Nada Será Como Antes: O musical emocionante que homenageia Milton Nascimento

Se você é fã de Milton Nascimento, leve uma caixa de lenços para o teatro quando for ver “Nada Será Como Antes“, o musical que homenageia a obra de Bituca, em cartaz em São Paulo.

Eu não levei, e fui pego de surpresa. Na verdade, eu nem sabia o que esperar. E fiquei simplesmente extasiado com o que se sucede em cima daquele palco: um dos mais bonitos, criativos, apoteóticos e emocionantes tributos à obra monumental de Milton.

Já achei sensacional a iniciativa de se homenagear alguém que ainda está vivo. A peça, pra mim, serviu pra ficar ainda mais encantado com cada uma daquelas músicas que povoa minha vida desde pequeno, e eu espero que o musical desperte o gosto pela música dele em novos ouvintes.

Milton

Um palco que exala a “mineirice” de um carioca que é patrimônio cultural universal

São canções tão históricas, tão ousadas, tão fortes e fundamentais para a nossa cultura que fica impossível não sentir milhares de arrepios na espinha a cada releitura que a peça faz. Esses novos arranjos – e o orgulho com o qual seu elenco os interpreta – só reforçam a importância da música do Milton. E este espetáculo não seria possível se as músicas não fossem tão ricas a ponto de permitir essa nova roupagem. E, claro, se elas não fossem, simplesmente, tão tão boas.

Vá preparado. A peça é um baque emocional atrás do outro. “Minas”, “Maria Maria”, “Clube da Esquina 2″, “A Lua Girou”, “Travessia”, “Milagre dos Peixes”, “Para Lennon e McCartney…” É hino atrás de hino, é soluço atrás de soluço.

Todos esses clássicos atemporais do Milton são como velhos amigos. Ver o espetáculo é sentir o conforto e o abraço de bons companheiros, num daqueles encontros que acontecem pouco mas que trazem a sensação de que a amizade continua a mesma, intacta e com a mesma força.

Milton

É muito reconfortante redescobrir todas essas pérolas nas vozes desses novos talentos. Eles cantam tudo com tanta paixão que fica impossível não se emocionar. E a imensidão da música carrega você para os mais longínquos espaços no pensamento, na beleza, na emoção e na riqueza do nosso passado. Tudo isso brilhantemente recriado em cenas e coreografias lindas e ousadas num palco que exala a “mineirice” de um carioca que é patrimônio cultural universal.

Um dos maiores gigantes da nossa música ganhou uma homenagem à sua altura

O talento do elenco impressiona e surpreende quando eles revisitam as músicas em que Milton desfilava seus falsetes, suas notas mais potentes e suas melodias mais sinuosas. Todo mundo canta tudo, e canta alto, forte, potente, bonito, poderoso. As músicas são poderosas. Elas despertam a musicalidade dentro de cada um, e o espetáculo conta sua história sem precisar de um diálogo sequer. Tudo está dito nos movimentos, nas danças, nas notas que saem escancaradas de cada garganta.

Milton

A iluminação é precisa. Cada música ganha um ambiente próprio, uma textura nova que enriquece os olhos enquanto as melodias arrebatadoras confortam os ouvidos. Os novos arranjos são ousados e densos, carregados de camadas sonoras que exploram ao máximo as nuances dos arranjos originais. Se é uma música mais calma, a delicadeza impera. Se é um rock, ele é explorado, aumentado e se agiganta com múltiplas guitarras e distorções, mostrando como é prazeroso se trabalhar com uma matéria-prima tão abrangente.

A única “falha” (note as aspas) que encontrei foi na duração do espetáculo. Mesmo para mim, que sou fã incondicional de Milton, foi um pouco longo. Fora isso, a peça é um primor. Ah, e quem for esperando ouvir exatamente o que está nos discos pode se decepcionar um pouco. O espetáculo é um musical, e por isso as músicas ganharam uma leitura nova, teatral, que faz todo o sentido quando é levada para o palco.  Quem entender isso vai ganhar seu dia e sair do teatro como eu saí: extasiado, desmoronado de tanto se emocionar. Com a certeza de que um dos maiores gigantes da nossa música ganhou uma homenagem à sua altura.

E “com o coração doendo de tanta felicidade”. Obrigado, Milton, por todas as canções. Eternamente.

Milton

| Serviço:
Teatro GEO
Rua Coropés, 88
Pinheiros – São Paulo/SP
Sessões sexta, sábado e domingo

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Setenta anos Caetanos

Poucos artistas sabem envelhecer tão bem quanto Caetano Veloso.

Você pode até não gostar dele, é seu direito. Mas você não pode negar a importância e o peso histórico que esse artista (na minha opinião, quase sempre genial e um dos mais completos da nossa música) exerce sobre nossa cultura e nossa história. Dono de uma obra riquíssima, consistente e que ajudou a definir grande parte da cultura desse país por pelo menos 45 anos, Caetano chega à maturidade gozando da mesma popularidade que sempre teve e se tornando um ídolo também de novas gerações, graças à sua inquietude criativa e seu radar sempre ligado ao que vem pela frente.

É fácil perceber o vigor criativo de um artista pela versatilidade e evolução de sua obra. De Domingo (álbum de estreia, junto com Gal Costa, lá em 1967) a Zii e Zie (álbum recente, de 2009, que traz a ousada formação e sonoridade Transrock), o que Caetano construiu ao longo de sua invejável discografia foi um retrato fiel do que ele vivia em cada momento, não se prendendo ao estilo que o consagrou e não se rendendo a tendências comerciais da indústria fonográfica.

Claro, há centenas de hits. Mas eles são o fruto de um mérito e competência autorais que sobrepujam quaisquer determinações rasas ditadas por esse ou aquele ritmo passageiro da moda. A prova disso está na própria sobrevida de todos esses clássicos da MPB, cuja qualidade ri na cara do tempo e do estilo datado que porventura possa ter ameaçado sua força, cada um à sua época.

Não. Aqui a história é outra. E não importa se você ouve Superbacana, Podres Poderes, Não Enche ou Minhas Lágrimas.

Em qualquer época, Caetano é o mesmo desafiador, o mesmo poeta, o mesmo questionador e o mesmo provocador.

O mais legal da sua obra é perceber que essas características se mantêm intactas independentemente de disco, de fase, de tendência.

Quando ele quer ser politico, desafia a todos nós, ao governo, ao mais requintado dos esclarecidos com obras do quilate de Araçá Azul, Jóia, Transa. Quando ele quer ser “apenas” músico, lhe sobra amplitude, e ele consegue ir de seu lado mais obscuro ao seu lado mais doce sem perder a personalidade e, muito menos, o tino para a melodia. Como ele mesmo diz: “Onde queres prazer, sou o que dói?. Onde queres tortura, mansidão. ?Onde queres um lar, revolução?. E onde queres bandido, sou herói.”

Na música ou na literatura, Caetano tem desafios de sobra para quem estiver disposto a encará-los.

Se você é fã, sabe do que eu estou falando. Se ainda não é, está aí um gigante para você descobrir. Dá para ouvir todos os discos aqui.

Em Araçá Azul, Caetano clamava: “com fé em Deus, eu não vou morrer tão cedo”.

Hoje, aos 70 anos, ele está mais vivo do que nunca. E sua obra já é imortal.






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Pra ficar tudo joia rara: Caetano Veloso

Os anos de exílio foram criativamente férteis na carreira de Caetano Veloso.
Durante seu período em Londres, ele compôs e gravou seu disco em inglês (o de London, London e A Little More Blue), lançou o clássico Transa, de 1972 e juntou na cabeça um amontoado de ideias experimentais, que viria a desenvolver nos próximos dois álbuns.

Ele voltou para o Brasil e seu período pós-exílio continuou sendo um dos mais criativos da sua obra. Araçá Azul (1973) e Jóia (1975) são seus dois discos mais “malucos”, que formam um ciclo interessante na discografia do tropicalista.

Por não poder dizer o que queria a qualquer hora, Caetano teve que recorrer ao experimentalismo para esconder seus recados anti-ditadura. Em Araçá, o baiano se vê no meio de uma crise existencial e de identidade, naturais da depressão pós-regresso de qualquer ser humano. O disco é temperado de melodias interessantíssimas – por vezes comoventes – misturadas num bolo de sons desconexos e aparentemente “sem sentido”. As mensagens estão lá, nas entrelinhas, no meio das conversas, entremeadas à estranheza da música.

O disco é tão esquisito – e ao mesmo tempo tão revolucionário – que ninguém entendeu, literalmente, nada. Na época, foi alvo de críticas duras e teve boa parte de sua vendagem devolvida pelos consumidores.

Por outro lado, o tempo mostrou sua importância e o álbum virou tema até de teses de mestrado. Peter Dietrich publicou na introducão de seu trabalho para a USP: “Araçá Azul é considerado a mais radical experiência tropicalista já realizada. Ela é obra do cantor e compositor baiano Caetano Veloso, um dos maiores e mais fecundos pensadores da cultura brasileira”.

Tentando pegar mais leve no experimentalismo e na intelectualidade aguda, Caetano maneirou e fez o ótimo Jóia. Menos difícil de compreender, o álbum é um verdadeiro desfile de poemas concretos musicados em melodias bem construídas. Ouvi-lo com fone de ouvido é praticamente uma aeróbica para os tímpanos.

Assim como no disco anterior, os jogos vocais e os violões cristalinos – aliados a uma percussão assustadoramente “tropical” – despertam uma explosão no seu cérebro. E Jóia, então, conseguiu emplacar uma música linda, que se tornaria clássica no repertório do compositor: Lua, lua, lua, lua.

Vivendo uma fase de aguçada produtividade, lançou junto com Jóia outro grande disco: Qualquer Coisa. Neste, ele dá um tempo para o ouvinte respirar e arejar a cabeça depois de tanta intelectualidade. Entre suas melhores composições (Qualquer Coisa, A Tua Presença Morena e Nicinha), ele também entrega versões de Beatles e outros belos covers.

Dois anos depois, Caetano lançou o espetacular Bicho.

“Bicho” é uma gratificante coleção de pequenas maravilhas da MPB. Cada estrela se espanta à própria explosão.

Deliciosamente tropicalista, o álbum marca um dos melhores momentos de Caetano Veloso e serve para relembrar a gente do gênio que ele é (quando quer). É um disco coerente, com estilo próprio, com identidade, com canções maduras e bem resolvidas, sem experimentalismos pretensiosos.

A pulsante Odara abre o disco e situa você no ambiente quente da Bahia dos anos 70. “Deixa eu dançar”, diz ele no primeiro verso do álbum, como se fizesse um mea-culpa pela música complexa e nada dançante de suas incursões anteriores. E após 7 minutos viajando na transição do mundo real para o Brasil-Bahia da tropicália dos anos 70, você aterrissa na ensolarada Two Naira Fifty Kobo. Uma música que, apesar do nome bizarro, confirma sua chegada em outro ambiente. É tão relaxante que parece que alguém te trouxe uma água de côco e te colocou numa rede embaixo de um coqueiro.

O álbum segue com Gente e Olha o Menino, uma típica canção Jorge Beniana com todos os seus maneirismos espetaculares. A séria e política Um Índio, que também virou clássico, revela um compositor cósmico, aproveitando metáforas espaciais e grandiosas para dar seu recado.

Tigresa continua a viagem pela densa selva do álbum, apelando por justiça numa música que esbanja malícia. E, para fechar o disco, a sutileza do Leãozinho (uma das músicas-símbolo de Caetano) e a linda estranheza de Alguém Cantando: uma ode à música como forma de expressão e artifício capaz de emocionar qualquer coração, quem quer que a execute com sinceridade.

Bicho é um grande representante da obra de Caetano e da Música Brasileira.

Discaço.



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O bom e velho Francisco

Dá gosto de ver o atual show do Chico Buarque. Com mais de 45 anos de carreira e ainda exibindo um incomparável vigor criativo, ele faz um espetáculo que soa libertário numa época em que, salvo raras exceções, a Música Popular Brasileira sofre com um assustador ostracismo.

A turnê é baseada em seu mais recente álbum, Chico, lançado em dezembro do ano passado, mas vai muito além do repertório do – belíssimo – CD. Entre uma música nova e outra, Chico presenteia os fãs de longa data com clássicos de sua carreira, pinçados de todas as épocas. O Velho Francisco abre o espetáculo. Da longínqua Desalento, passando por Geni e o Zepelim, Cálice (numa nova e moderna versão, curta demais pro meu gosto), Sob Medida, O Meu Amor, Todo o Sentimento e até Anos Dourados (numa emocionante homenagem ao maestro Tom Jobim), Chico revisita grandes momentos de sua obra, e nos relembra como ela tem força e sobrevive ao tempo.

As músicas novas já soam como clássicos, com todo mundo cantando junto como se elas já estivessem aí há anos. Já são tão familiares quanto qualquer outra do seu repertório, e mostra que o disco novo não só foi extremamente bem aceito, mas absorvido com furor pelos fãs que, havia 5 anos, não ouviam uma música nova de Chico Buarque.

Um dos momentos mais bonitos do show é durante a música Sou Eu, em que Chico chama o lendário baterista Wilson das Neves para dividir o palco e os vocais com ele.

De repente, aquele pedaço de chão fica pequeno para abrigar tanta história.

Essas duas figuras representam tantas conquistas, tantas músicas, tantas barreiras derrubadas, tantas influências a tantos outros artistas que fica impossível não se emocionar com eles dois ali, a poucos metros de distância. Wilson das Neves toca bateria na banda do Chico Buarque há pelo menos 35 anos, e já tocou com centenas de outros artistas da MPB. É uma lenda viva, um patrimônio da nossa cultura. Merecidamente, foi ovacionado quando a música chegou ao fim.

E o resto do show prossegue e Chico Buarque vai desfilando cada pérola do setlist com o gosto e a empolgação de quem está tocando pela primeira vez, mas com a certeza de ser o dono de uma obra que empolga e orgulha brasileiros há mais de 40 anos, certo de si e da força que sua produção tem. Soberba, atual, desafiadora e excitante, mesmo depois de tanto tempo nas nossas mentes e corações.

Que bom que ele ainda faz shows. É uma chance que a gente tem de agradecer pessoalmente por todas as contribuições que suas músicas já fizeram pela nossa inteligência, senso de humor e caráter.

Valeu, Chico. Volte sempre.




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Projeto Viva Elis: Eu não queria estar na pele da Maria Rita

Eu não queria estar na pele da Maria Rita.

Nesse mês ela começará a turnê Viva Elis, na qual homenageia sua mãe, Elis Regina, num projeto patrocinado pela NIVEA que relembra os 30 anos de morte da cantora. Os shows serão gratuitos e começam dia 24 de março, em Porto Alegre. Ela se apresenta em SP no dia 22 de abril.

Com certeza Elis merece todas as lembranças e homenagens. Ela foi inegavelmente uma das maiores cantoras que o Brasil já teve (se não a maior) e marcou profundamente a história da nossa música, cantando e sendo imortalizada por compositores tão talentosos e poderosos quanto suas cordas vocais (João Bosco, Gilberto Gil, Chico Buarque, Milton Nascimento, Edu Lobo, Tom Jobim, Belchior, só para citar alguns).

Quando Elis cantava, o país parava para ouvir.

Sua afinação e interpretação eram impressionantes, e ela hipnotizava o público com seu jeito de mergulhar como nenhuma outra cantora em cada canção.

Você pode rir e chorar com Elis. Você pode viajar até o espaço com ela na “Lunik 9” ou ficar solidário a ponto de querer abraça-la e emprestar seu ombro a ela depois de ouvir “Retrato em Branco e Preto”, assim como você pode querer sair pulando de alegria com ela em “Vou Deitar e Rolar”. Tudo era intenso quando se tratava de Elis Regina. E assim ela conquistou os corações de todo um país com seu jeito único de cantar.

E naquele trágico 19 de janeiro de 1982, a morte de Elis aos 36 anos de idade causou uma das maiores comoções nacionais de que se tem notícia. Até hoje ela é a cantora mais querida do Brasil e continua emocionando gerações com sua obra, um dos maiores legados da MPB.

E por isso mesmo eu não queria estar na pele da Maria Rita.

Ela vai subir num palco para interpretar clássicos imortalizados pela sua mãe.

É uma homenagem louvável e um presente incrível para os fãs (tanto dela quanto de Elis). Mas, ao mesmo tempo, pode ser um tiro no pé. Se já era difícil não comparar as duas com um repertório totalmente diferente, como vai ser quando a filha começar a entoar a história recente da nossa música em cima daquele palco, reproduzindo todos os trejeitos e maneirismos da mãe?

“… homenagear Elis colocando-se à dura prova de fazer o que ninguém jamais conseguiu: cantar como ela.”

(Em tempo: eu gosto da Maria Rita. Considero-a uma grande e talentosa cantora, dona de um dos melhores primeiros discos de carreira da MPB moderna, – não posso dizer o mesmo sobre os seguintes – afinadíssima e quase sempre bem-sucedida na escolha de seu repertório. E admiro-a ainda mais pela coragem de homenagear Elis colocando-se à dura prova de fazer o que ninguém jamais conseguiu: cantar como ela.)

Torço para que ela brilhe no palco e resgate a magia que sua mãe tinha ao entoar cada nota. Eu sei que vou compreender a homenagem e me emocionar com ela, sem fazer comparações ou julgamentos. Vou me juntar à Maria Rita e ao João Marcelo no sentimento de saudade e de celebração, e tenho certeza que será um belo espetáculo. E torço para que o resto do público sinta o mesmo.

Mas… definitivamente? Eu não queria estar na pele da Maria Rita.

Projeto Viva Elis, com Maria Rita

Elis Regina em Montreux (1979) – Madalena

Elis Regina – Tatuagem

Elis Regina e Tom Jobim – Águas de Março

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