SAIH critica estereotipização em campanhas beneficentes

Rusty Radiator Awards é o nome de uma premiação promovida pelo SAIH – Fundo de Assistência Internacional de Estudantes e Acadêmicos da Noruega – para apontar campanhas beneficentes que mais abusam dos estereótipos. Segundo a organização, no texto de apresentação do projeto, o uso contínuo deste recurso “fere tanto a causa quanto as pessoas retratadas. Ela tira a dignidade e ação das pessoas, enquanto cria apatia em vez de ação nas pessoas ao redor do mundo”. Para divulgar o prêmio, o SAIH criou o filme Let’s Save Africa! – Gone Wrong, que apresenta Michael, um ator especializado em comerciais de caridade.

É claro que a organização assume que esta é apenas uma brincadeira e que, na realidade, não existem atores especializados em comerciais de caridade. O propósito, então, é mostrar que infelizmente, esta é a impressão que acaba ficando, quando todas as histórias contadas são iguais e contribuem para a estereotipização dos problemas enfrentados pelo povo africano.

“Precisamos mudar a maneira como as campanhas de arrecadação de fundos estão comunicando os problemas relacionados a pobreza e desenvolvimento”, diz o descritivo do prêmio.

Além do Rusty Radiator Awards, o SAIH também oferece o Golden Radiator Awards, que faz o caminho inverso, premiando os bons comerciais. Segundo a organização, as melhores campanhas são aquelas que permitem que as pessoas contem suas histórias e mostrem diferentes pontos de vistas, criando engajamento com base no conhecimento. Um dos concorrentes deste ano é o incrível 4 Years Old’s Bucket List, da Water Is Life.  A votação termina no dia 3 de dezembro.

A produção é da iKind Productions.

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Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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Sobre essa exigência velada (mas obrigatória) da superficialidade

Alegar que a rotina existe por pura comodidade é fácil. Mas vê-la como parte de um processo para o aprimoramento da qualidade de um trabalho, uma visão ou até mesmo uma doutrina profissional, não. Sair da rotina – ou como dizem, “se reinventar” – todos os dias tornou-se exigência no curriculum vitae. E não parece nenhum absurdo. Afinal, as pessoas flexíveis tem maiores chances nesse mundo tão dinâmico e articulado.

Toffler (autor do livro “Future Shock”) afirmou:

“Os analfabetos do futuro não serão os que não sabem ler ou escrever. Mas os que se recusarem a aprender, aprender e aprender novamente.”

E segundo a dúzia de profissionais veteranos que vi sendo descartados de suas empresas nos últimos anos (por motivos aparentemente banais, como não saber usar tão bem determinada ferramenta), nos faz acreditar que ele acertou em cheio sobre a forma de reação deste novo mercado.

Sem percebemos o conhecimento se tornou um commodity. E as empresas já não buscam estagiários para o aprendizado e aperfeiçoamento. Ele tem que falar inglês, espanhol, além de dominar Photoshop, Illustrator, InDesign, Flash, Dreamweaver, After Effects, Premiere, Audition, ser pontual, pró-ativo, dinâmico, não-fumante, sociável, com nota fiscal, carro próprio e disponibilidade, se necessário, nos fins de semana.

Overclocking mental impede o compromisso de poder “não ter um compromisso”

E assim, assoviar chupando cana passou a ter mais valor do que a experiência e a especialização – palavra praticamente morta. Criando assim um verdadeiro picadeiro mercadológico, onde os mais jovens (que buscam estagiar para crescimento e aprendizado, ao invés de acumular trabalhos de um veterano, ganhando pouco) não possuem as exigências “mínimas” das vagas, enquanto os mais calejados “ganham demais” e “são muito viciados na metodologia de trabalho”. “Não servem.”

Minha amiga (e editora do B9) Amanda de Almeida disse algo muito interessante sobre isso: “As empresas tem medo de investir na formação de um profissional e, finalizando o estágio, ele mudar de emprego. Parece que o estagiário passa a dever a própria alma depois de ter ganhado uma oportunidade. Como se a dedicação e vontade não contassem em nada.”

Muito se fala sobre “dobrar faturamento”, “triplicar prêmios”, “quadruplicar rentabilidade”. Mas “aumentar a satisfação dos clientes, com a qualidade da nossa entrega” parece utópico (ou conversa pra boi dormir). E sem romantismo, sabemos: números valem mais do que qualidade. “Future Shock” foi premonitório também sobre este novo ritmo das empresas e pessoas, inclusive alegando que essa sobrecarga de metas, conhecimento e informações nos deixaria mais desorientados, desligados e estressados. E vou além: superficiais, também.

Justamente por esse overclocking mental ser tão alto, muitos anseiam por aquele momento de “não pensamento” em algum minuto da semana. E pelo compromisso de poder “não ter um compromisso”.

Toda essa dissonância cria um ambiente instável, onde as pessoas não tem mais tempo para se dedicarem ao aprimoramento daquilo que fazem de melhor, mas vivem uma assimilação continua por algo novo. E, como já disse meu amigo Ronaldo Tavares (DM9) em um Braincast:

“… um oceano de conhecimento, com um palmo de profundidade”.

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Man of Steel: O Homem da Matrix

A América existe e persiste por causa de seus heróis. Lincoln, os responsáveis pela independência, os milhares de soldados perdidos em tantas guerras, o sujeito capaz de se sacrificar pelo ideal primordial do país: a liberdade. Ser herói é algo simples e de fácil alcance; não é preciso se tornar um empresário de sucesso ou inventar algo complicado, basta uma ação e pronto.

Um remake piorado de uma trilogia que redefiniu os conceitos do cinema de ficção científica

A América adora seus heróis; tanto que lhes deu superpoderes. E os transformou em ideias capazes de eternizar esses valores. Nenhum deles faz isso melhor que o Super-Homem. Especialmente em momentos de dúvida e reafirmação é ele quem sai em defesa de um povo dividido e uma indústria em busca da reinvenção. Assim surge “O Homem de Aço”, sem cueca por cima da calça, mas com a maior responsabilidade da longa trajetória cinematográfica.

Zack Snyder deve ter respondido a essa pergunta milhares de vezes e, a exemplo do que disse sobre os paralelismos políticos de “300”, deve ter dito se tratar apenas de um filme de superherói. Mas o Super-Homem nunca foi tão político como em “O Homem de Aço”; político, não partidário.

O roteiro de David S. Goyer bate constantemente em duas teclas: questionamento da função do indivíduo na sociedade e no mundo, e o que define a América moderna. Até por questões de nome, e de carga patriótica, o Capitão América deveria ser convocado numa hora dessas, entretanto, Steve Rogers é suspeito. Ele veste a camisa por ser parte da identidade norte-americana, ele não sabe ser outra coisa, é fruto de séculos de doutrinação. Ele não pode ser outra coisa.

Henry Cavill e Zack Snyder no set

Henry Cavill e Zack Snyder no set

Man of Steel

Clark Kent pode. Clark Kent pode subjulgar o mundo todo e não o faz justamente por optar pelo pacote oferecido pelos Estados Unidos (inicialmente), se mostra um ser superior e faz de tudo – inclusive dar a vida – para defender esses ideais. Ele promove um tipo de ligação direta com os fundadores da nação, um imigrante em busca de uma segunda chance. Para ele, tudo isso vale a pena, nós valemos a pena, acreditar no conceito da democracia e etc é algo digno. Tanto é que, recentemente, ele causou polêmica ao se colocar contra os norte-americanos numa disputa humanitária (mostrando a evolução histórica do personagem). Bem, isso é como nós, estrangeiros, vemos. Para os norte-americanos, a coisa é diferente.

É aí que o questionamento do filme entra. O que fazer perante esse novo mundo com o iminente fim das guerras atuais dos Estados Unidos? Onde estão os inimigos? O governo assumiu ter sistemas de vigilância nacionais, o que fazer? Tudo isso foi assimilado. Mas, claro, ninguém espera a solução dos problemas sociais e partidários dos norte-americanos por conta de um blockbuster. Entretanto nada impede que os reflexos sejam sentidos, externados e, de certo modo, solucionados.

Todo mundo sabe como o Super-Homem vai reagir a tudo, mas os vilões sempre causam transtornos e testam os limites. A bola da vez é o General Zod (assim como em “Star Trek”, reaproveitado dos filmes clássicos, porém, de forma mais criativa). Mas também levanta a pergunta: quantas vezes veremos as mesmas histórias, com os mesmos vilões, sendo recontadas? No próximo filme, claro, será a vez de Lex Luthor!

Christopher Nolan e Zack Snyder

Christopher Nolan e Zack Snyder

Man of Steel

Zod é o velho sistema. Representa a queda de um povo, suas falhas e presunções. Ele é uma doença cujo objetivo é se espalhar e replicar os mesmos erros de uma civilização punida com a extinção. Em “O Homem de Aço” vemos a melhor retratação de Krypton já feita. Ponto.

O pouco visto na introdução do longa é suficiente para maravilhar e justificar o argumento, amplificado por armaduras fantásticas, combates ferozes e uma atuação marcante de Russell Crowe, que rivaliza o de Marlon Brando como Jor El. Krypton vale a pena, aliás, recomendo o romance “Os Últimos Dias de Krypton”, de Kevin J. Anderson, que entrevistaremos em breve! E também cria o maior problema estrutural e conceitual do filme.

Se Zod é a perpetuação do sistema, ou pior, a criação de uma versão mais radical e igualmente terrível do que destruiu Krypton (uma sociedade na qual todos os indivíduos são criados com funções sociais e profissionais pré-definidas no código genético), Zod tem apenas uma nota. Essa missão a cumprir. Ele é obstinado, ele quer transformar tudo ao redor em algo agradável a ele mesmo, cópias de sua visão, para acabar com o exílio ao qual foi condenado. Ele quer refazer tudo por acreditar ser capaz de ter mais discernimento que os antecessores, ele precisa cumprir seu propósito, ele precisa escapar da Matriz e, para isso, precisa destruir Neo. Oops.

Em “O Homem de Aço” vemos a melhor retratação de Krypton já feita. Ponto.

Já vimos essa história antes e a sensação de replay de “Matrix Revolutions” é gigantesca, tanto pelo argumento quanto pelo infindável combate aéreo entre Super-Homem e Zod. É destruição gratuita, sem a menor razão narrativa. Levanto uma questão: qual o ponto em se ter dois super-seres se esmurrando, destruindo prédios por quase dez minutos, se, todo mundo sabe, nada vai acontecer por se tratarem de forças iguais? Talvez o objetivo seja subjulgar o oponente.

Não importa, corte tudo isso e não faz falta. Claro, mas é isso que o público do blockbuster procura. A ação, a grande batalha, os efeitos especiais maravilhosos (nesse aspecto, Matrix parece brincadeira de criança). A única razão plausível para isso é descuido, puro e simples. Para completar, Morpheus e Locke estão no elenco!

Man of Steel

Mas tudo isso para um remake piorado (por não trazer novidades) de uma trilogia que redefiniu os conceitos do cinema de ficção científica. Alias, “O Homem de Aço” tem tantas semelhanças assim justamente por se tratar de um filme de ficção científica, não um filme de super-heróis.

O maior fiasco é o roteiro em si, com situações, por falta de argumento melhor, bobas

Uma decisão interessante perante todo o pano de fundo da história de Clark Kent e seus paralelos com a política atual. Como toda grande ficção científica, ele usa a roupagem fantástica para expor aspectos reais. Isso sem contar referências diretas a “O Enigma de Outro Mundo”, “John Carter” e ao primeiro filme do Super-Homem.

Encontrar os limites é outro conceito. O ótimo Jonathan Kent de Kevin Costner faz isso por Clark, ao construir-lhe caráter e fazer de tudo para justificar seus próprios atos. Todos os personagens são testados, muitos falham. O maior fiasco foi o roteiro em si, com situações, por falta de argumento melhor, bobas; uma ou duas piadas boas queimadas no trailer e a constatação de que os kriptonianos são as pessoas inteligentes mais burras da galáxia. Qual o melhor jeito de punir o pior criminoso do planeta? Colocá-lo numa prisão que vai salvá-lo da tragédia planetária, claro!

“O Homem de Aço” traz nova roupagem visual, encontra um bom rosto em Henry Cavill e cria uma nova dinâmica para novos filmes por conta do segredo sobre a identidade de Clark Kent. É um bom blockbuster, mas não passa disso. Zack Snyder, e seu guru no projeto, Christopher Nolan, pedem que acreditamos no homem capaz de voar. Mas o fazem sem respeitar as regras do jogo.

“Superman – O Filme” continua ocupando o cargo de maior aventura do Super-Homem nos cinemas

Ficção científica precisa ser inovadora, exige arrojo e provocação. Nolan já decepcionou absurdamente a reciclar as próprias ideias no cada vez pior “O Cavaleiro das Trevas Ressurge” (nada mais que um remake preguiçoso do ótimo “O Cavaleiro das Trevas”) e escorregou novamente. Um dos melhores avanços da obra é a identidade do vôo do personagem. Tantas perguntas, tanto potencial e, em termos narrativos, tanta repetição.

Esse é o legado de “O Homem de Aço”, que segue o padrão Batman do Nolan para se estabelecer por conta própria, sem arriscar na construção de universo mais amplo como faz a Marvel. O sucesso de bilheteria é incontestável por conta da mistura da força do personagem com seus lados positivos. Entretanto é inevitável pensar nele sem aquela amarga sensação de que poderia ter sido tão melhor, tão inesquecível. “Superman – O Filme” continua ocupando o cargo de maior aventura do Super-Homem nos cinemas. Ajoelhem-se perante Richard Donner!

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Fábio M. Barreto é jornalista, autor da distopia “Filhos do Fim do Mundo” e quer morar em Krypton!

Participe da Book Tour de “Filhos do Fim do Mundo”, com tardes de autógrafos que passarão por São Paulo, Campinas, Santo André, Fortaleza e Rio de Janeiro.

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“Star Trek: Além da Escuridão”, uma jornada sem mistérios

Gostar de J.J. Abrams implica em conhecer uma de suas maiores teorias sobre o ato de contar histórias: a caixa misteriosa (mystery box). Ela consiste na preservação do mistério, da vastidão das possibilidades e na magia que isso provoca durante um filme. Muitos diretores a chamam de “mccguffin”. É a maleta de Tarantino ou de “Ronin”, é o Charlie de “As Panteras”, é a força motriz por trás da maioria dos filmes de Hitchcock. É algo que todos querem saber e procuram.

Falando nos universos de J.J., o monstro de “Cloverfield”, por exemplo, se encaixa nesse conceito. Manter o mistério e a atenção do espectador é uma arte cada vez mais complicada especialmente por conta da avalanche de histórias “de origem” aparecendo nos blockbusters. E isso não é coisa nova, basta lembrar da lambança de George Lucas, em 1999, com os midi-chlorian em “Episódio I”.

Então J.J. resolve encarar “Star Trek” e entrega um primeiro filme revigorado, repleto de ação e, felizmente, conseguiu manter a atenção mesmo numa história de origens. Tentou repetir a dose e caiu na mesma armadilha dos demais diretores. E levanta a pergunta: até que ponto há mérito na revelação, ou explicação, de ícones ou elementos históricos de filmes, séries ou livros?

A pergunta é ampla e complexa, tendo em vista que, mesmo com uma eventual resposta, Hollywood vai continuar explorando todas as possibilidades ad nauseum, entretanto, faz pensar pelo aspecto da criatividade. Evitando totalmente os spoilers, “Star Trek: Além da Escuridão” explica e redefine um personagem irretocável do universo de Gene Roddenberry. Ponto.

J.J. Abrams na USS Enterprise

J.J. Abrams na USS Enterprise

Orci, Kurtzman e Lindelof foram corajosos ao extremo. Mas ficaram devendo.

Pelo aspecto prático, J.J. Abrams e os roteiristas Bob Orci e Alex Kurtzman fizeram isso com toda a tripulação original no primeiro filme da retomada. Entretanto, o ponto de ruptura com a linha temporal clássica era revigorante por si. Havia um novo vilão, os desafios eram novos e, por conta da redefinição dos personagens, novas dinâmicas foram bem-vindas e funcionaram na maioria das vezes. Olhar para o filme novo por essa ótica provoca sérios questionamentos e coloca o roteiro, agora também co-escrito por Damon Lindelof, em cheque. Quase um mate criativo.

Star Trek

A razão é simples: com uma nova linha temporal e todas as opções da galáxia para manter o senso de novidade, os roteiristas optaram por revisitar um ícone. Aliás, revisitar é pouco, pois ao também roubar cenas, inverter dinâmicas e recolocar falas em novos personagens, perderam a chance de criar; optando pela simples reciclagem. A caixa misteriosa não só foi aberta, como a surpresa ficou muito a desejar, afinal, fica complicado entender o porque da “jogada de segurança” ao precisar referenciar os filmes clássicos. Teoricamente, todo o esforço da redefinição de Star Trek tinha como objetivo permitir a renovação.

Orci, Kurtzman e Lindelof foram corajosos ao extremo. Mas ficaram devendo. Sair do cinema com a sensação de ter visto um remake do mundo bizarro é a pior coisa que poderia ter acontecido. E aconteceu. Kirk tornou-se um personagem desinteressante. Ele aparece num momento de busca pelo auto-conhecimento, mas não sofre o suficiente ou ousa o suficiente para justificar a indecisão. Ele sempre foi o carro-chefe da franquia clássica por ser o personagem mais forte. Ignorar isso chega a soar ingênuo. Assim como a necessidade de se incluir o maior número de referências, e personagens, possível num roteiro só.

Chris Pine e J.J. Abrams

Chris Pine e J.J. Abrams

Por que quase ninguém está falando sobre o filme com todo aquele afinco que só a internet permite?

É realmente estranho comentar essas coisas envolvendo nomes tão queridos e respeitados. Sempre busquei muita inspiração nos roteiros da dupla Orci-Kurtzman e costumava respeitar Lindelof. Até que ponto eles puderam, de fato, criar uma história do zero ou sentiram a necessidade de fazer essa reciclagem? Apontar para pressão do estúdio é juvenil demais, embora possa ter acontecido; ou eles, ao lado de J.J. realmente acharam que esse seria o caminho? Falta uma conexão.

Star Trek

Os filmes não encaixam dramaticamente. A assinatura visual é sólida e constante. Os flares também, aliás, eles aumentaram. Um deles chega a ganhar mais destaque que a atriz num dos diálogos-chave. Entretanto os personagens estão distantes uns dos outros e tão desconexos em relação ao filme anterior que piadas e citações diretas são necessárias para se criar uma conexão.

Há um elemento estrutural que, de fato, incomodou e me surpreendeu por estar num filme desse tamanho. O roteiro optou por uma muleta narrativa tão bizarra que deu medo. Num momento de crise, um personagem “liga para um amigo para pedir ajuda”.

Demorei a assistir “Star Trek: Além da Escuridão” e fiquei me perguntando: por que quase ninguém está falando sobre o filme com todo aquele afinco que só a internet permite? Bem, talvez essa seja uma das razões. É difícil embarcar nessa história depois da revelação surpresa. As correlações são inevitáveis e quando os diálogos reciclados entram em cena, chega a ser triste pela repetitividade.

É possível rir com boas piadas, algumas referências bem posicionadas (fãs de Sulu vão amar algumas delas) e há uma comparação a ser feita com “Homem de Ferro 3”. Um dos elementos de “Star Trek: Além da Escuridão” é a vingança. Nisso o roteiro acerto. Quer ir à forra com um inimigo? Vá para cima dele com toda sua ira! O acerto existe por conta da discussão sobre obrigação moral versus ordens.

Elenco lê o B9 durante o trabalho

Elenco lê o B9 durante o trabalho

“Star Trek: Além da Escuridão” abre a maldição do filme par?

Nesse aspecto há o reflexo da política norte-americana e o cenário militar atual, numa clara alusão, e questionamento, ao ato patriótico e aos controversos ataques com os reaper drones. Roddenbery acreditava na projeção de uma sociedade pacifista. Essa linha temporal de J.J. Abrams ainda está muito longe desse ponto, enfrenta o risco da militarização e a aparentemente inevitável guerra com o Império Klingon. A proximidade com o tema foi tamanha que, numa cena que mostra a cerimônia em homenagem aos heróis mortos durante o filme, J.J. chamou seis veteranos das guerras do Iraque e Afeganistão para replicar o procedimento do dobramento da bandeira.

Star Trek

Curioso comparar a efetividade da mensagem política contra a opção pela reciclagem. Medo de criar um inimigo próximo demais da realidade? Talvez, embora exista um atentado terrorista na trama. Devoção extrema ao personagem escolhido? Também pode ser.

Mas se a história nos ensina uma coisa é que erros do passado não devem ser repetidos. Hitler não aprendeu com Napoleão e perdeu na Rússia. J.J. deveria ter se lembrado de George Lucas. Darth Vader apavorou gerações. Transforma-lo num garoto incompreendido, concebido aos moldes de Jesus Cristo, e que matou criancinhas sem piedade não foi a melhor das ideias.

“Star Trek: Além da Escuridão” é sério candidato a iniciar a “maldição do filme par” – normalmente, os filmes ímpares eram os mais fracos da franquia -, mas, mesmo assim, merece o ingresso. Se tudo correr como de costume, no próximo longa, ímpar, eles voltam à boa forma! Só resta saber se, desta vez, irão realmente onde nenhum homem jamais esteve, ou vão voltar a visitar velhas praias.

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Fábio M. Barreto é jornalista, cineasta e autor da ficção científica “Filhos do Fim do Mundo”.

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