anel, enquanto o anão é confrontado com a ganância de seus antepassados e, novamente, falha na maioria dos testes. O Thorin de Peter Jackson é extremamente falho, com alguns momentos de grandiosidade. Provavelmente, uma construção para um desfecho de grande escala no terceiro filme durante a Batalha dos Cinco Exércitos.

The Hobbit

The Hobbit

Há muito acontecendo. Gandalf desvenda o “mistério” da identidade do novo senhor de Dol Guldur, depois de fazer uma visitinha aos picos de Rhudaur; os homens de Esgaroth – uma cidade castigada pelos séculos de esquecimento e empobrecimento desde a queda de Erebor – tentam se manter vivos mesmo como clara alusão à corrupção e ao definhamento social; e Thranduil, pai de Legolas, se torna o catalisador de preconceito, arrogância e egoísmo e, até certo ponto, é o vilão do filme, afinal de contas, o novo super-orc não faz muita diferença.

Beorn foi totalmente desnecessário, diga-se de passagem. São vários arcos, várias continuações de conceitos iniciados no primeiro filme e que só vão fazer sentido no capítulo final. E aí mora um dos problemas, pois fica difícil encarar “A Desolação de Smaug” como um filme fechado, pois não há uma trama específica contida nele e sua conclusão também fica no meio do caminho, inconclusa.

E qual a função de um filme de passagem? Protelar algo claro desde o princípio. Haverá uma grande batalha antes da Guerra do Anel. E ela vai envolver todos os povos apresentados por essa looooonga introdução. Homens sem esperança, anões divididos, orcs e goblins sob a liderança de Sauron e as águias, sempre as águias.

“A Desolação de Smaug” é um exercício de paciência, alimentado pela expectativa de um desfecho digno. A diferença é clara entre a mentalidade da finada New Line, que não permitiria tantos exageros – até mesmo por estar com o pé atrás no início da produção – e da Warner, que aposta no “quanto mais, melhor!”. Dois estúdios, duas trilogias, um mesmo diretor reagindo de formas completamente diferentes.

“A Desolação de Smaug” é um exercício de paciência, alimentado pela expectativa de um desfecho digno

Peter Jackson disse que essa é “provavelmente, a última vez que voltará a visitar a Terra-Média” como diretor, então, está aproveitando para filmar tudo que quer. Eu entendo. E, sem dúvida, faria o mesmo. E erraria do mesmo jeito.

Da última vez, torcemos pelas versões estendidas, agora o sentimento é o oposto. Torço muito para que essa não seja a “trilogia frustrante” da geração atual, assim como os últimos de George Lucas foram para a minha, mas só um filme brilhante salvará o dia, a Terra-Média e dará relevância a tanta enrolação.

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Fábio M. Barreto é tolkeniano, adoraria morar em Minas Tirith e é autor da ficção “Filhos do Fim do Mundo”.

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“No Limite do Amanhã”, sci-fi com Tom Cruise, ganha seu primeiro trailer

Doug Liman dirigiu “Swingers”, “Go” e “A Identidade Bourne”, mas ele também cometeu “Sr. & Sra. Smith” e “Jumper”, então sempre fica uma desconfiança.

Ainda assim, o trailer de “Edge of Tomorrow” é empolgante. A nova ficção científica traz Tom Cruise no papel do militar Bill Cage, que morre logo nos primeiros minutos de batalha durante uma invasão alienígena. A partir disso, como em um Dia da Marmota, ele passa reviver esses momentos, lutando novamente, e morrendo novamente. Todas as vezes.

No Brasil, o filme ganhou o título “No Limite do Amanhã”, e tem estreia marcada para 30 de maio de 2014.

Edge of Tomorrow

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Assista ao primeiro trailer do novo “Godzilla”

A Warner Bros. acabou de publicar o primeiro trailer de “Godzilla”, mais uma versão do monstro radiotivo, desta vez filmado pelo ainda novato diretor – mas especialista em efeitos visuais – Gareth Edwards.

No elenco estão nomes como Elizabeth Olsen, Bryan “Heisenberg” Cranston, Aaron Taylor-Johnson, Juliette Binoche, Ken Watanabe e David Strathairn. Eu sei que isso não quer dizer muita coisa, mas o trailer sozinho já é melhor do que toda aquela bobagem do Roland Emmerich.

O novo “Godzilla” tem estreia marcada para 16 maio de 2014 no Brasil.

Godzilla

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Assista ao segundo trailer de “Ela”, dirigido por Spike Jonze

A Warner Bros. revelou o segundo trailer de “Her” – intitulado “Ela”, Brasil” – dirigido por Spike Jonze.

Joaquin Phoenix é Theodore, um homem que se apaixona por uma inteligência artificial chamada Samantha, criada a partir de seus próprios gostos, preferências e testes de personalidade. Scarlet Johannson faz a voz do computador. A Samanta do B9 abordou bem o aspecto de relacionamentos na era digital nesse post, na ocasião do primeiro trailer revelado do filme.

“Ela” estreia nos Estados Unidos no dia 18 de dezembro, e chega no Brasil em 17 de janeiro.

Her

“Se apaixonar é tipo uma forma socialmente aceita de insanidade”

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Os 35 anos de “Halloween”

Se você assistir “Halloween” hoje – o original – certamente não vai levar algum susto ou se impressionar com qualquer cena. É um filme simples, ainda mais se comparado ao volume de sangue, efeitos, cenas explícitas e ruídos excessivos das produções atuais. Porém, a criação de John Carpenter é a quintessência do cinema de horror e, até hoje, 35 anos depois, suas técnicas continuam influenciando o gênero.

“Halloween” não foi o primeiro terror do tipo. “O Massacre da Serra Elétrica”, “A Noite dos Mortos-Vivos” e “Aniversário Macabro” , por exemplo, já representavam um papel importante no cinema de baixo orçamento, mas nada perto do que Michael Myers fez em 1978. Com verba de apenas 325 mil dólares, “Halloween” levou multidões para as salas escuras, muito ajudado pelo boca a boca, arrecadando 70 milhões na época. Reajustando para hoje, seria algo como 240 milhões de dólares. É um dos filmes de horror mais lucrativos de todos os tempos.

John Carpenter tinha 30 anos quando seu “Halloween” estreou, e liderou uma avalanche de novos títulos do gênero ao longo de toda a década de 1980. Sem Michael Myers, não existiriam Freedy Krueger ou Jason, por exemplo. Carpenter tirou o terror da fantasia, e o colocou no “mundo real”. Myers não era um ser sobrenatural, era mais homem de carne e osso do que um monstro – e que adora matar gente promíscua.

John Carpenter no set

John Carpenter no set

Michael Myers nem era tão assustador, mas a trilha sonora mudou tudo

Com total controle criativo e inspirado por “Psicose” de Hitchcock, o diretor ousou visualmente. Desde a famosa primeira cena em primeira pessoa – quando o espectador ainda não faz ideia de que o assassino é apenas uma criança – até os enquadramentos que transformam todo o espaço vazio em uma ameaça. Carpenter manipula a audiência com sombras e, principalmente, som.

Halloween

A trilha sonora é, certamente, o legado mais marcante deixado por “Halloween”. Composta pela próprio John Carpenter, a inesquecível música comunica tensão como nenhuma outra já foi capaz. Ele mesmo revelou que, ao mostrar o filme para os produtores, todos foram taxativos: “Isso não é assustador”. Talvez fosse apenas uma história de adolescentes contra um homem de máscara, mas a música mudou tudo.

Além da trilha, o baixo orçamento ditou todas as outras decisões criativas da equipe. A icônica máscara custou apenas US$ 1.98. Era imitação em borracha do William Shatner, comprada em uma loja qualquer, e pintada com spray branco para o filme. Prova de que pouco dinheiro não é desculpa pra nada.

Recentemente, foi lançada uma edição comemorativa em Blu-ray de 35 anos de “Halloween. E se hoje não é capaz de impressionar os millenials, eu pelo menos tenho boas lembranças de que me diverti e perdi noites de sono quando mal tinha idade para assistir filme de terror. Já vi o original dezenas de vezes, mas evito as sequências, principalmente se tiver o nome do Rob Zombie nos créditos. Não quero estragar a magia.

Para quem é fã, vale ver o vídeo abaixo. É o primeiro take da cena inicial, quando Carpenter ainda estava testando a filmagem em primeira pessoa. O utilizado na edição final do filme foi o segundo take.

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O primeiro trailer de “X-Men: Dias de um Futuro Esquecido”

A Fox acabou de revelar o primeiro trailer de “X-Men: Dias de um Futuro Esquecido” (X-Men: Days of Future Past), quase sete anos depois do fim da trilogia, e dois anos depois do “X-Men: Primeira Classe”.

O filme marca o retorno do diretor Bryan Singer à franquia, e tem estreia prevista para 23 de maio de 2014. Recentemente, o estúdio iniciou uma campanha viral para promover o novo capítulo da saga nos cinemas.

X-Men

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A força da “Gravidade” de Alfonso Cuarón

Soulsearching é um termo interessante, significa “buscar a razão de ser”. O ciclo é diferente para cada um e ele começa pelas razões mais distintas; alguns encontram a resposta, outros passam a vida deslocados, sem saber ao certo porque fazem o que fazem. Invariavelmente, todo ser humano passa por isso. Mesmo que de forma inconsciente ou disfarçada como algum momento de escolha, fim de relacionamento, novo emprego, de incerteza social e medo do futuro.

Os casos mais extremos são provocados pela dor. Pela perda. E, não importa quantos amigos e familiares estejam por perto, a jornada é sempre solitária e só termina na hora certa, quando a pessoa chega à conclusão, seja ela positiva ou não. Essa é a trajetória de “Gravidade” (Gravity, 2013, EUA), dirigido por um mexicano, estrelado por norte-americanos salvos pela tecnologia chinesa e amarrado por um tema universal.

Cercado por polêmicas científicas, longo tempo de produção e muitas idas e vindas de elenco, “Gravidade estreou com força e relevância num momento social muito interessante para os Estados Unidos. Assim como “Guerra nas Estrelas”, que redescobriu o sonho de habitar as galáxias desperto pela Corrida Espacial, “Gravidade” promove um momento de catarse coletiva perante a crise sócio-política e, por que não, de identidade vivida pelo povo norte-americano.

Alfonso Cuarón com Sandra Bullock e George Clooney no set

Alfonso Cuarón com Sandra Bullock e George Clooney no set

O espaço pode ser infinito, mas é o opressor. Todo o vazio envolve a trama, que ganha contornos claustrofóbicos

Desprovidos de uma meta clara, e coletiva, há décadas, é necessário buscar essa razão de ser e, quem sabe, sair da fossa. As promessas meio cumpridas desde a eleição de Barack Obama, o distanciamento político entre Democratas e Republicanos, o aumento da riqueza do 1% da população que detém o poder e o capital do país inteiro e, simplesmente, a incerteza foram responsáveis pela catalisação do problema recentemente. Os americanos perderam algo. A personagem de Sandra Bullock perdeu algo. Ryan Stone está perdida no espaço, o cidadão está preso num sistema que não o beneficia. Há salvação?

Gravity

Uma resposta possível, e bem clara, vem na visão de um contador de histórias mexicano, Alfonso Cuarón. Ele traz no currículo o irreparável “Filhos da Esperança”, o sensível “Grandes Esperanças” e até mesmo um dos episódios mais impressionantes de Harry Potter, “O Prisioneiro de Azkaban”. Os personagens de Cuarón têm algo em comum: eles lutam! Alguns por fé, outros por não ter outra opção. Nenhum deles aceita um destino adverso. Assim como essa é uma das respostas, também é uma das leituras.

Há adversidade na vida de personagem principal, uma médica que perdeu a filha. Algo imutável e irreversível. Ela escolhe o caminho da solidão e da insensibilidade constante, como alguém que não se importa em passar o resto da vida no modo automático. Tudo isso é muito maior que a situação norte-americana, afinal de contas, Hollywood pode ser reflexo das demandas sociais “locais”, mas Cuarón tem uma mentalidade internacional e ele fala com espectadores em todos os lugares. Como todo entendido da ficção científica, ele sabe que, no final, o que importa é a relação com o ser humano e a relevância da história.

O acidente catastrófico na órbita da Terra funciona como alerta para a mãe entristecida. A partir daquele momento, o cenário mudou e só há duas opções: fazer algo ou esperar para morrer. A alegoria é clara e, felizmente, para o bem dos espectadores, ela escolhe se mexer. No começo, guiada. Depois, por conta própria. “Gravidade” inteiro é um paralelo com esse redescobrimento pessoal, com o teste de limites, da força de vontade e de como podemos encarar a perda. E o recomeço.

"Caixa" com painéis de LEDs que simulavam o espaço

“Caixa” com painéis de LEDs que simulavam o espaço

A porrada vem sem som no espaço (parece que nunca vamos deixar essa “fixação” de lado!), com uma trilha sonora impressionante e um elenco de apenas 7 pessoas. Apenas 4 delas aparecem, algumas já mortas. Cuarón aproveitou para ensinar uma lição aos diretores: é possível fazer um blockbuster com apenas 2 protagonistas sem cair na monotonia do diálogo exagerado.

Gravity

Em “Gravidade”, menos é mais. Tudo funciona por conta de um roteiro certeiro, escrito pelo próprio Cuarón em parceria com seu filho, Jonas, que utiliza todas as cenas com extrema eficácia narrativa, valorizando a atuação e dando a impressão de liberdade suprema. É a ação de Sandra Bullock que a leva do marasmo ao renascimento (na cena mais linda e simbólica do filme), sem grandes discursos verborrágicos ou constatações metafísicas. Tudo é imediato e direto. Ou segura o último pedaço de metal da estação espacial que se desfaz ou enfrenta a solidão do espaço até o oxigênio acabar.

O espaço pode ser infinito, mas é o opressor. Todo aquele vazio envolve a trama, que ganha contornos claustrofóbicos, afinal, a vida só existe dentro dos trajes e cada respirada pode ser a última. Cuarón foi hábil ao manter o espaço em silêncio, mas enchendo as caixas de som de vida quando a câmera cruzava o visor do capacete e entrava no close up do personagem. O espaço até poderia tentar quebrar o cerco e eliminar aquele pequeno casulo renegado, entretanto onde havia vida, havia esperança. E é praticamente impossível não entrar na trama. Pela luta da mocinha.

E pelo sorriso conquistador do herói. George Clooney é simplesmente fantástico como Matt Kowalski, o mais próximo de Buzz Lightyear que o cinema já mostrou. No controle, divertido e certeiro, ele carrega a primeira tanto Ryan quanto a primeira parte do filme sem esforço, mesmo perante a tragédia iminente. Ele é o mestre, o Obi-Wan Kenobi da Dra. Ryan. Ele é o cara que tem as respostas, o sujeito que já encerrou seu ciclo de soulsearching e está apenas aproveitando a vida com um sorriso no rosto.

Cuarón substituiu a contemplação de Kubrick pela emoção pura e uma jornada mais próxima do espectador

Bullock e Clooney são as atrações do filme. Eles valorizaram demais o visual fantástico, as imagens da Terra, as destruições em massa e todo o drama contido no roteiro. Por isso “Gravidade” foi recebido com críticas bombásticas e criou algo que há muito não se via nos Estados Unidos: uma discussão nacional sobre cinema. Claro, muito por conta dos “erros científicos” (a distância entre as estações espaciais sendo a maior delas), mas a mensagem permeou toda a conversa e o público encontrou algo que precisava ouvir, ver e sentir.

O filme também abriu a temporada de candidatos às principais premiações do ano que vem. E, se levar, vai ser por mérito e por ter entrado para a história da Ficção Científica sem forçar a barra. Cuarón substituiu a contemplação de Kubrick pela emoção pura e uma jornada mais próxima do espectador. Talvez, por isso, para muitos, “Gravidade” passe a ocupar o lugar de Melhor Filme Espacial já feito.

Os elementos estão lá. Basta encontrar o espectador certo que a magia acontece e a busca termina. Decifrar as respostas e dar o primeiro passo da nova vida fica a critério de quem chegou ao fim da jornada sem precisar escapar do frio do espaço onde ninguém ouve seus gritos. Nem vê suas lágrimas.

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Fábio M. Barreto é especialista em Ficção Científica, autor de “Filhos do Fim do Mundo” e editor do site US Reporter.

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“Os Croods”: Uma visita ao estúdio de captura de movimento da DreamWorks

A sala é escura e espaçosa. Um telão gigante ocupa uma das paredes mais compridas; do lado oposto, uma bancada cheia de computadores e seus operadores, gente que cuida de pré-renderização, som, movimento e importação dos arquivos. Há 53 sensores de movimento mas paredes e no teto.

No centro do ambiente uma câmera e um pedaço de plástico num tripé, perto dele, dois atores caminham com collants pretos e as tradicionais bolinhas brancas. Na tela, os atores se transformam em versões rústicas de homens pré-históricos, montanhas surgem do nada, o plástico se transforma numa tocha e eu, com a câmera no ombro, estou no coração do estúdio de Captura de Movimento (Motion Capture ou MoCap) da DreamWorks, simulando o trabalho feito para as filmagens de “Os Croods”, o DVD mais vendido nessa semana nos Estados Unidos.

Essa foi minha primeira visita a um estúdio de Captura de Movimento, ou melhor, Captura de Performance (de acordo com sua finalidade) e a paixão foi instantânea. Muito deve ser por culpa dos extras de “Avatar”, nos quais James Cameron se diverte feito criança com a câmera de pre-viz (ele pode ver as interpretações dos atores contra os cenários e, sozinho, fazer todo o trabalho de enquadramento e definir as distâncias para cada tomada, por exemplo, afinal, as cenas já foram gravadas pelo elenco humano, logo, ele pode fazer o que bem entender com elas depois!).

70% do trabalho de teste, movimento em cena e pre-vizualização da animação foi feito no estúdio de MoCap

The Croods
Croods

Entretanto, em “Os Croods” as coisas funcionaram um pouco diferente, pois por ser uma animação, o conceito aplicado foi outro e a ferramenta da captura foi utilizada como instrumento de apoio para diretores e animadores. O principal uso foi o enquadramento, por razões óbvias. Nicolas Cage não precisou fazer nenhuma macaquice nessa sala (embora ele não teria reclamado, não é mesmo?), pois com a voz gravada e a visão dos diretores Kirk De Micco e Chris Sanders previamente gravada e transmitida aos animadores. Logo, quando a equipe se reunia no estúdio, o comando estava nas mãos de Yong Duk Jhun, o Head of Layout (quem coordena toda a parte visual, ou seja, o Diretor de Fotografia do filme), que trabalhou em “Shrek Para Sempre” e “Kung Fu Panda”.

Eles usaram uma câmera bem leve e efetiva. Pude testá-la e o monitor sem fio conectado aos servidores e técnicos no fundo da sala permite a visualização total ao cinegrafista. Ao mesmo tempo, os “espectadores” veem o mesmo enquadramento no telão. “O uso do Motion Capture permite uma noção muito mais natural e orgânica de enquadramento e posicionamento de câmeras”, diz Jhun, um coreano simpático, sorridente e, claramente, deslumbrado com o que faz. De acordo com o animador, diretor de fotografia, especialista em efeitos especiais e “dono da câmera”, 70% do trabalho de teste, movimento em cena e pre-vizualização foi feito no estúdio de MoCap. A câmera que testei era uma cinecamera Sony, com uma lente 21 mm (estávamos fazendo uma cena bem movimentada, então, ela envolvia muitos close ups e medium shots) e pude fazer as vezes de cinegrafista.

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“O uso do Motion Capture permite uma noção muito mais natural e orgânica de enquadramento e posicionamento de câmeras”

Foi uma experiência fantástica por conta do aprendizado. Nessas horas é engraçado eu também ser cineasta, pois os outros jornalistas estavam ali pelo oba-oba e eu doido para fazer algo. O fato de o monitor apresentar um previz os objetos do cenário (nesse caso uma montanha, uma rocha grandona e uma árvore; além de dois atores e uma pessoa segurando a “tocha”. Os personagens estavam “conhecendo o fogo” pela primeira vez) e os atores saberem bem o que precisavam fazer, era questão de fazer de conta que se estava num set de verdade e filmar a cena.

A fluidez foi impressionante e, depois de uns dez segundos de adaptação, não sentia mais a diferença entre filmar com uma 5D ou com aquela Sony. Os princípios básicos eram os mesmos e foram respeitados. E essa é a maior força do MoCap sendo utilizado dessa forma: o pensamento da captação é o mesmo. Há uma cena a ser feita e essa é a ferramenta! É só filmar.

Mas, claro, há diferenças. Num set “real”, iluminação é sempre o maior aliado (pela necessidade) e inimigo (especialmente pelo tempo consumido). Durante as gravações em MoCap, uma iluminação genérica é utilizada, logo, nesse aspecto, tudo é sem graça e essa cara homogênea vai te acompanhar ao longo de todo o trabalho.

“Os técnicos podem mudar uma coisa ou outra, se a cena pedir, mas o objetivo aqui não é compor toda a cena. No caso de “Os Croods”, filmávamos uma cena e podíamos ver um resultado mais renderizado e próximo do final em 2 semanas”.

“A Lenda dos Guardiões”, outro filme da DreamWorks, teve um trabalho mais perfeccionista nesse sentido ao misturar captura de performance e referência, por isso, usou a ferramenta ao longo de seus cinco anos de produção.

A liberdade de filmagem é fantástica e a possibilidade de se refinar o resultado depois enche o sistema de novas alternativas

Outra diferença: foco. A cinelente de 21mm, com ponto focal fixo, deveria perder o foco com facilidade. Não perdeu nenhuma vez, afinal de contas, a imagem que o monitor e o telão mostravam era gerada pelos computadores, logo, foco não é um problema. Entretanto, usar lentes apropriadas continua sendo necessário, pois são elas quem definem a proximidade e as demais características de captação. Mais um ponto para a praticidade, embora seja uma diferença notória.

A liberdade de filmagem é fantástica. A possibilidade de se refinar o resultado depois enche o sistema de alternativas e o lado cineasta praticamente grita de alegria ao ver como os “cachorros grandes” brincam. Foi interessante ver essa evolução direta do pre-viz – que sempre pareceu bem preso à criatividade do animador e limitado pelos recursos – sendo usada para garantir a sensação de “filme normal”, mesmo sem querer revolucionar o mundo como Cameron fez. É uma ferramenta bastante útil e, arrisco, indispensável dentro em breve.

Deu para perceber que gostei muito, não é? Fui papear sobre os detalhes da câmera e o sistema com o Jhun e o grupo de jornalistas foi embora. Só consegui reencontrá-los no labirinto de estúdios de áudio e vídeo, baias de animação e áreas de recreação da DreamWorks uns 20 minutos depois. Ficaria perdido ali dentro pelo resto da minha vida!

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“The Grand Budapest Hotel” [Trailer]

Toda vez que eu assisto um filme do Wes Anderson, termino desejando ter apenas uns 5% de seu apuro visual e estético. Com o trailer do novo “The Grand Budapest Hotel”, divulgado hoje, é certeza que esse sentimento vai se repetir.

O filme tem um elenco estelar: Ralph Fiennes, F. Murray Abraham, Edward Norton, Adrien Brody, Willem Dafoe, Jeff Goldblum, Jason Schwartzman, Jude Law, Tilda Swinton, Harvey Keitel, Tom Wilkinson, Bill Murray (óbvio), Owen Wilson (claro), entre outros. E conta uma história que se passa no hotel que dá nome ao filme, acompanhando seu concierge ao longo do período das duas grandes guerras.

“The Grand Budapest Hotel” foi filmado em três diferentes aspectos (1.33, 1.85, e 2.35), distinguindo assim o três períodos de tempo em que a trama se passa.

No começo do ano, publiquei aqui o roteiro interativo de “Moonrise Kingdom”, provavelmente o primeiro filme com coração de Anderson. Nele podemos conferir as anotações e processo criativo de diretor. Na época, o trabalho foi indicado ao Oscar de Roteiro Original, mas acabou perdendo para “Django Livre” do Tarantino.

“The Grand Budapest Hotel” tem estreia prevista para algum dia de 2014.

The Grand Budapest Hotel

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Campanha viral de “X-Men: Days of Future Past” explora conteúdo sobre a Trask Industries

As corporações fictícias do entretenimento já foram, muita vezes, protagonistas de extensas campanhas virais para o lançamento de filmes. Assim aconteceu com “Prometheus”, “Jogos Vorazes”, “Robocop”, “Elysium”, “Distrito 9″, “Super 8″, “Homem de Ferro”, só para citar alguns exemplos.

Agora é a vez de “X-Men: Days of Future Past”, com 20th Century Fox revelando um site completo e vídeo da Trask Industries. A empresa armamentícia, que desempenha papel fundamental na clássica HQ e assim também será no filme, é a responsável por desenvolver as Sentinelas, um exército de robôs com a missão de destruir os mutantes.

O filme dirigido por Bryan Singer, que retoma as rédeas da série, tem estreia marcada para 23 de maio de 2014. Ou seja, ainda muito tempo para a campanha explorar conteúdo sobre a Trask Industries e seu fundador, Bolivar “Tyrion” Trask.

X-Men
X-Men

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Braincast 74 – O colapso de Hollywood

A discussão sobre a obsessão por franquias, sequências e remakes não é nova em Hollywood, mas o tema ganhou novo destaque por duas vozes que recentemente se juntaram ao coro: Steven Spielberg e George Lucas.

Em evento na Universidade do Sul da California, ambos criticaram o atual esquema de produção de blockbusters multi-milionários, com investimentos massivos em marketing, e que pasteurizam a criatividade na intenção de atrair um público mais amplo possível em todo o mundo.

No Braincast 74, conversamos sobre o que Spielberg chamou de “implosão de Hollywood”, já que muitos desses filmes não estão atraindo a audiência imaginada pelos estúdios. Carlos Merigo, Saulo Mileti, Guga Mafra e Cris Dias falam das atuais franquias do cinema, os pontos em comum desses filmes criados em salas de reunião, a ditadura do pré-teste, e como isso prejudica a descoberta de novos talentos.

Faça o download ou dê o play abaixo:

> 0h01m34 Comentando os Comentários?
> 0h16m45 Pauta principal
> 0h55m35 Qual é a Boa?

Workshop9

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Netflix e o fim da TV como conhecemos

Há alguns meses, enquanto assistia “House of Cards”, me perguntei em determinado momento se a excelente série seria passível de indicação a prêmios e celebração pela indústria de televisão. Afinal, não era precisamente TV, na forma que estávamos acostumados, e sim conteúdo de um serviço online que tem seus detratores e é visto como ameaça por grande parcela do mercado. Mas como ignorar uma produção em alto nível, com nomes como David Fincher e Kevin Spacey envolvidos?

A resposta veio na sexta-feira passada, no anúncio da Academia Nacional de Artes & Ciências Televisivas, com “House of Cards” acumulando nove indicações – mais três para “Arrested Development”, e duas para “Hemlock Grove” – ao Emmy 2013. Isso é histórico. São 14 indicações no total para a Netflix, que agora compete de igual pra igual com todas as outras tradicionais emissoras de televisão, na panelinha que dominavam, incluindo a toda-poderosa HBO e sua mastodôntica “Game of Thrones”.

Esse reconhecimento reacendeu os discursos de revolução no consumo da mídia, 15 anos após “The Sopranos” ter sido a primeira produção de TV paga reconhecida pelo mesmo Emmy. Não precisa ser nenhum entusiasta – ou cair na batida discussão velhas mídias contra novas mídias – para perceber que estamos testemunhando uma reviravolta na indústria e, principalmente, a concretização de uma ideia que tinha tudo para falhar. E ainda tem.

Reed Hastings, CEO

Reed Hastings, CEO

O sonho digital

Reed Hastings sempre foi considerado um empreendedor silencioso, um caso raro de faz primeiro para depois falar (e mandar press release), ciente de seu lugar frente aos gigantes conglomerados que dominam um negócio bilionário há décadas. Hastings nunca comprou brigas públicas ou fez discursos inflamados. Desde que fundou a Netflix em 1997, entregando DVD via correio, foi chamado inúmeras vezes de gênio, mas também de lunático idealista.

Com 30 milhões de assinantes, a Netflix é responsável por 1/3 do consumo de toda a banda na América do Norte nos fins de semana

Em 2011, já considerado “culpado” pelo fim da Blockbuster e acumulando 15 milhões de assinantes que “alugavam” DVD’s, Hastings decidiu separar seus modelos de negócio. Criou o Qwikster para lidar com os discos de plástico, deixando a Netflix exclusiva como serviço de streaming online, fazendo jus, finalmente, ao seu nome: Netflix, e não “DVD em casa”.

A reação foi a pior possível, tanto por parte dos consumidores, que debandaram em número alarmante (mais de 800 mil), como de Wall Street. As ações da empresa despencaram 60%, o que fez Hastings pedir desculpas e voltar atrás na decisão. Visto como um jogador de xadrez paciente até então, o CEO admitia que estava indo rápido demais em busca do sonho 100% digital.

Posso estar sendo romântico demais, mas é justamente esse idealismo que vejo como fundamental na estratégia vencedora da Netflix. Reed Hastings permaneceu estoico, sempre apostando na mudança do consumo de TV, com vídeo na nuvem, sendo distríbuido online sob demanda em qualquer dispostivo. Poucos tem estômago para arriscar sistematicamente, ainda mais depois de um fiasco como o Qwikster, e é nesse momento que vemos muitas startups alterarem sua filosofia para se encaixarem numa imposição de mercado. Falar em revolução depois que ela já está em curso é fácil.

A justificativa do CEO para dividir a companhia em duas era a necessidade de dar foco ao streaming online, imaginando o futuro não tão distante no qual acreditava. Atualmente com 30 milhões de assinantes, a Netflix é responsável por 1/3 do consumo de toda a banda na América do Norte nos fins de semana, superando YouTube, Hulu, Amazon, HBO Go, iTunes, e BitTorrent combinados. É, acho que ele tinha alguma razão.

Netflix

Com ajuda do YouTube e Xbox

Em 2000, uma equipe de engenheiros da Netflix criou o primeiro sistema próprio de streaming. Eram necessárias 16 horas para fazer download de um filme. Inviável, óbvio. Em 2003, Reed Hastings insistiu, dessa vez montando um PC com Linux de 300 dólares, que levava duas horas para baixar um filme.

Esse tipo de equipamento, aliás, foi a origem de centrais multimídia como Roku, Boxee, e similares, mas na Netflix o projeto foi engavetado até 2006. Foram os três anos necessários para o mundo digital já estar diferente. A banda larga tinha atingido velocidade e alcance bem maior, e algo recente começava a mudar o comportamento das pessoas: o YouTube.

O YouTube mudou a maneira como nos relacionamos com vídeos. Não precisamos mais ser donos de discos ou arquivos.

Hoje notoriamente a maior plataforma de vídeos do mundo, o YouTube foi o grande responsável por perdermos a noção de que precisamos ser donos dos vídeos. Você entra no site, busca e assiste o que procura, em vez de comprar discos prateados ou baixar arquivos para guardar no computador.

Já existia streaming bem antes do YouTube, claro – quem não se lembra do nada saudoso RealPlayer? – mas jamais na qualidade e velocidade apresentadas pela tecnologia criada por Chad Hurley e Steve Chen em 2005. O YouTube alterou nossa relação com vídeo online, abrindo caminho também para o tão desejado plano da Netflix.

Outra mudança essencial na história da empresa foi a decisão de Hastings de que não estavam no negócio de hardware, e sim no de prestação de serviço. A Netflix deveria estar presente nos dispositivos que as pessoas já tinham. TV’s, PC’s, consoles, player’s de DVD/Blu-ray, iPod’s, smartphones, tablet’s, e no que mais fosse possível instalar um aplicativo. Números do primeiro trimestre de 2013 indicam que mais de 4 bilhões de horas de vídeo foram assistidas em cerca de 1000 modelos diferentes de eletrônicos.

Netflix

O acordo com a Microsoft para incluir o app de Netflix no Xbox foi crucial, num momento, aliás, em que a gigante de Redmond já planejava transformar seu console em mais do que um videogame. Atualmente é comum falar no Xbox ou PlayStation como centros de entretenimento na sala de estar, mas até então eram vistos apenas como equipamentos relegados ao quarto da criança/adolescente, ou do pai que domina a sala para jogar FPS nas horas vagas (ou não).

Em três meses disponível na Xbox Live, a Netflix conquistou 1 milhão de novos assinantes. Grande parte desse público jamais tinha tocado num videogame antes: as mulheres. Mais tarde, acordos com Samsung e Sony ampliaram a oferta de eletrônicos com o aplicativo pré-instalado. As chamadas Smart TV’s e players DVD/Blu-ray saem de fábrica com Netflix em destaque.

Hackeando Hollywood

Após garantir presença no dia a dia das pessoas, a Netflix precisava de mais do que filmes antigos e velhos seriados para atrair a atenção de novos assinantes. Reed Hastings queria os blockbusters, e assim enfrentaria suas duas maiores barreiras: Hollywood e as emissoras de TV.

O pulo do gato da Netflix foi explorar uma brecha contratual, que colocou o serviço online no mesmo patamar das emissoras de TV a cabo

Comprar e alugar DVD’s era um negócio que não exigia nenhuma barganha, e alterar o sistema “tudo o que você puder consumir por um preço fixo” no streaming – se transformando num pay-per-view comum – também não estava nos planos da empresa. Ou seja, as negociações à lá Steve Jobs com as gravadoras, que fizeram a iTunes Store ser possível, não serviriam.

Primeiro a Netflix utilizou o que é hoje seu maior ativo – as estatísticas de consumo dos usuários – para mostrar aos estúdios de Hollywood que seria capaz de transformar filmes menores e obscuros em sucessos no streaming. Os acordos com canais de TV tradicionais, que compram em pacotes, exigem o comprometimento dos estúdios por uma determinada quantidade de blockbusters, com atores famosos incluídos, já o serviço sob demanda trabalharia com o conceito de cauda longa.

Em segundo lugar, a companhia encontrou uma maneira de hackear o velho sistema de janela da indústria de filmes. Para quem não está familiarizado, explico: a janela é uma engrenagem que há muito tempo regula o lançamento de um filme, em diferentes meios e formatos, através de intervalos de tempo.

Depois que a produção é exibida nos cinemas, leva alguns meses para ser lançada em home video e pay-per-view. Mais algum tempo depois, canais premium de TV paga – com contratos de exclusividade que podem somar 2 bilhões de dólares ao ano – ganham o direito de exibir o título. Depois de mais alguns meses, é que o filme chega em outras emissoras de TV a cabo, e leva anos para ser exibido em TV aberta.

David Fincher, Kevin Spacey e Kate Mara no set

Fincher, Spacey e Kate Mara no set

O sistema de janela pode “prender” um filme por quase uma década. É verdade que os intervalos tem sido cada vez menores, muito para aproveitar as milionárias campanhas de marketing, mas ainda assim as exclusividades de lançamento são para as redes que conseguem barganhar o melhor acordo. Filmes da Warner Bros, por exemplo, estreiam primeiro na HBO.

O pulo do gato da Netflix foi explorar uma brecha contratual, que colocou o serviço online no mesmo patamar das emissoras de TV a cabo. Em 2008, uma negociação com o canal premium Starz adicionou de imediato 2500 novos títulos na biblioteca do serviço de streaming. É óbvio que viria pressão de Hollywood e das provedoras de TV, desencorajando a iniciativa, mas com mais filmes vieram mais assinantes, e quanto mais assinantes, mais dinheiro. Como disse Hastings em entrevista:

“Se gerarmos dinheiro suficiente para os estúdios, poderemos conseguir o conteúdo que quisermos.”

Dessa forma, a Netflix passou a costurar seus contratos diretamente com os estúdios, aumentando a oferta de conteúdo na nuvem e com presença maciça nos dispositivos mais populares em diversos países. Existe uma previsão de que a empresa vá gastar pelo menos 5 bilhões de dólares nos próximos anos em licenciamento de filmes e séries.

Big Data

Netflix

O surgimento de concorrentes é constante, seja das próprias emissoras, provedoras de TV ou até de estúdios, sem contar a iminente entrada da Amazon, Google e Apple no mesmo modelo de negócio, mas a Netflix parece ciente do seu verdadeiro trunfo.

Reed Hastings e sua equipe – hoje com mais de 2000 funcionários – aperfeiçoaram o que hoje é moda chamar de big data com seu sistema de recomendação. O grande segredo da Netflix é seu algoritmo, que busca adivinhar o que as pessoas querem assistir a seguir. A empresa acredita que quando um assinante gosta de um filme que viu através do serviço, mais ele estará conectado emocionalmente com a marca.

Em média, a cada três filmes assistidos, o usuário gosta realmente de um. Se a proporção aumentar de dois pra três, mais a Netflix será relevante na vida do consumidor. Sendo assim, existe um grande investimento para melhorar a taxa de acertos do sistema. Isso é feito não apenas com os ratings registrados pelos usuários, mas também com as informações de quando o espectador pausa, avança ou retrocede um vídeo, bem como dias e horários preferidos de cada um. Toda essa massa de dados reunidos rege os próximos negócios do serviço.

As estatísticas servem, inclusive, para melhorar a performance dos 20 mil servidores Amazon com 3.14 petabytes de vídeo que a Netflix faz uso. Toda noite, uma análise gera um relatório que mostra os filmes e séries mais vistos do dia. Se determinado título se populariza em uma cidade, ele é automaticamente transferido para memórias flash de alta velocidade, garantindo o streaming mais rápido naquela região. O mesmo é feito com os diferentes formatos de arquivo, com o sistema buscando rapidamente o vídeo compatível para o gadget do usuário.

Conteúdo original

Netflix

Com investimento em produções próprias, a Netflix derrubou o último bastião que a separava de ser tratada como um canal de TV. E nesse quesito podemos considerar duas grandes revoluções de abordagem.

A primeira é com os próprios criadores. Muitos se perguntam como a Netflix conseguiu atrair David Fincher e Kevin Spacey para “House of Cards”, e a resposta é bem simples: liberdade. Diferentemente das imposições dos canais de TV na obsessiva busca por mais audiência, a Netflix deu carta branca aos produtores e roteiristas da série. É assim que você, sem verba ilimitada, faz um dos diretores mais requisitados de Hollywood apostar na sua ideia

Depois vem a mudança na relação com os próprios espectadores. Não mais um episódio por semana, que é o modelo que a televisão usa para maximizar os lucros com muita publicidade no meio, e sim todo o pacote entregue de uma vez. A Netflix lança todos os episódios das suas séries originais ao mesmo tempo, apostando no chamado “binge view”, a maratona em frente a TV.

A decisão foi condenada por diversos especialistas do mercado, mas Reed Hastings continua acreditando na mesma filosofia desde o início: tudo o que você puder consumir, quando e onde quiser.

Quando conversei com Gabriel Rodrigues-Nava, Community Manager da Netflix na América Latina, perguntei se existiam planos de inserir publicidade antes, durante ou depois dos episódios, e a resposta foi taxativa: “Fora de questão”. Isso não impede, claro, a propaganda através de product placement. PlayStation e Pizza Hut são duas das marcas que aparecem inseridas na trama de “House of Cards”, por exemplo.

Netflix

Novas regras (ou o fim delas)

A conta da Netflix ainda não fecha como Wall Street gostaria. Do 1 bilhão de dólares em receita, foram 57 milhões de lucro. A pequena margem é explicada pelos caros contratos de licenciamento, cada vez mais excruciantes, e pelo inédito investimento em produções originais. Os 13 episódios de “House of Cards” custaram aproximadamente 100 milhões de dólares.

Netflix

Analistas dizem que, para ser sustentável, a Netflix deveria manter uma base de 40 milhões de assinantes somente nos EUA. Mas Reed Hastings sonha mais alto. Ele quer 90 milhões de usuários americanos, considerando até que esses desistam de pagar TV a cabo, 90 dólares/mensais em média.

A empresa não revela números no Brasil, mas diz que continua crescendo sua base mesmo com o recente aumento no valor da mensalidade, de R$ 14,90 para R$ 16,90. De qualquer maneira, por aqui já incomoda faz tempo, até com propostas da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA) de regulamentar (leia-se, blindar) o segmento.

As probabilidades de tudo dar errado ainda existem. O investimento em conteúdo original pode fazer os estúdios, com os quais existe acordo, enxergarem a Netflix como concorrente. A dependência dos servidores Amazon, em vez de possuir infraestrutura própria, também é vista como ameaça. A entrada da Apple e da própria Amazon no negócio pode alterar completamente o panorama atual. Sem contar o catálogo ainda fraco em diversos países, incluindo o Brasil.

Porém, como eu disse no começo, correndo o risco de ser leviano, afinal, “money talks”, as suposições e os números da Netflix são detalhe – pelo menos nesse momento – perto do impacto incalculável que a empresa está causando na indústria de entretenimento. É um pioneirismo que mudou o mercado, que corre para se adaptar, e que mudou nossa relação com a televisão. É só experimentar Netflix por algum tempo, ou algum concorrente que seja – nacionais temos o NET NOW, Telecine On e Vivo Play, por exemplo – para perceber como a tal “grade de programação” é arcaica, e como é cada vez mais ridículo precisar marcar hora para assistir algo na TV convencional. É também questão de tempo para as transmissões ao vivo se democratizarem para outras telas e formatos.

Em carta aberta publicada em abril passado, Reed Hastings cita Francis Underwood de “House of Cards” e revela sua visão para o futuro da TV. A internet vai substituir a programação linear, aplicativos substituirão canais, controles remotos irão desaparecer, e telas irão proliferar.

Isso deixa claro como a internet nunca vai matar a televisão, como um dia se afirmou, mas vai alterando completamente, em um ritmo mais acelerado do que os conservadores gostariam, o seu modo de existir e se relacionar com os espectadores. E lembre-se, ainda nem estamos considerando a força e infinidade do conteúdo em vídeo gerado diariamente pelas pessoas na web. Não deve demorar mais 15 anos até uma websérie no YouTube ser indicada ao Emmy.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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“World War Z”: A Guerra de Todos Nós

Pensar no fim é algo transformador, por isso, talvez, Gene Roddenberry não tenha acertado ao descrever a fronteira final, afinal, mesmo desbravando o espaço, continuaremos reféns da inevitável data de expiração de todo ser humano. A ficção científica, o cinema e a literatura adoram esse assunto por uma questão muito simples: ele redefine questões morais, mostra o cerne de cada indivíduo e testa limites como nenhum outro. É nisso que “Guerra Mundial Z” e Brad Pitt apostam ao jogar um sujeito no rodamoinho catastrófico de um levante zumbi. Há correria, há insegurança, mas, acima de tudo, há um homem colocado entre a perda da família e a única esperança do mundo todo.

Lembrar do trabalho de Vincent Price em “Mortos Que Matam”, Charlton Heston em “A Última Esperança da Terra” e Will Smith em “Eu Sou A Lenda”, a trilogia de adaptações da obra do recentemente falecido Richard Matheson, é de bom tom ao ponderar sobre o fim dos tempos e os últimos resquícios da Humanidade. Por isso a obra foi, justamente, adaptada três vezes. Há algo especial ali. Há algo assustador. Um homem só perante um mundo no qual ele é a ameaça, ele é o agressor, no qual ser humano significa ter os dias contados.

O personagem de Brad Pitt em “Guerra Mundial Z” não foge disso. Ou ele encontra uma salvação, ou todos morrem. Sua família morre. Não há opção e é disso que adaptação do livro de Max Brooks trata. Distante da estrutura em forma de depoimentos póstumos de sobreviventes da tragédia presente no romance, o filme dirigido por Marc Foster aposta no encadeamento direto de ações e a escalada da seriedade da situação, tudo acontecendo ao redor do personagem, claro, até o sacrifício final.

O diretor Marc Foster e Brad Pitt

O diretor Marc Foster e Brad Pitt

WWZ

Mas quais as razões desse fascínio com o fim mesmo depois da passagem do Fim do Calendário Maia? E por que da fixação por zumbis ou criaturas oriundas de erros da própria Humanidade? Arrisco uma sugestão: queremos sobreviver à maior de todas as provações; queremos dizer a nós mesmos que, mesmo quando há mais esperança, algo de bom pode acontecer. É uma questão que mistura auto-estima com uma resposta à cada vez mais ínfima contribuição de cada um à sociedade. O mundo ficou maior, portanto, nossos atos são mensurados em maior escala, incluindo diversos países e povos. Aqui cabe uma analogia de “Peixe Grande”: podemos ser peixes gigantescos em nossos lagos locais, mas perdemos a relevância quando, pela primeira vez, mergulhamos no oceano.

Para responder à segunda pergunta, lembro de algo dito por James Cameron a este repórter, quando conversamos sobre a tendência mais terráquea a da última onda da ficção científica. Cameron falou sobre, depois de anos de exploração de ideias alienígenas e distantes da realidade, podemos ter resolvido voltar a olhar para nós mesmos, nossos limites internos (como os sonhos de “A Origem”) ou a enfrentar medos com invasões à Terra (“O Dia Em Que a Terra Parou” e “Battle LA”, por exemplo).

Se ele está certo e cansamos de olhar para fora, o inimigo está aqui dentro. Em tudo que fazemos e no que almejamos para, quem sabe um dia, vencer a última barreira. Logo, mutações criadas em laboratório, doenças descontroladas ou experimentos falhos letais são as bolas da vez. O roteiro de “Eu Sou a Lenda” foi sutil ao atrelar uma eventual cura do cancer com a mutação que assolou o planeta. Entretanto, as razões não devem ser tratadas como o ponto-chave dessa discussão, afinal, elas são as mais arbitrárias possíveis especialmente por se tratar de extrapolação. Esses personagens funcionam pela junção “medo dos erros dos humanos + necessidade de sobreviver”.

Zumbis digitais

Zumbis digitais

E é dessa forma que grandes histórias apocalípticas são montadas. Sobreviver, normalmente, é o objetivo e todo o resto gira em torno dessa possibilidade, causando empatia, desespero e a torcida pelo protagonista. Brad Pitt já é carismático ao extremo, então, a coisa mais fácil do mundo é acreditar que ele vai salvar todo mundo! O trabalho do roteiro – que foi pontuado por problemas, diversos roteiristas envolvidos e re-redações de emergência – foi colocar essa norma em cheque enquanto ele monta um quebra-cabeças impossível em um mundo em colapso.

Distante da estrutura com depoimentos póstumos de sobreviventes presente no livro, o filme aposta no encadeamento direto de ações e na escalada da situação

O resultado é uma boa mistura entre tensão, catástrofe, política e, acima de tudo, família. Teoricamente, é fácil se envolver; é fácil esperar por uma salvação incerta; e é mais fácil ainda nunca mais entrar num avião do mesmo jeito depois de ver uma das cenas mais malucas do filme. Colocaria os zumbis de “Guerra Mundial Z” no mesmo patamar que as criaturas alucinadas de “Eu Sou a Lenda”, mas com um agravante: eles se movem como um vírus, espalhando-se velozmente, criando novos zumbis (cujo tempo de conversão é mostrado brilhantemente logo no início do filme); e envolvendo tudo em seu caminho. Imagine um homem tentando lutar contra as ondas. O resultado é o mesmo. Esse elemento, inclusive, ajuda muito na narrativa da história, já que o comportamento da turba infectada é outra dica sobre o que, de fato, está acontecendo.

É interessante escrever sobre esse filme, pois, com certeza, tive os mesmos questionamentos que Max Brooks teve enquanto escrevia “Filhos do Fim do Mundo”, por conta das semelhanças estruturais e do personagem principal. As discussões são outras, o livro de Brooks não tem nada a ver com o meu e o cenário também é bem diferente, mas o processo criativo parece ter passado pelos mesmos percalços e perguntas para se criar um mundo em colapso. Também interessante é a semelhança da linguagem visual e o dinamismo moderno. Esse foi um dos grandes diferenciais de “Filhos”, afinal, apostar numa linguagem direta e praticamente jornalística foi garantia de choque literário em muitos leitores. Provocar é necessário.

WWZ

E Marc Foster faz isso, ao concentrar seus esforços no protagonista, mostrando o aspecto global aos poucos, conforme ele se movimenta, e sem usar muitas muletas. A comunicação moderna é mais pessoal, nos acostumamos a consumir informações por pontos de vista e a neutralidade (sempre utópica) do jornalismo desapareceu, então, acompanhar tudo dessa maneira faz sentido e tem uma vantagem: gera mais perguntas, mantendo o público curioso.

Considerando tantos problemas de produção, WWZ é efetivo, mas cria arcos emocionais de forma preguiçosa

Há muitos pontos positivos. Bons efeitos especiais. Ótima atuação de Pitt. O uso de atores fortes (Matthew Fox, David Morse e James Badge Dale) em papéis coadjuvantes bem simples. E uma história efetiva. Porém, houve desleixo em alguns momentos e um deles pode colocar tudo em cheque – provavelmente por um erro de edição – em uma cena no terceiro ato. Considerando tantos problemas de produção, o filme é efetivo, mas criar arcos emocionais de forma preguiçosa é um problema grave. Fica difícil falar sem dar spoilers, mas imagine prometer que algo vai acontecer só para aumentar a tensão e, do nada, a ameaça ser sumariamente descartada e ignorada. Deus Ex Machina em ação!

As perguntas sobre nossos limites sempre vão continuar. As redes sociais mostram que o maior desafio humano atual é sobreviver à exposicão exagerada da timeline alheia; e, pelo jeito, estamos perdendo a briga. Então, imaginar situações realmente extremas, definitivas e capazes de afetar a vida de todos aqueles que amamos ainda vão pontuar centenas de roteiros, livros e histórias. Afinal, Ser Humano é a fronteira final.

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Fábio M. Barreto é roteirista e escritor da distopia “Filhos do Fim do Mundo”, que foi publicada antes do filme estrear! 😀

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“The Fifth Estate”, primeiro trailer do filme sobre a WikiLeaks

A Dreamworks revelou o primeiro trailer de “The Fifth Estate”, filme que vai contar do WikiLeaks, com Benedict Cumberbatch no papel de Julian Assange.

Cercado de polêmica desde o início da produção, a obra tem estreia marcada para 18 de outubro nos EUA. O próprio Assange já declarou que o filme é apenas uma “peça de propaganda”, e mais cedo o perfil oficial do WikiLeaks no Twitter alertou: “Não seja enganado”

Em entrevista ao Vulture, o diretor Bill Condon afirmou que “The Fifth Estate” de forma alguma é um filme anti-WikiLeaks, e que pretende fazer mais perguntas do que dar respostas.

O roteiro é baseado em dois livros igualmente controversos, também rechaçados pro Julian Assange.“Inside WikiLeaks: My Time with Julian Assange and the World’s Most Dangerous Website” foi escrito por Daniel Domscheit-Berg, ex-parceiro de Assange na criação do site. E “WikiLeaks: Inside Julian Assange’s War on Secrecy” dos jornalistas do Guardian David Leigh e Luke Harding. É bom ir assistir já de sobreaviso.

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Man of Steel: O Homem da Matrix

A América existe e persiste por causa de seus heróis. Lincoln, os responsáveis pela independência, os milhares de soldados perdidos em tantas guerras, o sujeito capaz de se sacrificar pelo ideal primordial do país: a liberdade. Ser herói é algo simples e de fácil alcance; não é preciso se tornar um empresário de sucesso ou inventar algo complicado, basta uma ação e pronto.

Um remake piorado de uma trilogia que redefiniu os conceitos do cinema de ficção científica

A América adora seus heróis; tanto que lhes deu superpoderes. E os transformou em ideias capazes de eternizar esses valores. Nenhum deles faz isso melhor que o Super-Homem. Especialmente em momentos de dúvida e reafirmação é ele quem sai em defesa de um povo dividido e uma indústria em busca da reinvenção. Assim surge “O Homem de Aço”, sem cueca por cima da calça, mas com a maior responsabilidade da longa trajetória cinematográfica.

Zack Snyder deve ter respondido a essa pergunta milhares de vezes e, a exemplo do que disse sobre os paralelismos políticos de “300”, deve ter dito se tratar apenas de um filme de superherói. Mas o Super-Homem nunca foi tão político como em “O Homem de Aço”; político, não partidário.

O roteiro de David S. Goyer bate constantemente em duas teclas: questionamento da função do indivíduo na sociedade e no mundo, e o que define a América moderna. Até por questões de nome, e de carga patriótica, o Capitão América deveria ser convocado numa hora dessas, entretanto, Steve Rogers é suspeito. Ele veste a camisa por ser parte da identidade norte-americana, ele não sabe ser outra coisa, é fruto de séculos de doutrinação. Ele não pode ser outra coisa.

Henry Cavill e Zack Snyder no set

Henry Cavill e Zack Snyder no set

Man of Steel

Clark Kent pode. Clark Kent pode subjulgar o mundo todo e não o faz justamente por optar pelo pacote oferecido pelos Estados Unidos (inicialmente), se mostra um ser superior e faz de tudo – inclusive dar a vida – para defender esses ideais. Ele promove um tipo de ligação direta com os fundadores da nação, um imigrante em busca de uma segunda chance. Para ele, tudo isso vale a pena, nós valemos a pena, acreditar no conceito da democracia e etc é algo digno. Tanto é que, recentemente, ele causou polêmica ao se colocar contra os norte-americanos numa disputa humanitária (mostrando a evolução histórica do personagem). Bem, isso é como nós, estrangeiros, vemos. Para os norte-americanos, a coisa é diferente.

É aí que o questionamento do filme entra. O que fazer perante esse novo mundo com o iminente fim das guerras atuais dos Estados Unidos? Onde estão os inimigos? O governo assumiu ter sistemas de vigilância nacionais, o que fazer? Tudo isso foi assimilado. Mas, claro, ninguém espera a solução dos problemas sociais e partidários dos norte-americanos por conta de um blockbuster. Entretanto nada impede que os reflexos sejam sentidos, externados e, de certo modo, solucionados.

Todo mundo sabe como o Super-Homem vai reagir a tudo, mas os vilões sempre causam transtornos e testam os limites. A bola da vez é o General Zod (assim como em “Star Trek”, reaproveitado dos filmes clássicos, porém, de forma mais criativa). Mas também levanta a pergunta: quantas vezes veremos as mesmas histórias, com os mesmos vilões, sendo recontadas? No próximo filme, claro, será a vez de Lex Luthor!

Christopher Nolan e Zack Snyder

Christopher Nolan e Zack Snyder

Man of Steel

Zod é o velho sistema. Representa a queda de um povo, suas falhas e presunções. Ele é uma doença cujo objetivo é se espalhar e replicar os mesmos erros de uma civilização punida com a extinção. Em “O Homem de Aço” vemos a melhor retratação de Krypton já feita. Ponto.

O pouco visto na introdução do longa é suficiente para maravilhar e justificar o argumento, amplificado por armaduras fantásticas, combates ferozes e uma atuação marcante de Russell Crowe, que rivaliza o de Marlon Brando como Jor El. Krypton vale a pena, aliás, recomendo o romance “Os Últimos Dias de Krypton”, de Kevin J. Anderson, que entrevistaremos em breve! E também cria o maior problema estrutural e conceitual do filme.

Se Zod é a perpetuação do sistema, ou pior, a criação de uma versão mais radical e igualmente terrível do que destruiu Krypton (uma sociedade na qual todos os indivíduos são criados com funções sociais e profissionais pré-definidas no código genético), Zod tem apenas uma nota. Essa missão a cumprir. Ele é obstinado, ele quer transformar tudo ao redor em algo agradável a ele mesmo, cópias de sua visão, para acabar com o exílio ao qual foi condenado. Ele quer refazer tudo por acreditar ser capaz de ter mais discernimento que os antecessores, ele precisa cumprir seu propósito, ele precisa escapar da Matriz e, para isso, precisa destruir Neo. Oops.

Em “O Homem de Aço” vemos a melhor retratação de Krypton já feita. Ponto.

Já vimos essa história antes e a sensação de replay de “Matrix Revolutions” é gigantesca, tanto pelo argumento quanto pelo infindável combate aéreo entre Super-Homem e Zod. É destruição gratuita, sem a menor razão narrativa. Levanto uma questão: qual o ponto em se ter dois super-seres se esmurrando, destruindo prédios por quase dez minutos, se, todo mundo sabe, nada vai acontecer por se tratarem de forças iguais? Talvez o objetivo seja subjulgar o oponente.

Não importa, corte tudo isso e não faz falta. Claro, mas é isso que o público do blockbuster procura. A ação, a grande batalha, os efeitos especiais maravilhosos (nesse aspecto, Matrix parece brincadeira de criança). A única razão plausível para isso é descuido, puro e simples. Para completar, Morpheus e Locke estão no elenco!

Man of Steel

Mas tudo isso para um remake piorado (por não trazer novidades) de uma trilogia que redefiniu os conceitos do cinema de ficção científica. Alias, “O Homem de Aço” tem tantas semelhanças assim justamente por se tratar de um filme de ficção científica, não um filme de super-heróis.

O maior fiasco é o roteiro em si, com situações, por falta de argumento melhor, bobas

Uma decisão interessante perante todo o pano de fundo da história de Clark Kent e seus paralelos com a política atual. Como toda grande ficção científica, ele usa a roupagem fantástica para expor aspectos reais. Isso sem contar referências diretas a “O Enigma de Outro Mundo”, “John Carter” e ao primeiro filme do Super-Homem.

Encontrar os limites é outro conceito. O ótimo Jonathan Kent de Kevin Costner faz isso por Clark, ao construir-lhe caráter e fazer de tudo para justificar seus próprios atos. Todos os personagens são testados, muitos falham. O maior fiasco foi o roteiro em si, com situações, por falta de argumento melhor, bobas; uma ou duas piadas boas queimadas no trailer e a constatação de que os kriptonianos são as pessoas inteligentes mais burras da galáxia. Qual o melhor jeito de punir o pior criminoso do planeta? Colocá-lo numa prisão que vai salvá-lo da tragédia planetária, claro!

“O Homem de Aço” traz nova roupagem visual, encontra um bom rosto em Henry Cavill e cria uma nova dinâmica para novos filmes por conta do segredo sobre a identidade de Clark Kent. É um bom blockbuster, mas não passa disso. Zack Snyder, e seu guru no projeto, Christopher Nolan, pedem que acreditamos no homem capaz de voar. Mas o fazem sem respeitar as regras do jogo.

“Superman – O Filme” continua ocupando o cargo de maior aventura do Super-Homem nos cinemas

Ficção científica precisa ser inovadora, exige arrojo e provocação. Nolan já decepcionou absurdamente a reciclar as próprias ideias no cada vez pior “O Cavaleiro das Trevas Ressurge” (nada mais que um remake preguiçoso do ótimo “O Cavaleiro das Trevas”) e escorregou novamente. Um dos melhores avanços da obra é a identidade do vôo do personagem. Tantas perguntas, tanto potencial e, em termos narrativos, tanta repetição.

Esse é o legado de “O Homem de Aço”, que segue o padrão Batman do Nolan para se estabelecer por conta própria, sem arriscar na construção de universo mais amplo como faz a Marvel. O sucesso de bilheteria é incontestável por conta da mistura da força do personagem com seus lados positivos. Entretanto é inevitável pensar nele sem aquela amarga sensação de que poderia ter sido tão melhor, tão inesquecível. “Superman – O Filme” continua ocupando o cargo de maior aventura do Super-Homem nos cinemas. Ajoelhem-se perante Richard Donner!

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Fábio M. Barreto é jornalista, autor da distopia “Filhos do Fim do Mundo” e quer morar em Krypton!

Participe da Book Tour de “Filhos do Fim do Mundo”, com tardes de autógrafos que passarão por São Paulo, Campinas, Santo André, Fortaleza e Rio de Janeiro.

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O primeiro trailer de “Jobs”, cinebiografia do co-fundador da Apple

Saiu o primeiro trailer de “Jobs”, o filme sobre o gênio da Apple estrelado por Ashton Kutcher.

Já é óbvio que a atmosfera da produção passa longe da biografia dramática e densa que se esperava, talvez com humor fora do lugar. Mas essa é apenas uma abordagem, outros filmes virão. A direção é do duvidoso Joshua Michael Stern.

A estreia nos EUA está marcada para 16 de agosto.

Jobs

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“Star Trek: Além da Escuridão”, uma jornada sem mistérios

Gostar de J.J. Abrams implica em conhecer uma de suas maiores teorias sobre o ato de contar histórias: a caixa misteriosa (mystery box). Ela consiste na preservação do mistério, da vastidão das possibilidades e na magia que isso provoca durante um filme. Muitos diretores a chamam de “mccguffin”. É a maleta de Tarantino ou de “Ronin”, é o Charlie de “As Panteras”, é a força motriz por trás da maioria dos filmes de Hitchcock. É algo que todos querem saber e procuram.

Falando nos universos de J.J., o monstro de “Cloverfield”, por exemplo, se encaixa nesse conceito. Manter o mistério e a atenção do espectador é uma arte cada vez mais complicada especialmente por conta da avalanche de histórias “de origem” aparecendo nos blockbusters. E isso não é coisa nova, basta lembrar da lambança de George Lucas, em 1999, com os midi-chlorian em “Episódio I”.

Então J.J. resolve encarar “Star Trek” e entrega um primeiro filme revigorado, repleto de ação e, felizmente, conseguiu manter a atenção mesmo numa história de origens. Tentou repetir a dose e caiu na mesma armadilha dos demais diretores. E levanta a pergunta: até que ponto há mérito na revelação, ou explicação, de ícones ou elementos históricos de filmes, séries ou livros?

A pergunta é ampla e complexa, tendo em vista que, mesmo com uma eventual resposta, Hollywood vai continuar explorando todas as possibilidades ad nauseum, entretanto, faz pensar pelo aspecto da criatividade. Evitando totalmente os spoilers, “Star Trek: Além da Escuridão” explica e redefine um personagem irretocável do universo de Gene Roddenberry. Ponto.

J.J. Abrams na USS Enterprise

J.J. Abrams na USS Enterprise

Orci, Kurtzman e Lindelof foram corajosos ao extremo. Mas ficaram devendo.

Pelo aspecto prático, J.J. Abrams e os roteiristas Bob Orci e Alex Kurtzman fizeram isso com toda a tripulação original no primeiro filme da retomada. Entretanto, o ponto de ruptura com a linha temporal clássica era revigorante por si. Havia um novo vilão, os desafios eram novos e, por conta da redefinição dos personagens, novas dinâmicas foram bem-vindas e funcionaram na maioria das vezes. Olhar para o filme novo por essa ótica provoca sérios questionamentos e coloca o roteiro, agora também co-escrito por Damon Lindelof, em cheque. Quase um mate criativo.

Star Trek

A razão é simples: com uma nova linha temporal e todas as opções da galáxia para manter o senso de novidade, os roteiristas optaram por revisitar um ícone. Aliás, revisitar é pouco, pois ao também roubar cenas, inverter dinâmicas e recolocar falas em novos personagens, perderam a chance de criar; optando pela simples reciclagem. A caixa misteriosa não só foi aberta, como a surpresa ficou muito a desejar, afinal, fica complicado entender o porque da “jogada de segurança” ao precisar referenciar os filmes clássicos. Teoricamente, todo o esforço da redefinição de Star Trek tinha como objetivo permitir a renovação.

Orci, Kurtzman e Lindelof foram corajosos ao extremo. Mas ficaram devendo. Sair do cinema com a sensação de ter visto um remake do mundo bizarro é a pior coisa que poderia ter acontecido. E aconteceu. Kirk tornou-se um personagem desinteressante. Ele aparece num momento de busca pelo auto-conhecimento, mas não sofre o suficiente ou ousa o suficiente para justificar a indecisão. Ele sempre foi o carro-chefe da franquia clássica por ser o personagem mais forte. Ignorar isso chega a soar ingênuo. Assim como a necessidade de se incluir o maior número de referências, e personagens, possível num roteiro só.

Chris Pine e J.J. Abrams

Chris Pine e J.J. Abrams

Por que quase ninguém está falando sobre o filme com todo aquele afinco que só a internet permite?

É realmente estranho comentar essas coisas envolvendo nomes tão queridos e respeitados. Sempre busquei muita inspiração nos roteiros da dupla Orci-Kurtzman e costumava respeitar Lindelof. Até que ponto eles puderam, de fato, criar uma história do zero ou sentiram a necessidade de fazer essa reciclagem? Apontar para pressão do estúdio é juvenil demais, embora possa ter acontecido; ou eles, ao lado de J.J. realmente acharam que esse seria o caminho? Falta uma conexão.

Star Trek

Os filmes não encaixam dramaticamente. A assinatura visual é sólida e constante. Os flares também, aliás, eles aumentaram. Um deles chega a ganhar mais destaque que a atriz num dos diálogos-chave. Entretanto os personagens estão distantes uns dos outros e tão desconexos em relação ao filme anterior que piadas e citações diretas são necessárias para se criar uma conexão.

Há um elemento estrutural que, de fato, incomodou e me surpreendeu por estar num filme desse tamanho. O roteiro optou por uma muleta narrativa tão bizarra que deu medo. Num momento de crise, um personagem “liga para um amigo para pedir ajuda”.

Demorei a assistir “Star Trek: Além da Escuridão” e fiquei me perguntando: por que quase ninguém está falando sobre o filme com todo aquele afinco que só a internet permite? Bem, talvez essa seja uma das razões. É difícil embarcar nessa história depois da revelação surpresa. As correlações são inevitáveis e quando os diálogos reciclados entram em cena, chega a ser triste pela repetitividade.

É possível rir com boas piadas, algumas referências bem posicionadas (fãs de Sulu vão amar algumas delas) e há uma comparação a ser feita com “Homem de Ferro 3”. Um dos elementos de “Star Trek: Além da Escuridão” é a vingança. Nisso o roteiro acerto. Quer ir à forra com um inimigo? Vá para cima dele com toda sua ira! O acerto existe por conta da discussão sobre obrigação moral versus ordens.

Elenco lê o B9 durante o trabalho

Elenco lê o B9 durante o trabalho

“Star Trek: Além da Escuridão” abre a maldição do filme par?

Nesse aspecto há o reflexo da política norte-americana e o cenário militar atual, numa clara alusão, e questionamento, ao ato patriótico e aos controversos ataques com os reaper drones. Roddenbery acreditava na projeção de uma sociedade pacifista. Essa linha temporal de J.J. Abrams ainda está muito longe desse ponto, enfrenta o risco da militarização e a aparentemente inevitável guerra com o Império Klingon. A proximidade com o tema foi tamanha que, numa cena que mostra a cerimônia em homenagem aos heróis mortos durante o filme, J.J. chamou seis veteranos das guerras do Iraque e Afeganistão para replicar o procedimento do dobramento da bandeira.

Star Trek

Curioso comparar a efetividade da mensagem política contra a opção pela reciclagem. Medo de criar um inimigo próximo demais da realidade? Talvez, embora exista um atentado terrorista na trama. Devoção extrema ao personagem escolhido? Também pode ser.

Mas se a história nos ensina uma coisa é que erros do passado não devem ser repetidos. Hitler não aprendeu com Napoleão e perdeu na Rússia. J.J. deveria ter se lembrado de George Lucas. Darth Vader apavorou gerações. Transforma-lo num garoto incompreendido, concebido aos moldes de Jesus Cristo, e que matou criancinhas sem piedade não foi a melhor das ideias.

“Star Trek: Além da Escuridão” é sério candidato a iniciar a “maldição do filme par” – normalmente, os filmes ímpares eram os mais fracos da franquia -, mas, mesmo assim, merece o ingresso. Se tudo correr como de costume, no próximo longa, ímpar, eles voltam à boa forma! Só resta saber se, desta vez, irão realmente onde nenhum homem jamais esteve, ou vão voltar a visitar velhas praias.

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Fábio M. Barreto é jornalista, cineasta e autor da ficção científica “Filhos do Fim do Mundo”.

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“300: Rise of an Empire” [Trailer]

Assim como Neil Blomkamp, de “Distrito 9” e do ainda em produção “Elysium”, Noam Murro é um diretor que se originou na publicidade.

Apesar de já ter um longa no currículo – a comédia “Smart People”, de 2008 – é sua experiência com grandes campanhas publicitárias que se destaca. Filmes premiados “Halo”, HBO, Heineken, Volkswagen, Stella Artois e Nike constam no portolio do diretor.

Em 2014, porém, estreia seu primeiro blockbuster. Noam Murro assumiu a direção de “300: Rise of an Empire”, sequência do filme de Zack Snyder – que continua como roteirista – e que trás novamente Rodrigo Santoro no papel de Xerxes e toneladas de fundo verde.

A Warner Bros. revelou hoje o primeiro trailer do filme, e pra quem assiste “Game of Thrones” não dá para deixar de notar a presença Lena Headey. Também tem espada e tudo mais, mas essa não é a Cersei Lannister.

300

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“Depois da Terra”: Depois de Lucas

Todo filme surge de um conceito. Todo conceito reflete alguma necessidade, seja de mercado ou pessoal. Quando a demanda determina a mensagem, normalmente, o resultado é uma colagem capaz de replicar a moda do momento e alienar qualquer um alheio a esse mundo. No caso da motivação pessoal, a ideia chega num pacote completo, devidamente adequado com as experiências do criador e com as projeções do que ele acredita ser correto ou plausível. Quando isso acontece, o espectador se vê diante de um reflexo devidamente filtrado de uma era, de um livro, de um filme, de um trauma ou alegria.

Essa é a essência de “Depois da Terra”, que, embora seja roteirizado e dirigido por M. Night Shyamalan, é baseado em argumento de Will Smith, um dos atores mais rentáveis, carismáticos e efetivos de Hollywood. Smith passou a juventude entre a transformação dos anos 1970 e as origens da cultura pop nos anos 1980. O resultado não poderia ser outro, essa ficção científica é uma jogada de segurança que reflete uma época e dá a Smith mais uma oportunidade de trabalhar ao lado do filho, Jaden. Sendo mais direto, “Depois da Terra” é uma nova versão dos conceitos de “Guerra nas Estrelas”, de George Lucas.

Com uma mensagem ecológica preventiva, o roteiro foca em sua vocação de origem: estudar a relação entre pai e filho

Por ter estudado tanto a jornada do herói e os tratados de Joseph Campbell, é até fácil ficar vendo essa trajetória em todos os filmes. Em tese, todo herói de filme passa por alguns dos momentos analisados por Campbell, entretanto, em “Depois da Terra” o paralelismo é claro e descarado. Toda a trama é armada para ser um grande rito de passagem clássico, visto tanto pelo lado daquele que o vivencia e daquele que valida todo o processo, ou seja, do pupilo e do mestre, do pai e do filho.

After Earth

O herói mergulha até as profundezas, enfrenta os medos – novos e antigos –, sofre a perda e enfrenta contempla a própria morte antes de se reerguer e concluir o rito de passagem. Desde o início da saga da família Skywalker, os roteiristas dos filmes de ficção científica tem uma busca eterna: fugir disso e encontrar modos de esconder as referências. Esse não é o caso. Ao assumir a estrutura clássica, o roteiro pode incluir uma mensagem ecológica preventiva e focar em sua vocação de origem: estudar a relação entre pai e filho.

Shyamalan continua com voz ativa e sabe dirigir, simplesmente não teve, de acordo com o resto do mundo, pelo jeito, uma nova ideia capaz de superar “O Sexto Sentido”

Embora não chegue a nenhuma conclusão brilhante ou transformadora, faz esse aspecto de forma interessante, com grande atuação de Will Smith e uma direção neutra de Shyamalan. Ele precisava dessa paz de espírito, precisava fazer algo normal, algo seguro para se levantar de tanta crítica e desprezo. Gostar de filmes é algo pessoal, mas, pelo ponto de vista técnico, à exceção de “Fim dos Tempos” – que é uma tragédia assumida em todos os aspectos – e do questionável “O Último Mestre dos Ar”, os demais filmes autorais tem valor (“Dama na Água” é um clássico do gênero, por exemplo).

Shyamalan continua com voz ativa e sabe dirigir, simplesmente não teve, de acordo com o resto do mundo, pelo jeito, uma nova ideia capaz de superar “O Sexto Sentido”. A insistência e a birra de se comparar cada segundo em tela de seus filmes ao longa com Bruce Willis nunca vai desaparecer e se tornaram em maldição. Ligando, ou não, ele continua trabalhando. Dessa vez, optou por dar voz a outra pessoa, alguém que atrai menos atenção negativa e cujos números de bilheteria são incontestáveis. A ideia de Will Smith é simples, mas poderia funcionar. O problema é o filho.

Shyamalan e Smith no set de After Earth

Shyamalan e Smith no set de After Earth

After Earth

Como em todo filme sobre ritos de passagem, o herói precisa ser carismático e envolvente. Jaden Smith não é nenhum dos dois. Tem jeito atlético, claro, e parece com o pai, mas ao dividir tela com um ator tão tarimbado e espirituoso – mesmo fazendo cara de sério o tempo todo –, o garoto perde a briga e prejudica. Nesse cenário, a trama simples transforma-se em algo tolo e previsível. Bem, isso já é desde o princípio, afinal, o final feliz é óbvio, só não se sabe para qual dos dois personagens. Neo e Luke Skywalker tinham toda aquela bravura e avidez a oferecer, Kitai oferece apenas o medo e a insegurança. Aliás, graças à campanha de marketing, o uso do medo no filme se dilui, pois o conceito do “Medo é uma opção” é interessante. Ficaria melhor caso fosse fruto de uma construção narrativa, não do pôster do filme. Como se identificar com um herói inseguro? Neo seguiu o coelho buraco a baixo, Luke queria avançar para cima de Vader na hora da morte de Ben Kenobi, Kitai vê onde está o problema e corre para o outro lado.

Há um pouco de romantismo no roteiro de “Depois da Terra”, pois além da visão idealista do futuro do planeta, existe o vínculo com o clássico “Moby Dick”, de Herman Melville. Embora desprovido de citações diretas, a obstinação de Ahab está pulverizada ao longo da trama e o conceito de “ação-reação” que o homem exerce sobre a natureza são constantes. Ele tenta ser provocativo como a ficção científica pede e atemporal como precisa ser. Quase acerta no primeiro e teve êxito no segundo. Pensar nas limitações humanas sempre rende boas histórias, uma vez que mesmo nos futuros de Asimov, Clarke e Heinlein, o planeta pode mudar, mas o ser humano continua sendo o mesmo.

Há valor nessa tentativa, na sinceridade de um astro que já se revelou sonhador anteriormente. É preciso respeitá-lo, gostando ou não do filme.

Será por isso que contamos tantas vezes as mesmas histórias? Na esperança de que algum dia isso mude? Pelo menos pelo olhar dos roteiristas atuais, continuamos passíveis das mesmas fraquezas e deficiências. No caso desse filme, o medo é o grande inimigo. Um homem sem medo é invencível, é o que precisamos, é o que nossos inimigos temem. Imagino um jovem Will Smith dizendo isso a si mesmo quando iniciou a carreira e enfrentou todas as dificuldades do mundo do entretenimento. Seja corajoso, não demonstre fraqueza, ignore o medo e acredite na força de vontade. Funcionou na vida real, por que não repetir a dose na tela?

Há valor nessa tentativa, na sinceridade de um astro que já se revelou sonhador anteriormente em “À Procura da Felicidade” e se encaixa perfeitamente no papel de herói salvador como em “Eu, Robô” e “Eu Sou a Lenda”. Ele tem uma visão. Um credo. E apostou nisso. É preciso respeitá-lo, gostando ou não do filme.

O orgulho exacerbado pelo talento questionável do filho pode ser o calcanhar de Aquiles, mas, fica claro que o astro respirou a corrida espacial, se maravilhou com “Guerra nas Estrelas”, deve ter se imaginado como Indiana Jones e sonhou com uma chance de explodir o Tubarão e, agora, devolve tudo que sentiu. Na esperança que embarquemos com ele nessa aventura de redescoberta, de solidão e com boas pitadas de bom-humor. Penso só ter utilizado o termo “blockbuster pessoal” para “Sucker Punch”, de Zack Snyder, mas vale para “Depois da Terra”. É uma homenagem de um astro, não de um roteirista, àquilo que ele viveu e ao que acredita. É simples, revelador e pode ser poderoso. Depende do espectador.

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Fábio M. Barreto é jornalista, cineasta e autor da ficção científica “Filhos do Fim do Mundo”.

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Monstros & Monstruosidades

Aconteceu algo curioso em 2009. Depois de muito tempo, uma franquia tradicionalmente sanguinária e focada num nicho bem específico rompeu as barreiras mais importantes: fez sucesso nas bilheterias e conquistou moderadamente a crítica.

O autor da façanha foi “Sexta-Feira 13”, mais recente aparição de Jason Vorhees aos cinemas. Público e imprensa precisavam de um bom motivo para voltar a se divertir com o gênero e ele veio. Pelo ponto de vista estratégico, esse longa-metragem havia aberto a porteira para um revival de qualidade. Os estúdios entenderam o recado e os remakes começaram a invadir os cinemas em toque de caixa concorrendo com algumas histórias originais. A qualidade foi passear. O dinheiro veio aos montes. Acredite, por pior que pareça o filme, a maioria deles deu resultado com média de 2x o valor do investimento inicial.

O nível de diversão gerado por “Sexta-Feira 13” deixou muita gente empolgada, afinal, era possível misturar o bom e velho slasher movie com o cinema moderno e dar boas risadas. Pelo aspecto da produção, ele foi um divisor de águas pois com os US$ 19 milhões de investimento, faturou mais de US$ 90 milhões no mundo todo. 29% desse valor foi arrecadado nos mercados internacionais. Foi um bom indicativo, mas alguns vícios são difíceis de serem deixados para trás, então, enquanto o fenômeno “Atividade Paranormal” se formava puramente baseado nos sustos gratuitos, a onda de filmes inspirados por esse momento começou.

Terror

Terror

Sam Raimi foi o primeiro a apanhar da crítica com o corajoso “Arraste-me Para O Inferno” (Drag me to Hell). O filme em si era uma execução da mesma fórmula de “Evil Dead”, com alterações, mas dentro do princípio: há uma entidade maléfica vinda dos quintos dos infernos, precisamos derrota-la! Nada fantástico, cumpriu tabela. Claro que fiquei feliz, afinal, por causa disso, bati um longo papo com Sam Raimi, Justin Long e Alison Lohman.

Gente boníssima o Raimi, diga-se de passagem. Vestindo o terno característico e extremamente devotado ao que faz. Foi bacana. Já o Justin foi divertido, pois falamos mais sobre “Galaxy Quest” que do terror em questão. Enfim, o filme foi “ok”, certo? Adivinhem o faturamento: $90 milhões no mundo todo, contra $30 milhões de orçamento. Ou seja, US$ 60 milhões de lucro! Curiosamente, o nome internacional de Raimi fez valer na hora do sucesso e 53% do valor foi arrecadado fora dos Estados Unidos.

O filme mais caro dessa leva de 2009 foi o remake de “A Nightmare on Elm Street”, estrelado por Jackie Earle Haley, de “Watchmen”. Custou $35 milhões. Filme sem graça, dependente do saudosismo de uma série que marcou a adolescência de muita gente e que, aposto, já foi esquecido. Nada de cenas marcantes. Nada de inovação no estilo de Freddy Krueger. Apenas mais uma versão do velho ícone. No máximo, outro “ok”. Foi um desbunde financeiro, garantindo aos cofres da Warner $115 milhões no mundo todo.

Terror

Evil

Para os produtores a coisa caminhou bem, afinal, o objetivo é o faturamento. Se o filme funcionar, ótimo! Se não, o próximo já está em produção mesmo. Depois de bons resultados, veio a primeira porrada: “Don’t Be Afraid of The Dark” não conseguiu nem se segurar com o nome de Guillermo del Toro no roteiro e Katie Holmes no elenco.

Produzido pela FilmDistrict e distribuído pela Disney, o terror psicológico deixou de lado as facadas e as presepadas dos filmes anteriormente mencionados e se lascou nas bilheterias. Filme inexplicavelmente fraco (ou incompreendido?) custou $25 milhões e só se salvou por causa da bilheteria internacional, chegando a um total de $36 milhões. Faturou só $24 milhões nos Estados Unidos.

Aí veio o grande teste de fogo para se saber se há alguma demanda por roteiro diferente, e minimamente inteligente, ou se o importante são as lacerações, desmembramentos e o sangue. “O Massacre da Serra Elétrica 3D” é uma das maiores porcarias já feitas em Hollywood e merece a alcunha de ofensivo perante os filmes originais.

Digno de ficar restrito ao mercado de home entertainment, a Lionsgate resolve apostar no cinema e os executivos devem estar sorrindo até agora. Partindo da média de orçamento do gênero ($16 milhões), esse caça-níqueis faturou $34 milhões só nos Estados Unidos e se pagou. Isso sem contar nos trocados que ainda está fazendo no exterior. Entrou em cartaz a pouco no Brasil, aliás.

Terror

Para fechar a listinha, precisamos falar de “A Morte do Demônio” (Evil Dead), dirigido por Fede Alvarez, aquele diretor uruguaio que fez “Ataque de Pânico!”, o curta-metragem alucinante dos robozões em Montevidéu. Custou $17 milhões e, mesmo sendo um festival de sustos previsíveis, “A Morte do Demônio” arrecadou $92 milhões no mundo todo.

Como prequel, traz novas informações e merece destaque por um dos personagens mais sinceros que já vi no gênero. O sujeito faz a besteira que inicia a trama e é pé no chão o suficiente para ir contra as bobagens sempre ditas em filmes desse tipo. “Está tudo bem!”, diz o mocinho. “Não, não está! Só está piorando”, devolve o realista.

Essa talvez seja a melhor ideia desse longa. “Qualquer manifestação cinematográfica tem que ser baseada em boas ideias; se você pensa em algo que vai gerar interesse na tela, você vai obter um resultado”, comenta o diretor uruguaio, em entrevista ao B9.

“O importante é fazer um filme pelo que ele é, não como meio para alcançar esse resultado. Sempre filmei por paixão, não para conseguir um emprego ou ser visto. Fazer as coisas como catapultas não funciona para mim” – Fede Alvarez

Ele pode dizer isso, mas foi exatamente o que aconteceu. Entrando pelo terror, como tantos outros jovens talentos, Alvarez já começou a fazer nome por aqui. Ele é um dos maiores casos pessoais de sucesso gerado pelo YouTube, no cinema.

Terror

Curiosamente, outro bom resultado direto do YouTube foi o longa-metragem “Mama”, nascido a partir de um dos curtas mais assustadores que já vi! Ainda não fui assistir ao filme pelo desespero causado pelo vídeo espanhol. De qualquer forma, “Mama” não convenceu a crítica, mas os US$ 145 milhões arrecadados nas bilheterias mundiais contam sua história.

Ver tantos filmes e milhões resultantes de um gênero, até segunda ordem, desinteressado em trazer algo além das características obrigatórias é algo, inicialmente, difícil de entender, afinal, produzir lixo deveria gerar resultado similar. Mas aí você tira o idealismo de lado, lembra de novela, Big Brother, revistas de fofoca, e daquele monte de filme de artes marciais que ninguém nunca ouve falar, e tudo fez sentido.

Não tenho absolutamente nada contra o cinema, ou a literatura, de gênero. Sempre apoiei ao longo da carreira. Vivo disso como escritor e me especializei no “fantástico” no jornalismo. Mesmo sem envolver as franquias como “Atividade Paranormal”, “Premonição” e “Jogos Mortais”, por exemplo, estamos diante de um mercado prolífico e eficaz. A Asylum herdou o legado de Roger Corman e continua produzindo em grande escala, fazendo as vezes de maior “escola prática” de Hollywood. O importante lá é filmar e abastecer o mercado de DVDs e Blu-Ray. Funciona e, de fato, é um dos poucos lugares onde o antigo sistema de estúdios ainda funciona. Tanto por influencia de Corman quanto dos resultados, o maior gênero, surpresa!, é o terror.

A preocupação com o nicho deixou de existir e, pelo que diretores e produtores falam em Los Angeles, o alvo do “filme de medo” agora é gerar a experiência; ou seja, recriar aquela sensação da galera que encarou o cinema para ver Michael Myers, Jason Vorhees e Freddy Krueger pela primeira vez. Há algo especial nessa resposta tão positiva a mortes e sangue. Alívio social? Diversão? Desejo de ver algo do qual fugimos na vida real? Parece um grande teste de força de vontade. Assistir, e encarar até o final, é questão de honra. E isso me lembra de um outro clássico. No fim das contas, gostamos da experiência do “Pague para Entrar, Reze para Sair”. ?

N.E.: Confira no nosso Letterboxd a lista dos filmes de terror citados nesse artigo.

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Fábio M. Barreto é jornalista, cineasta e autor do romance de ficção “Filhos do Fim do Mundo”

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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