A opinião dos outros

É constante, para não dizer diária – quiçá de hora em hora, como aqueles avisos da Telesena -, a reclamação que ouço de colegas e amigos que trabalham em propaganda sobre a babaquização do mundo. As pessoas, segundo a opinião destes colegas e amigos, estão muito “caretas” hoje em dia. O consumidor “não sabe mais rir de uma piada”, virou um “chato”. Até porque, “porra, é só uma brincadeira”.

Não raramente a reclamação vem acompanhada de uma lista com os últimos comerciais questionados junto ao Conar e com a já célebre consideração de que “Os Trapalhões” e suas piadas sobre gays, negros, mulheres e nordestinos, nunca seriam produzidos hoje, quanto mais veiculados no domingo às 7 da noite.

Não sei se vocês já estão por dentro, mas tem um lance aí chamado internet, que parece que veio pra ficar. Com ela, a rede mundial de computadores, vieram e estão ficando os fóruns de discussão, as caixas de comentários e as páginas das empresas no Facebook, que usualmente recebem uma enxurrada de postagens quando alguma mensagem publicitária ou decisão mercadológica desagrada um determinado grupo ou ajuntamento de pessoas.

Se há algo que podemos aprender sobre o que vivemos nos últimos dez, quinze anos, a primeiríssima infância da internet, é que gente que não tinha voz agora tem. E antes que você pergunte: não, eu não freqüento o Fórum Social Mundial.

Sim, dói muito quando ouvimos que o babaca da vez somos nós

Continuando. Existe uma montanha de gente que acha patético uma mulher se matando de fazer regime no comercial só para aparecer gostosa para os homens. Existe uma porrada de gente, que acha uma babaquice, pra utilizar o mesmo termo, esse lance de fazer Kinder Ovo azul pra menino e Kinder Ovo rosa para menina. Um daqueles meus amigos ou colegas de profissão diria que isso é a ditadura do politicamente correto.

Kinder Ovo

Bem, se você acha que mil reclamações sobre um comercial na página de uma empresa no Facebook é uma ditadura, do que você classificaria um comercial empurrando conceitos goela abaixo de 120, 130 milhões de brasileiros todo santo dia? Ou um programa de tevê em rede nacional reproduzindo a velha cartilha sexista de que meninos tem que brincar de carrinho e meninas tem que brincar de casinha? Ou uma multinacional torrando milhões de dólares para informar a você, que tem pelo no peito, que você é nojento?

O que nos leva a uma dedução simples: não é que o mundo embabacou. Agora as pessoas, todas elas, é que podem dizer quem ou o quê elas acham babaca. E, sim, dói muito quando ouvimos que o babaca da vez somos nós

“Então o que você está querendo dizer, seu filho da puta…”

Filho da puta, não! Babaca.

Marcas e empresas se preocuparão ainda mais em não errar, o que é diametralmente oposto à vontade de acertar

“Então o que você está falando, seu babaca, é que nós publicitários, não estamos preparados para receber críticas ao nosso trabalho; ainda não nos acostumamos com opiniões contrárias, um comportamento infantil que foi reforçado por décadas de ‘diálogo de mão única’ em que falávamos o que queríamos, sem dar ouvidos a ninguém; e que geralmente recorremos a desqualificação do outro para nos sentirmos confortáveis com nossos próprios conceitos e preconceitos?”

É…, é mais ou menos isso.

“Então vai tomar no meio do seu cu, seu escroto!”

Calma, cara…

“Calma é o caralho, porra!”

Pô, vamo conversar!

“Que conversar o quê, seu babaquinha de merda!”

Acho que fui claro no meu ponto, não fui? Mas se por um lado não sabemos lidar com a opinião alheia – o que é ruim -, estamos sendo forçados a aprender a lidar – o que é muitissimamente bom. E em fase de aprendizado, os erros e equívocos são freqüentes. Nem todas as decisões do Conar são acertadas (na minha opinião, bem entendido), nem todos posts de reclamação no Facebook estão corretos (na minha opinião…).

Estamos aprendendo empiricamente, na base da porrada, do erro-e-acerto – mais erro do que acerto. E, sim, departamentos de marketing, que já não são sinônimo de coragem, criatividade e eficiência, se encapsularão ainda mais na covardia, no conservadorismo e na ineficiência.

Marcas e empresas se preocuparão ainda mais em não errar, o que é diametralmente oposto à se preocupar em acertar. Mas isso é uma charada que nós, redatores, diretores de arte, profissionais de mídia e planejamento, é que temos que resolver. O que há de claro e cristalino nessa bagunça toda é que, se existe algo errado, meus amigos e colegas, não é a opinião dos outros.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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Devassa com tarjas pretas

Devassa Censura

Depois de acatar a absurda recomendação do Conar, a Schincariol colocou no ar uma nova versão do filme da cerveja Devassa Bem Loura.

Acusada de carregar “apelo sensual excessivo”, a campanha criada pela agência Mood agora traz tarjas pretas… nas ilustrações, além de avisar que o comercial original pode ser assistido na internet.

As duas últimas campanhas atingidas pelo Conar, e que tiveram grande repercussão, foram essa e a de Havaianas. Ambas fizeram um filme-resposta lembrando que tudo poderia ser visto sem censura na internet. Será que o próximo passo é ver as decisões do Conar afetando também o conteúdo online?

Eu não vou usar aquele discurso batido de que a publicidade é julgada por excesso de conteúdo sexual, mas as novelas e programas dominicais com garotas semi-nuas na banheira continuam transitando pela TV sem questionamentos, mas eu tenho uma dica: nas estratégias de comunicação, vamos fazer sempre uma grande campanha online e utilizar filmes meticulosamente criados para serem “desrecomendados” pelo Conar. Acho que anda dando mais resultado.

E não custa lembrar: um comercial só sai do ar porque tem gente que reclama. Nesse caso, muita gente.

| Dica do Kafé com Suku

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Greve virtual na Bélgica e alguns pitacos

Na semana em que nós, os brasileiros, nos preparávamos para o esquindolelê do carnaval, o mundo da publicidade da Bélgica parou conosco por motivos mais nobres. Quer dizer, não parou de fato, já que o que eles chamaram de greve foi uma brincadeira virtual e cheia de malemolência “viral” (que até consta entre os cases recentes da Famous, uma das agências grevistas).

Opa, fui um pouco rápido com os pitacos? Então voltemos: algumas agências da Bélgica tiraram os seus sites do ar e, durante uma semana, publicaram em seus endereços os pedaços de uma carta da ACC, um órgão auto-regulamentador da publicidade por lá (o CONAR deles), falando sobre o motivo daquela ação: a prática de concorrências de maneira onerosa às agências do país por parte de empresas e governo.

Os principais pontos levantados pela ACC dizem respeito ao grande número de agências que são colocadas num shortlist da concorrência e ao roubo de idéias.

Sobre roubo de idéias, chega a ser um absurdo pensar que uma empresa convoca uma concorrência, não seleciona ninguém (ou seleciona a mais barata) e aplica as idéias de uma agência que foi derrotada. É o tipo de situação que, como profissional, espero não ter que passar nem como agência derrotada, nem como agência vitoriosa: é de uma falta de ética sem tamanho.

Pelo que vi no site da ACC, a recomendação às agências é proteger o seu material, ainda que seja difícil realmente proteger uma idéia de quem quer copiá-la a qualquer custo. Há recomendações de sinalização de direito de uso em todos os materiais utilizados na concorrência, registro legal de idéias e assinatura de contrato mútuo de confidencialidade do que for apresentado.

No caso do grande número de agências num shortlist de concorrência, a recomendação da ACC é que empresas e governos aceitem um limite de quatro. Já houve casos em que mais de 10 agências foram chamadas para um shortlist para que apenas uma fosse chamada.

Ok, o motivo é nobre. Mas não se engane, publicitário canarinho, com a campanha aqui comentada. A grande negociação está sendo feita diretamente entre ACC e governo belga para que o segundo passe a adotar em suas concorrências as regras propostas pelo primeiro. Até porque carta em inglês num país cujas línguas oficiais são o francês, o alemão e o holandês pode ser comparado a pedir para o Ashton Kutcher retwittar #forasarney…

No mais, já pensou se a moda pega? Participei de algumas concorrências e, pelo menos, achei todas elas normais do ponto de vista ético. Nada a reclamar nem nas que perdemos e muito menos nas que ganhamos. Mas você sempre ouve falar do caso de cliente que envia briefing para agência, desiste do job e o aplica internamente, depois de receber uma proposta bacana de ações. Ou de empresas médias que acionam um monte de agências de porte pequeno e se aproximam das práticas execradas pelos “grevistas” belgas. Não faz barulho porque os milhões de euros, neste caso, não passam de milhares de reais, e assim acabamos nos resignando.

Como procurei na norma-padrão da CENP e no Código do CONAR algum tipo de recomendação sobre concorrências e não encontrei nada (se houver, por favor, avise), a relação de transparência de uma concorrência fica como regra de bom-senso.

Pelo menos para termos a sublime impressão de que as grandes contas deste país não são decididas em almoços do alto escalão, festinhas em Comandatuba ou coisa do gênero, e sim por muito suor e criatividade das equipes, não é?

(Com informações da matéria do AdAge)

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