Behind The Brains: Quantic Dream e “Heavy Rain”

Quantic Dream

Mesmo que você seja um gamer inveterado, talvez tenha pouca intimidade com o trabalho de David Cage e do estúdio francês Quantic Dream. Fundada em 1997, a companhia lançou apenas dois jogos nesse período, e o terceiro, “Heavy Rain”, deve sair apenas em 2010.

E porque então você deveria conhecer mais a fundo esses caras? É simples: David Cage e sua equipe na Quantic Dream vem causando uma revolução silenciosa no mundo dos games, tanto como criadores de jogos tecnicamente inovadores e também como exímios contadores de histórias.

A Quantic Dream está para a indústria dos jogos como o trio Michel Gondry, Charlie Kaufman e Spike Jonze está para Hollywood. David Cage, dentro dos cinco anos de trabalho em cada nova produção, nunca deixa de perseguir dois objetivos primordiais: criar games para um público maduro e contar grandes histórias explorando novas formas de interação com um controle.

Aliás, a obsessão por criar verdadeiros dramas interativos é tão grande, que Cage já foi acusado de ser um cineasta frustrado, de valorizar mais o realismo do que a diversão, do que o escape, afinal, estamos falando de videogames.

A verdade é que “Heavy Rain”, exclusivo para PlayStation 3, é um dos projetos mais intrigantes e excitantes que se tem notícia atualmente, considerado motivo primordial pelo qual muitos não-gamers ou donos de outras plataformas irão investir no console da Sony em breve. Mas antes de falar disso, vamos do início.

David CageDavid Cage: “Let’s stop making games for kids and teenagers.”

| DE UM PEQUENO ESTÚDIO DE SOM PARA UM GAME COM DAVID BOWIE

David Cage teve um início inusitado na indústria dos games. Ele trabalhava como músico, compondo trilhas sonoras para diversas empresas e estúdios. Vários jogos de Mega Drive, Super Nintendo e PC tiveram músicas criadas por Cage. Isso fez com que ele conhecesse de perto as engrenagens do mercado, acompanhando os processos e papéis de cada profissional no desenvolvimento de um jogo.

A partir daí para querer criar seu próprio título foi um pulo. Cage imaginou um game que gostaria de jogar, uma cidade 3D viva, acontecendo em tempo real, em que poderia dirigir carros, lutar, usar armas, enfim, decidir a própria vida. Foi então que escreveu “Omikron: The Nomad Soul”, varando as madrugadas e nos fins de semana para não comprometer seu trabalho como compositor.

Com 200 páginas de roteiro e game design, David Cage mostrou o projeto para alguns amigos desenvolvedores. A ideia ambiciosa de Cage parecia impossível de ser produzida na época, mas ele conseguiu convencer esses amigos a abandonarem seus empregos para arriscarem na produção de um protótipo.

Foram seis meses trancados no estúdio de som, no silêncio, sem janelas. Segundo conta o próprio David Cage, ele só conseguiu assinar um contrato de distribuição com a Eidos apenas uma semana antes de ficar totalmente sem dinheiro.

David CageMundo aberto, múltiplos protagonistas, escolhas morais e David Bowie em “Omikron: The Nomad Soul”

“Omikron: The Nomad Soul” foi lançado na metade de 1999, uma iniciativa inédita que misturava ação, aventura, luta, RPG e tiro em primeira pessoa, com escolhas morais e protagonistas que podiam morrer durante a história. Cage conseguira cumprir sua vontade de criar um mundo 3D futurista, aberto e vivo, naquilo que se denominou jogos sandbox. O que pouca gente lembra é que ele fez isso quatro anos antes de “Grand Theft Auto III”, a obra que definiu a jogatina não-linear explorada atualmente.

Só que além das inovações técnicas e narrativas, “Omikron” tinha outra carta na manga: David Bowie. O gênio camaleão não só compôs a trilha sonora do jogo, emprestando 8 músicas de seu disco “Hours” e criando canções instrumentais originais, como também fez parte da trama como personagem, aliás, como dois personagens. Até sua esposa, Mia, também fez uma ponta no game.

“Omikron” começa assim (dê play no vídeo abaixo), com “New Angels Of Promise” de Bowie, e trouxe elementos que fez muitos se perguntarem quem era essa tal novata Quantic Dream, da qual ninguém tinha ouvido falar. Se você quiser se aprofundar em “Omikron”, pode ler uma análise que fiz do jogo para o site FinalBoss, há exatos 10 anos.

A introdução de “Omikron”

| O GAME QUE COLOCOU A QUANTIC DREAM NO MAPA

Apesar dos elogios da crítica, “Omikron” não foi necessariamente um sucesso comercial. No ano seguinte, 2000, a Quantic Dream quase fechou as portas. Até conseguiram dinheiro, mas no último minuto os investidores decidiram cortar a verba pela metade, por considerarem um negócio arriscado.

Foi apenas em setembro de 2005 que o estúdio francês colocou nas prateleiras o seu segundo produto: “Fahrenheit”, ou “Indigo Prophecy”, como foi chamado nos EUA. Em uma espécie de thriller paranormal, o jogador encarna três diferentes personagens na investigação de uma série de estranhos assassinatos em Nova York.

“Fahrenheit” é o primeiro jogo inteiramente baseado na narrativa e em seus personagens, sem utilizar nenhuma mecânica padrão, e sim ações contextuais e decisões do jogador que afetam a história. Os caminhos das três pessoas que você controla se cruzam e se opõem, já que um é o suspeito de assassinato e os outros são investigadores.

Indigo Prophecy“Fahrenheit” / “Indigo Prophecy” desafiou os padrões da indústria de games, inovando narrativamente e tecnicamente

Além de finais múltiplos e um gigantesco trabalho de captura de movimentos (uma das especialidades da QD), “Fahrenheit” introduziu o conceito de sanidade, com um medidor de saúde mental dos personagens que deveria ser monitorado e era influenciado pelas decisões do jogador.

Uma das atitudes da Quantic Dream que ajudou a gerar buzz em torno do jogo foi não querer rotular o título em nenhuma categoria. Para eles não era aventura, não era ação, nem RPG, e sim um filme interativo. Outro gerador de mídia espontânea foi a polêmica em torno da cena de sexo presente no game, que foi censurada na versão americana.

Com suas técnicas imersivas e a maneira inventiva de contar uma história, além, é claro, de vender 800 mil cópias no mundo todo, “Fahrenheit” / “Indigo Prophecy” foi o que definitivamente colocou a produtora de David Cage no mapa. Vale dizer também que a trilha sonora foi composta por Angelo Badalamenti, que trabalhou com David Lynch em todos os seus filmes, incluindo a série “Twin Peaks”. Dá uma olhada na abertura de do jogo abaixo.

A introdução de “Fahrenheit” / “Indigo Prophecy”

| ENFIM, “HEAVY RAIN”

Seguindo a progressão natural dos trabalhos da Quantic Dream, “Heavy Rain” é a evolução de uma narrativa interativa. A imersão e o engajamento emocional nunca foram tão importantes para David Cage, que promete quebrar qualquer tipo de convenção para fazer o jogador jogar a história, e não assisti-la.

O pouco que se sabe é que “Heavy Rain” será um thriller noir com temas adultos, já que quase nada da história foi revelada. Serão quatro personagens jogáveis, cada um com caminhos diferentes. Se um deles morre, o jogador imediatamente passa a comandar tudo pela perspectiva de um outro. Existirá inclusive um final que prevê a morte dos quatro personagens.

A sua missão será investigar o tal Assassino do Origami, um serial killer que anda fazendo vítimas em NY. Segundo David Cage, a real mensagem de “Heavy Rain” está contida na pergunta: “O quão longe você está disposto a ir para salvar alguém que ama?”

Heavy RainO estado emocional dos personagens será peça chave em “Heavy Rain”
Heavy RainAcima, algumas cenas de “Heavy Rain”. Assista aqui um vídeo com uma boa amostra da jogabilidade.

A produção do jogo começou em janeiro de 2006, mas a Quantic Dream levou cerca de um ano apenas para encontrar os atores ideiais para os papéis. 70% da movimentação dos personagens dentro do game é atuação humana, o restante é tecnologia. Isso porque “Heavy Rain” vai ter como parte essencial as emoções de cada protagonista, caberá ao jogador administrá-las.

Além da evolução narrativa, o game quebra também as convenções de jogabilidade, expandindo o conceito de controle natural e intuitivo visto em “Indigo Prophecy”. Nada de menus e dezenas de combinações de botões, e sim uma interação real com o cenários e objetos.

As inspirações de David Cage para a concepção de “Heavy Rain” vem da constante busca por tornar jogos uma experiência emocional. O cinema, obviamente, funcionou como chave motora disso tudo, mas Cage revela que o filme “Se7en”, de David Fincher, é a maior referência nesse projeto.

Até que seja lançado e experimentado de verdade pelos jogadores, fica o mistério sobre o que “Heavy Rain” vai entregar como produto final. As promessas são muitas e ambiciosas, mas só a proposta de David Cage, e da sua Quantic Dream, de inovar e desafiar visões ortodoxas em um mercado tão disputado, já nos faz ter a obrigação de acompanhar de perto esse contador de histórias.

Assista abaixo o trailer em HD de “Heavy Rain”:

| Fontes: 1UP, Gamasutra, Edge

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Behind The Brains: Neill Blomkamp e “Distrito 9?

Distrito 9

“Distrito 9″ é uma revelação. Um filme de baixo orçamento (30 milhões de dólares) para os padrões hollywoodianos, mas que parece uma mega produção recheada de efeitos especiais. Mais do que isso, a obra do jovem diretor sul-africano Neill Blomkamp ganhou atenção e elogios da crítica pelo conteúdo político.

Neste exato momento, “Distrito 9″ está cravando uma impressionante taxa de 97% de críticas positivas no Rotten Tomatoes, considerado “tecnicamente brilhante e socialmente pungente, com ação, imaginação e todos os elementos capazes de criar um clássico da ficção científica”.

O filme utiliza naves gigantes e uma rixa entre humanos e alienígenas para fazer uma alegoria sobre a segregação. Neill Blomkamp cresceu na África do Sul em meio a era do Apartheid, e mostra em seu filme a tentativa do governo, que contrata os serviços da mercenária Multi-National United, de retirar os aliens de uma área conhecida como Distrito 9, em Joanesburgo. Obviamente, esse trabalho sujo precisa dar lucro, e a MNU deixa de lado qualquer diferença cultural e bem-estar dos extraterrestres para cumprir seu objetivo.

O título do filme foi inspirado justamente no Distrito 6, uma área residencial na Cidade do Cabo que ficou conhecida por causa dos 60 mil de seus moradores que foram expulsos na década de 1970, durante o regime do Apartheid.

Distrito 9 Neill BlomkampNeill Blomkamp [foto por Wired]

Neill Blomkamp idealizou e escreveu “Distrito 9″ sozinho, partindo de um curta metragem que ele mesmo produziu em 2005, chamado “Alive in Joburg”. Blomkamp entrevistou pessoas que viveram o fluxo imigratório na pele na capital sul-africana, transformando os depoimentos reais dos refugiados em uma espécie de documentário sobre alienígenas indesejados pela população local.

Mas o que mudou na vida de Neill Blomkamp para que ele conseguisse transformar “Distrito 9″ em um filme de grande expectativa, investimento em marketing e com ampla distribuição? O apoio de ninguém menos que Peter Jackson.

O diretor da trilogia “O Senhor dos Anéis” contatou Blomkamp para que ele dirigisse o filme baseado no game “Halo”. Como até hoje o imbróglio entre Fox, Universal e Microsoft não foi resolvido, o projeto ficou em standby. Peter Jackson resolveu então dar suporte financeiro para que Blomkamp dirigisse outro filme, justamente “Distrito 9″.

A pergunta que ficou depois disso se resumiu a uma única palavra: porque? O que fez Peter Jackson confiar no talento de um diretor novato, que além de curtas, nunca sequer tinha produzido um filme em longa metragem? A resposta é simples: comerciais.

Neill Blomkamp Halo Adidas Citroen Carbot Nike

Blomkamp era desconhecido em Hollywood, mas colecionava uma série de filmes publicitários memoráveis em seu portfolio, sem contar sua experiência com efeitos especiais e animação 3D. Sabe o famoso carro-transformer da Citroën? A direção e efeitos foram responsabilidade de Blomkamp.

O diretor sul-africano também foi o responsável por “Evolution” e “Crab” da Nike, vários filmes da campanha Adicolor da Adidas, como “Yellow”, e, principalmente, os comerciais do GP em Cannes 2008, “Halo”. Vale lembrar que em 2007, Blomkamp já havia colaborado com a Bungie Studios na criação de três curtas promocionais do jogo, chamados “Halo: Arms Race”.

Bem, e o que aprendemos com tudo isso? Que talvez não devêssemos reclamar tanto que esse dia a dia insano e anti-criativo trabalhando com publicidade não vai nos levar a lugar nenhum. Pelo menos pra Blomkamp, deve ter se cumprido a profecia feita por Peter Jackson: “Quando ‘District 9′ for lançado, o telefone dele vai tocar feito louco”.

“Distrito 9″ estreia nos Estados Unidos na próxima sexta-feira, 14 de agosto, e chega no Brasil no dia 30 de outubro. Abaixo você confere o trailer:

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Behind The Brains: Terry Gilliam e “The Imaginarium Of Doctor Parnassus”

Terry Gilliam The Imaginarium Of Dr Parnassus

Terry Gilliam é um desses caras que volta e meia arruma encrenca com algum grande estúdio de Hollywood. Só que ao invés de reclamar da falta de crença e insensibilidade de muitos engravatados da indústria do cinema, ele vai lá e coloca na telona as suas ideias, sozinho mesmo. Muitas vezes de forma independente, sem grandes verbas, ele realizou pequenas obras-primas ao longo da carreira.

Ainda que longe do que pode ser considerado sucesso comercial, os filmes de Gilliam geralmente acompanham a palavra “cult” como etiqueta. Apenas “Os Bandidos do Tempo” (1981), “O Pescador de Ilusões” (1991) e o espetacular “Os 12 Macacos” (1995) são comercialmente rentáveis na carreira do diretor. Mas por mais prejuízo que tenham dado a seus respectivos estúdios, o fundamental “Brazil” (1985), “As Aventuras do Barão Munchausen” (1989) e “Medo e Delírio em Las Vegas” (1998) ajudaram a dar a Gilliam o rótulo de visionário.

Terry Gilliam Parnassus

Ele mesmo revela que não tem a pretensão de fazer filmes difíceis e elitistas, mas que suas tentativas de atingir um maior número de pessoas continuam falhando miseravelmente. Se isso pode mudar esse ano, com o lançamento de “The Imaginarium Of Doctor Parnassus”, ainda é um enigma. Será lembrado para sempre como “o último filme de Heath Ledger”, que foi substituído na segunda metade da obra por atores populares, chamarizes de bilheteria, como Johnny Depp, Jude Law, e Colin Farrell, mas deve continuar sendo um longa com a cara e imaginação de Terry Gilliam, como revelaram as resenhas durante o Festival de Cannes em maio passado.

Gilliam começou sua carreira participando de um grupinho aí, nada conhecido e que nem foi responsável por influenciar para sempre o humor e a comédia do absurdo pelo resto dos tempos: Monty Python. Era Gilliam que criava as icônicas animações presentes nos filmes e gags da trupe britânica, o que acabou definindo toda a linguagem visual do grupo, até ser incorporado de vez ao elenco ao lado de Graham Chapman, John Cleese, Terry Jones, Michael Palin, Eric Idle e Carol Cleveland.

Terry Gilliam Parnassus Terry Gilliam durante as filmagens de “The Imaginarium Of Doctor Parnassus”

Aliás, Terry Gilliam é o único integrante não britânico do Monty Python. Ele nasceu em Minnesota, nos EUA, e em 1968 obteve a cidadania britânica. E foi assim durante 38 anos, com dupla cidadania, até que em 2006 resolveu renunciar o seu registro de cidadão americano, como forma de protesto contra o governo de George W. Bush. Se Gilliam bate o pé com grandes estúdios por conta de suas convicções artísticas, não dava para esperar diferente em se tratando de política.

Passou das animações para papéis menores em sketches, e deu um passo além quando co-dirigiu, ao lado de Terry Jones, o longa “Monty Python: Em Busca do Cálice Sagrado” em 1975. O surrealismo e nonsense empregado por Gilliam nas animações do Monty Python já davam o tom do que ele faria em seus filmes no futuro. Suas produções são conhecidas por serem enormes fantasias de visual extravagante, em que a história é contada em parte ou no todo através da imaginação de um personagem.

“The Imaginarium Of Doctor Parnassus” é criação original de Terry Gilliam, que escreveu o roteiro em parceria com Charles McKeown. Os dois já haviam trabalhado juntos na concepção dos roteiros de “Brazil” e “As Aventuras do Barão Munchausen”. Em busca da imortalidade, Dr. Parnassus, interpretado pelo veterano Christopher Plummer, faz um pacto com o Diabo (Tom Waits), carinhosamente chamado de Mr. Nick. Já com 1000 anos de idade, Parnassus continua viajando com o seu circo, oferecendo ao público a possibilidade de ir além da realidade ao atravessar um espelho mágico.

Terry Gilliam Doctor Parnassus

Dr. Parnassus faz um segundo pacto com o tinhoso, dessa vez querendo ser jovem novamente. Acontece que em troca, Mr. Nick quer ser dono da filha de Parnassus, e assim que ela completar 16 anos voltará para buscar o pagamento. O misterioso Tony (Ledger, Depp, Law e Farell) é que vai tentar fazer o Diabo mudar de ideia, viajando em mundos paralelos para salvar a jovem Lily Cole.

Quando perguntado quais suas influências na produção do filme, Gilliam responde rápido: “Meu cérebro. As inspirações para meu o trabalho vêm de pinturas, livros, música e não filmes, como muita gente imaginaria”. Durante painel na Comic-Con 2009, brincou: “Sempre que fico sem ideias vou para a National Gallery de Londres e roubo ideias de artistas mortos… porque aprendi que eles não podem me processar.”

Assim como aconteceu em seus filmes anteriores, Terry Gilliam teve problemas com “The Imaginarium Of Doctor Parnassus”. A morte de Heath Ledger, no meio das gravações, quase fez o filme ser esquecido no fundo de uma gaveta. Depois de contornar a ausência do ator, Gilliam enfrentou a resistência de distribuidoras, que não queriam arriscar com mais um projeto experimental do diretor.

Nessa semana, a data de estréia no Reino Unido foi finalmente definida, 16 de outubro, com o lançamento do trailer que você confere (e deve conferir) no fim desse post. Aqui no Brasil, apesar de ainda sem previsão de chegada, a distribuição ficará por conta da Sony Pictures.

Em longa entrevista ao programa One on One, em abril deste ano, Terry Gilliam revisita sua carreira

A persistência de Terry Gilliam em criar obras absolutamente autorais e únicas, burlando as cruéis leis do mercado cinematográfico, é a prova do gênio de fértil e inesgotável imaginação. Seja com filmes atemporais ou com comerciais da Nike (sim, ele dirigiu dois, em 2002), sua batalha para fincar o pé quanto suas concepções artísticas transformam qualquer set de filmagem em um campo de guerra. Já que é assim, ele faz o que quer e pronto. Paga o preço por não entrar no jogo, mas tem todas as suas ideias nos lugares em que deveriam estar.

Nos próximos anos, Terry Gilliam volta as suas atenções novamente para um projeto que já sonha faz tempo. Levar para os cinemas a história “The Man Who Killed Don Quixote”, uma sátira que combina o clássico de Miguel de Cervantes com os dias atuais. Um publicitário que começa a viajar no tempo involuntariamente e vai parar no século XVII, onde é confundido com Sancho Panza.

Gilliam tentou produzir o filme no final do ano 2000, quando enchentes no set e uma doença do ator Jean Rochefort interromperam as filmagens, cancelando todo o resto. O diretor transformou a iniciativa desastrosa em um documentário, e em 2010 vai tentar de novo. Mais um exemplo de sua incansável persistência.

| Fontes: Dreams, Omelete, One on One

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Behind The Brains: Where The Wild Things Are

Where The Wild Things Are Onde Vivem Os Monstros
Trilha sonora recomendada para a leitura desse post, é tambem a música do trailer de “Where The Wild Things Are”

O diretor Spike Jonze, depois de dirigir uma tonelada de videoclipes famosos e filmes como “Quero Ser John Malkovich” e “Adaptação”, passou a ser considerado um visionário. Não por menos, suas escolhas nonsense e criativas em parceria com o roteirista Charlie Kaufman chamaram a atenção quase que instantânea de Hollywood, que o indicou ao Oscar de Melhor Diretor em 2000 (mas quem levou foi Sam Mendes, por “Beleza Americana”).

O rótulo preferido da mídia para caras como ele é “excêntrico”. Apesar disso, Jonze dirigiu um monte de comerciais, como o “Hello Tomorrow” da Adidas e “Pardon Our Dust” da Gap, além de atuar em filmes de amigos e ainda editorar revistas da cena BMX e skate. Jonze também é co-criador da série politicamente incorreta “Jackass” da MTV. E é justamente desse cidadão, nascido em Rockville, Maryland, EUA, um dos filmes mais hypados e aguardados do ano. Eu sei, isso parece frase de trailer, mas se considerarmos o buzz gerado apenas com o pouco de material lançado até agora, não é exagero.

Ficou na mão de Spike Jonze, e do inexperiente roteirista Dave Eggers, transformar uma história de 338 palavras em um roteiro de 111 páginas. Escrito e ilustrado por Maurice Sendak em 1963, “Where The Wild Things Are” (Onde Vivem os Monstros) é um dos mais cultuados livros infantis da curta história do mundo, pequeno em tamanho, mas enorme em idéias.

A obra segue as aventuras de Max, um garoto malcriado que foi mandado para a cama sem jantar. Depois de ser chamado de “wild thing” pela mãe, ele vai pro quarto e começa a imaginar um mundo distante em que chega de barco, a terra dos Wild Things. As estranhas criaturas selvagens desse lugar acabam transformando Max em uma espécie de Rei. “Where The Wild Things Are”, ao mostrar um garoto solitário, com pai ausente, irmã e mãe cada vez mais ocupada com o trabalho, estabelece um belo retrato psicológico da raiva.

Where The Wild Things Are Onde Vivem Os Monstros

Segundo Sendak, o conceito original do livro incluia cavalos ao invés de monstros. Porém, ele resolveu trocar de personagens quando descobriu que não sabia desenhar cavalos. Em seus desenhos feitos em aquarela, Sendak representa criaturas exóticas, com ar demoníaco, mas que ao mesmo tempo transmitem algum tipo de carisma e charme.

No recente vídeo making-of divulgado pelo diretor Spike Jonze (assista abaixo), o escritor revela que o livro foi um grande risco comercial, sumiu das prateleiras e sofreu pesadas críticas dos entendidos literários. Sendak conta que apenas dois anos depois do lançamento é que as pessoas começaram a perceber o valor de “Where The Wild Things Are” como uma obra infantil.

Com 109 contos publicados, as inspirações de Maurice Sendak foram sua própria vida. Os protagonistas de suas histórias são uma espécie de alter-ego, como o Max de “Where the Wild Things Are”, e os monstros representam seus medos e membros da própria família. A infância de Sendak foi complicada. Cresceu no Brooklyn, depois que seus pais se refugiaram do anti-semetismo crescente na Polônia da década de 1930, e os primeiros anos nos EUA foram marcados por complicadas doenças.

Sendak não podia sair muito na rua para brincar com outros garotos, então seu passatempo era ler e assistir filmes. Como ele mesmo revela no documentário “There’s a Mystery There: Sendak on Sendak”, sua primeira experiência com storytelling foi logo na infância. Baseado nos filmes que via no cinema, o menino Sendak contava diversas histórias para as outras crianças, alterando e criando partes, e se colocando como um personagem.

“Where The Wild Things Are” também é auto-biográfico, e vai na contramão do que a literatura infantil oferecia na época. Para Sendak, a grande parte dos livros voltados para crianças são moralistas, sentimentais e com personagens que se comportam bem, uma falsa sensação de conforto. Não existem ações impulsivas ou emoções repentinas. A essência de WWTA reside na autenticidade dos sentimentos e medos infantis, em colocar uma criança em um mundo mágico e assustador, mas o mesmo tempo não completamente protegida.

Where The Wild Things Are Onde Vivem Os Monstros

E como um diretor de cinema pode transformar isso em um filme live-action? Só com a colaboração irrestrita do autor, é claro. Na adaptação para a tela grande, o trabalho conjunto de Maurice Sendak e Spike Jonze é mais próximo do que poderíamos imaginar. A responsabilidade de Jonze é imensa, mas o próprio Sendak declarou que mais do que adaptar, o roteiro desenvolvido por Jonze e Eggers ampliou e enriqueceu a história original. Quem assistiu os 10 minutos do longa exibidos na Comic-Con 2009, garante que é uma mistura fantástica das emoções e detalhes psicológicos imaginados por Sendak, com o inventivo senso visual criado por Jonze.

Tudo parece acertado agora, mas o filme de “Where the Wild Things Are” passou por uma série de problemas até sua data de estréia finalmente ser definida: 16 de outubro de 2009 (23/10, aqui no Brasil). Quem antes tinha os direitos sobre a adaptação era a Universal, mas desentendimentos entre o estúdio e o diretor levaram o filme para a Warner Bros.

As filmagens ocorreram em um distante abril de 2006 na Austrália, e o material ficou envolvido em discussões criativas até pouco tempo atrás, entrando em pós-produção somente em meados de 2008. Isso porque, em fevereiro do ano passado, rumores dão conta de que a Warner considerava refilmar todas as cenas. O motivo: em sessões teste do filme, crianças estavam saindo chorando e assustadas da sala de cinema.

Where The Wild Things Are Onde Vivem Os Monstros

Para a Warner, o clima sombrio e melancólico adotado por Spike Jonze não combinava em nada com o que eles tinham imaginado ser uma obra infantil comercial. O diretor concordou em repensar algumas cenas, mas sempre deixando claro que não se tratava de um filme-fantasia para crianças de 4 anos de idade, e sim algo de verdade, para crianças de verdade. O roteiro permaneceu intacto, desde que foi finalizado no final de 2005, e o estúdio cedeu a grande parte das escolhas criativas de Jonze.

Obviamente, ajuda o fato de que a Warner tem em sua estratégia recente diversos motivos para se assegurar. Combinar diretores novatos e talentosos com material mainstrean tem sido uma jogada de mestre da companhia. Foi assim com Christopher Nolan e “Batman Begins” / “The Dark Knight”, Alfonso Cuarón e “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban”, Steven Soderbergh e “Onze Homens e Um Segredo”. É claro que fica de fora dessa conta o fiasco Wachowski Brothers com “Speed Racer”.

Where The Wild Things Are Onde Vivem Os MonstrosCenas de “The Quiet Room” e “Ratcatcher”, filmes que inspiraram Spike Jonze para o tom de “Where The Wild Things Are”

No blog We Love You So, Spike Jonze conta que assistiu uma infinidade de filmes para decidir o tom que daria para “Where The Wild Things Are”. Ele cita dois, em particular, que influenciaram fortemente suas escolha: “The Quiet Room” e “Ratcatcher”. Ambos mostram o mundo pelos olhos de crianças, que narram suas experiências e medos.

O diretor conta também da busca pelas emoções naturais e sinceras durante as filmagens. O ator-mirim Max Records teve que contracenar com bonecos sem expressão (que estão sendo inseridas digitalmente pela Framestore CFC), mas em contrapartida pode ouvir os monstros como eles mesmos serão. Jonze gravou todas as vozes de James Gandolfini, Lauren Ambrose, Catherine O’Hara, Forest Whitaker, entre outros, antes de filmar qualquer cena.

As expressões e linguagem corporal dos personagens foram criadas a partir das vozes, ao mesmo tempo que eram utilizadas no estúdio durante as filmagens. Sendo assim, mais do que atuar com os bonecos, Max Records atuou com as vozes.

Where The Wild Things Are Onde Vivem Os Monstros

Se considerarmos que a produção de “Where the Wild Things Are” foi anunciada em 2003, e as filmagens começaram em 2006, Spike Jonze está trabalhando no projeto há nada menos que 6 anos. Ele teve que enfrentar o desafio de trabalhar com uma obra consagrada, ampliar o universo da história, e ainda que com a colaboração próxima de Maurice Sendak, precisou tomar decisões corajosas. Em entrevista ao Ain’t It Cool News, declarou:

“No longa, temos uma criança real em um mundo real e acredito que foi esse o problema para o estúdio. No final eles perceberam sobre o que é o filme de verdade. É como se eles estivessem esperando um filho homem e eu dei luz a uma garota. Então eles precisaram do tempo deles para perceberem isso e descobrirem como eles vão aprender a amar a nova filha”.

Ainda que aos solavancos, conseguiu levar adiante suas idéias e acabou gerando essa gigantesca expectativa, além de uma busca incessante de novas informações por parte dos fãs e da mídia todos os dias. Porém, no fim das contas, o que deve importar mesmo é receber uma carta como aquela que Maurice Sendak ganhou um dia de um garoto de 8 anos de idade:

“Quanto custa ir para onde os monstros vivem? Se não for caro, minha irmã e eu gostaríamos de passar o verão lá.”

| Trailer | Site |

| Com Weekly Press, NY Mag, Ain’t It Cool News e The Art Of Maurice Sendak

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Behind The Brains: LucasArts e “The Secret Of Monkey Island”

Logo após o enorme sucesso de sua primeira parceria com Steven Spielberg (“Indiana Jones: Os Caçadores da Arca Perdida”), e já com “Star Wars: O Retorno de Jedi” em fase de pós produção, Goerge Lucas começou a olhar de uma forma diferente para o, até então, nada bilionário universo dos games que conhecemos hoje.

O que despertou o interesse de Lucas foi ver e ouvir a Activision, que se tornaria em pouco tempo uma das maiores desenvolvedoras e distribuidoras de jogos, falar de seus designers como se fossem rock stars ou diretores de cinema, tratando cada game como um meio criativo vasto, excitante e cheio de possibilidades. Imagine pensar assim em uma época em que softwares inteiros cabiam dentro de um único disquete.

Lucas reuniu alguns programadores e designers talentosos, chamou a Atari para distribuir, e foi assim que o criador da saga “Star Wars” fundou a LucasArts em maio de 1982, uma empresa que se tornaria sinônimo de uma era na curta história dos videogames. Mais ainda, a LucasArts fez parte de um momento criativo na indústria que, a despeito dos orçamentos milionários e máquinas de última geração dos dias de hoje, certamente não pode ser comparado a nenhum outro.

Vale dizer que em uma de suas primeiras produções, a LucasArts já investia em uma criação multi-plataforma. “Labirinto” virou quase que simultaneamente um jogo de computador e um filme com David Bowie e Jennifer Connelly, marcando a integração entre a produtora de cinema (LucasFilms) e a divisão de games. Porém, esse início ainda não tinha a cara do conceito que a empresa tomaria nos anos seguintes.

LucasArts“Maniac Mansion”, para Commodore 64 e Apple II, o fundamento da LucasArts

Começaria em 1987, com “Maniac Mansion”, a principal característica que definiria a história da LucasArts: aventuras gráficas cerebrais, com humor sarcástico e irrevente, em que os personagem nunca morrem ou atingem um beco sem saída. Era o início da geração do point-and-click, do paradigma verbo-objeto.

O protagonista que o jogador controla é um inventário ambulante, e a interação com os objetos no ambiente se dão através de verbos como “Look at”, “Look through”, “Use”, “Pick up”, “Push”, “Pull”, “Talk to”, “Consume”, etc. Os puzzles geralmente evolvem o uso de um determinado verbo com o objeto apropriado – “use a panela com a corda”, por exemplo. O verbo “Talk to” gera sequências de diálogos, em que o jogador deve selecionar perguntas e comentários através de uma lista pré-definida de respostas.

LucasArts“Full Throttle”, um clássico cult de 1995 que quase teve uma sequência em 2000

LucasArts“The Dig”, que só virou um jogo porque Spielberg acho caro demais para fazer um filme

Parodiando filmes de terror com um enredo dentro de uma casa mal-assombrada, “Maniac Mansion” foi criado por Ron Gilbert, que inclusive desenvolveu seu próprio engine para facilitar a produção desse tipo de aventura: SCUMM (Script Creation Utility for Maniac Mansion). E outra vez a LucasArts já fazia a ponte com outras mídias, já que “Maniac Mansion” se transformou em um uma série de TV.

Ainda no final da década de 1980, o engine SCUMM foi a base para outros adventures, como “Indiana Jones and the Last Crusade”, “Zak McKracken and the Alien Mindbenders” e “Loom”. Na década seguinte, já consolidado como o backbone do estilo, o SCUMM deu vida a clássicos como “Day of the Tentacle”, “Sam & Max”, “Full Throttle”, “The Dig”, entre outros, dando lugar ao engine 3D The GrimE em 1998, com “Grim Fandango”, considerado por muitos um dos melhores games de todos os tempos.

Mas o tema desse post é uma jóia lançada exatamente em 1990, e que ajudaria a selar de vez a fama da LucasArts como o estúdio dos adventures point-and-click. “The Secret Of Monkey Island” é obra de uma união de três pessoas que, infelizmente, não acontece todos os dias. Ron Gilbert, já experiente com “Maniac Mansion”, se juntou com os designers Tim Schafer e Dave Grossman para desenvolver uma comédia de piratas.

A idéia de Gilbert era fugir dos tradicionais temas fantasiosos estilo “Dungeons & Dragons”, ser sobrenatural sem necessariamente ser uma fantasia, e piratas pareceram para ele o universo ideal. A inspiração veio de duas coisas bem distintas: a atração Piratas do Caribe na Disney, para a ambientação e cenários, e o roteiro do livro “On Stranger Tides”, uma fantasia escrita por Tim Powers em 1988. É culpa do livro a forte influência da magia vodu na história de “Monkey Island”.

Como protagonista, Ron Gilbert imaginou um cara meio bobo, que sabe tanto da história quanto o jogador, ou seja, nada. Guybrush Threepwood aparece de repente, e vai aprender ao longo das tarefas executadas por quem joga. Segundo Gilbert, se você começa uma aventura em que o personagem não sabe de nada, não se sentirá frustrado ao não saber como executar alguma coisa. A gênese desse conceito reside na frase que abre “Monkey Island”:

“Hi, my name is Guybrush Threepwood and I want to be a pirate!”

Com o argumento desenhado, verba e prazo aprovados, Tim Schafer e Dave Grossman começaram a trabalhar no desenvolvimento. Além disso, os dois escreveram praticamente dois terços dos diálogos do jogo. Em três meses, o trio já tinha uma versão teste de “Monkey Island” em funcionamento, só que ainda levariam mais um ano e meio para finalizar o projeto.

LucasArtsRon Gilbert não só fez história na LucasArts, como influencia até hoje a indústria dos games

Mais uma vez, o humor é peça chave para contar uma história interativa. Segundo Gilbert, é o tom de comédia que permite que o jogador imagine idéias malucas para solucionar problemas. O sucesso de “The Secret of Monkey Island” garantiu a primeira sequência, “Monkey Island 2: LeChuck’s Revenge”, já no ano seguinte. Em 1997 veio “The Curse of Monkey Island”, em 2000 “Escape from Monkey Island”, e agora em 2009 “Tales of Monkey Island”.

Só que com o sentimento nostálgico cada vez maior em relação a essas aventuras eletrônicas do passado, a LucasArts resolveu fazer mais do que novos games baseados na mesma história. Em parceria com a Telltale Games, empresa fundada por veteranos da própria LucasArts, resgatou um de seus maiores clássicos. Na semana passada, dia 15 de julho, lançaram através de distribuição digital (Xbox Live Arcade, PC) a versão remasterizada: “The Secret of Monkey Island: Special Edition”.

LucasArtsOs gráficos originais vs. a edição especial remasterizada

O diretor de arte Jeff Sangalli ficou encarregado de dar uma nova visão para os cenários e personagens do game original, imaginados por Steve Purcell e Mark Ferrari em 1990, recriando os gráficos em HD em 1080i widescreen. Além da trilha sonora de Michael Land, também remasterizada, o estúdio trouxe o elenco original de “The Curse Of Monkey Island”, o primeiro da série a ter vozes, para dublar os diálogos.

Uma das características mais aclamadas dessa edição especial é que o jogador pode passear pelos gráficos da nova versão e da original em 256 cores, sem interromper o fluxo do jogo, com um único botão. Abaixo você pode conferir um making of do projeto, em que o próprio Ron Gilbert e os produtores atuais da LucasArts contam o processo de remake.

| LUCASARTS PÓS-ADVENTURES

No período pós-1995, a LucaArts começou a ver a popularidade dos adventures caírem, já que o mercado de PC queria títulos que fossem capazes de aproveitar todo o poder das caríssimas placas de vídeo 3D. Jogos bidimensionais, focados na história, roteiro e solução de quebra-cabeças deram lugar a produções como “Quake” e “Tomb Raider”.

Ainda que a atenção para o roteiro tenha aumentado consideravelmente nos anos 2000, para Ron Gilbert “hoje não existe mais storytelling na indústria de games. Ao invés de história, existem cenários. ‘Aliens tentam dominar o planeta e você deve atirar em todo mundo para vencer’. A maioria dos jogos atuais é somente cenário.”

Ron Gilbert saiu da LucasArts em 1992 para abrir seu próprio estúdio, deixando nas mãos de Dave Grossman e Tim Schafer a sequência de “Maniac Mansion”, “Day of the Tentacle”, ao mesmo tempo que desenvolveram seus próprios personagens, “Sam & Max”. Foi ainda em 1993 que a LucasArts passou a focar em games inspirados pelo universo de “Star Wars”, e é praticamente o que sobrou hoje. Toneladas de títulos com a família Skywalker.

Grossman saiu da LucasArts em 1994, e chegou a trabalhar na Humongous Entertainment, companhia fundada por Ron Gilbert voltada para desenlvolver games para o público infantil. Nos anos seguintes, a LucasArts investiu ainda mais em jogos de “Star Wars”, e o fim do engine SCUMM se deu com “The Curse Of Monkey Island”, a segunda sequência da série. Foi também o fim da era 2D para o estúdio.

A última tentativa de se criar um adventure no estilo clássico da empresa foi em 1998. Tim Schafer, sozinho, comandou a criação do aclamado “Grim Fandango”. Em 2000 ele deixou a LucasArts para fundar a sua Double Fine Productions, onde criou outro sucesso, “Psychonauts”. Atualmente, Schafer trabalha na produção do hypado “Brütal Legend”, um jogo para PS3 e Xbox 360 protagonizado por Jack Black.

Além de relançamentos, remakes e de alguns títulos originais esporádicos, como o criticado “Fracture”, a LucasArts sobrevive hoje de “Star Wars”, porém, sem nunca conseguir repetir o sucesso do passado. O futuro promete boas brigas, mas a LucasArts construiu uma história que se transformou em exemplo, lançou talentos e criou uma identidade jamais esquecida com os seus games, marcando cérebro e coração dos jogadores. Criações que definiram um estilo, que redefiniram um mercado, e que 20 anos depois continuam fazendo sucesso.

Se você se interessou pela história da LucasArts, recomendo a leitura do livro “Rogue Leaders: The Story of LucasArts”, escrito por Rob Smith e com prefácio do próprio George Lucas. É mais um guia ilustrado do que uma história detalhada e completa, mas traz centenas de artes conceituais, rascunhos, storyboards e anotações dos processos criativos de todos os jogos clássicos. Confira também, o blog de Ron Gilbert.

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Behind The Brains: FlashForward

FlashForward

Se “Lost” se transformou em um fenômeno mundial de mídia e entretenimento, e já tem até data de aposentadoria definida, o que o mercado vai colocar em seu lugar? É óbvio que a ABC, emissora de “Lost”, já pensou nisso muito antes de decidir o fim de sua série líder de audiência. Nos mesmos moldes, estilo, grandes nomes da indústria e hype, anunciaram no final do ano passado a produção de “FlashForward”.

Você já deve ter lido diversas notícias sobre a série, que inclusive será bombada pela ABC agora na 40º Comic Con, no fim do mês. Porém, entre as dúvidas se existe algo com potencial de substituir “Lost”, vale olhar mais a fundo as mentes por trás da nova produção, que tem estréia marcada para o próximo dia 24 de setembro em horário nobre nos Estados Unidos.

“FlashForward” é inspirada pelo livro homônimo de Robert J. Sawyer, escritor canadense considerado um dos grandes nomes da ficção científica na atualidade. Publicada em 1999, a história contada por Sawyer envolve um acidente no CERN (Organização Européia para a Investigação Nuclear) com o LHC (Grande Colisor de Hádrons), que deixa toda a raça humana inconsciente durante 2 minutos e 17 segundos. Nesse período desacordadas, as pessoas tem visões de cenas em até 21 anos no futuro.

FlashForwardO ator Joseph Fiennes e Robert J. Sawyer nas gravações de FlashForward

Além dos acidentes envolvendo veículos e aviões nesses pouco mais de dois minutos de apagão, que fizeram quase 40 milhões de vítimas, o futuro passa a assombrar as pessoas, já que grande parte da humanidade previu cenas que não gostaria de ver. Nesse universo, Robert J. Sawyer discute temas como livre-arbítrio vs. destino, esperança vs. realidade, paradoxo temporal da causa e efeito, etc.

Quase todos os trabalhos do escritor tem uma missão: combinar a intimidade humana com o grandioso universo cósmico. Grandes idéias e noções misturadas com histórias pessoais, que se transformam em ficção científica com diversos níveis de abordagem. A inspiração de Sawyer veio dos três problemas fundamentais da metafísica definidos pelo filósofo alemão Immanuel Kant: “Existe vida após a morte?”, “Deus existe?” e “Nós temos livre-arbítrio?”

O autor já abordou as duas primeiras questões em seus livros anteriores “The Terminal Experiment”, de 1995, e “Calculating God”, publicado em 2000. “FlashForward” trata justamente da terceira pergunta, tentando responder através da física e de mecânicas quânticas o que é verdadeiro: destino ou vontade própria.

FlashForwardCena do piloto de FlashForward

A obra literária de Sawyer foi parar nas mãos de David S. Goyer, o roteirista hypado de “Batman Begins” e “The Dark Knight”, e do veterano Brannon Braga, que depois de fazer carreira em diversos spinoff de “Star Trek”, virou o principal roteirista da sétima temporada de “24 Horas”. Os dois são inclusive produtores executivos de “FlashForward”.

Na adaptação para TV, a história vai sofrer algumas mudanças: no livro o protagonista é um físico canadense de 47 anos, na série será o agente do FBI Mark Benford, interpretado por Joseph Fiennes. No livro, as visões do futuro mostram até 21 anos adiante, na série apenas 6 meses.

O piloto de “FlashForward”, já gravado, foi dirigido pelo próprio David S. Goyer, com roteiro de Robert J. Sawyer. De agora em diante, o escritor trabalhará como consultor da série, rediscutindo seus próprios argumentos a cada episódio. Nenhum dos livros de Robert J. Sawyer foi editado no Brasil (ainda), e atualmente ele trabalha na trilogia WWW: “Wake”, “Watch” e “Wonder”, que trata de uma inteligência tecnológica emergente existente na internet.

E “FlashForward”, será que pega? O começo parece promissor, o buzz pelo menos já está garantido, e provavelmente a pergunta “What Did You See?” deve surgir em algum ARG por aí. Abaixo você pode assistir o trailer da série:

| Fontes: Televisonary, Jawbone.TV, Robert J. Sawyer Blog

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Behind The Brains: The Matrix

Recentemente, tenho abordado aqui no Brainstorm #9 alguns processos criativos envolvendo a produção de cinema, e a idéia é expandir isso para outras indústrias como televisão, games e música. Exemplos: “Os Criadores de Criaturas” e “As trilhas dos trailers”.

Muito mais do que discutir e mostrar aspectos técnicos, a idéia é buscar inspiração por trás da criação de obras consagradas (ou não) do entretenimento, fugindo do estrito envolvimento com marcas que sempre procurei trazer aqui pro blog. Isso partiu de curiosidades simples: “como deve ter sido o brainstorm de tal filme?”, “De onde surgiu a idéia de tal série?”, “como foi a concepção de tal projeto?”, etc.

E para continuar essa série de posts, que provisoriamente (ou não) dei o nome de Behind The Brains, escolhi abordar uma obra fundamental da história do cinema (ainda que recente), aproveitando também o seu aniversário de 10 anos, completados exatamente no dia 31 de março de 2009. É impossível falar de “The Matrix” sem parecer repetitivo, já que você que está lendo esse texto certamente assistiu e testemunhou o fenômeno de perto.

The Matrix

Porém, não custa lembrar o impacto que a criação dos irmãos Larry e Andy Wachowski causou, revolucionando todo um gênero cinematográfico e criando demanda para experiências cada vez mais fortes e maiores, além de passar a fazer parte imediatamente da cultura pop e influenciar muito do que viria a seguir. A história toda você já conhece, mas de onde isso saiu?

Os Irmãos Wachowski sempre falaram de suas influências através dos quadrinhos japoneses, do kung fu e da mistura entre filosofia oriental e ocidental. Isso tudo pode ser percebido na tela, mas o argumento principal saiu de um tratado do filósofo francês Jean Baudrillard, publicado em seu livro “Simulacra and Simulation”.

The MatrixNeo pega seu “Simulacra and Simulation” com compartimento secreto

Editado originalmente em 1985, a obra só teve sua primeira versão em inglês em 1996, ou seja, apenas três anos antes de “The Matrix” chegar aos cinemas. As idéias de Baudrillard sobre realidade, corpo, símbolos e sociedade funcionaram como essência do filme, além das várias referências pontuais em diversas cenas. Apesar disso, Baudrillard declarou, anos mais tarde, que “The Matrix” distorceu e não compreendeu seu trabalho.

Outras duas grandes referências literárias para a concepção do universo de Matrix são “Evolutionary Psychology” de Dylan Evans e Oscar Zarate, e “Out Of Control: The New Biology of Machines, Social Systems, and the Economic World” escrito por Kevin Kelly. Aliás, são esses três livros que os Wachowski exigiram que o ator Keanu Reeves conhecesse antes de ler o roteiro. Dá para incluir nessa mistura mais uma tonelada de textos, mas nunca poderia esquecer de destacar o clássico “Neuromancer” de Willian Gibson, o primeiro a abordar sistemas como forma de interação humana.

The Matrix

Com tudo isso reunido, o que se tinha eram argumentos filosóficos densos e complexos colocados em movimento através da estética dos quadrinhos e mangás, um verdadeiro mashup cyberpunk. Falando assim parece simples, mas quantas pessoas poderiam pensar que essa associação de coisas poderia virar um filme? E mais ainda, que poderia dar certo?

O próprio produtor de “The Matrix”, Joel Silver, revelou que foi quase um milagre que o filme tenha acontecido. O roteiro era complexo, poucos conseguiram entender, e seria ainda mais difícil convencer a Warner Bros. arriscar com algo tão alternativo. É então que entra outra parte essencial do projeto: os storyboards.

The MatrixStoryboards de Steve Skroce

Eles foram necessários para cumprir dois papéis: explicar visualmente o roteiro para aqueles que tinham achado complicado demais, e ajudar a vender a idéia para a Warner, afinal, dar 100 milhões de dólares na mão de dois diretores estreantes não era tarefa para qualquer um. Vale lembrar aqui que, os Irmãos Wachowsky também tiveram que fazer uma outra concessão para poder dar vida ao universo de Matrix. Dirigiram “Ligadas pelo Desejo” (Bound), um filme dramático de baixo orçamento, apenas para provar que tinham capacidade de dirigir.

Já que os storyboards foram vitais para que “The Matrix” saísse do papel, então talvez tudo fosse diferente se os Wachowsky não tivessem a ajuda de Geof Darrow. Ilustrador e designer, Darrow ficou conhecido principalmente por sua colaboração com Frank Miller na HQ “Hard Boiled”, lançada em 1990, além de ter trabalhado em visuais para o filme “TRON”.

O que Darrow fez para “The Matrix”, junto com o ilustrador Steve Skroce, foi criar verdadeiras narrativas gráficas, storyboards dramáticos em um nível de detalhe insano. Suas artes conceituais são responsáveis por muito do que o filme virou. Uma das principais cenas que demonstram seu estilo é quando Neo desperta: a máquina que praticamente o ataca é um mecanóide clássico de Darrow, feito de tubos e telas.

The Matrix
The MatrixArtes conceituais de Geof Darrow

The Matrix | Born Scene

O “renascimento” de Neo e a máquina de Geof Darrow

Essa concepção artística é inegavelmente uma das grandes marcas registradas do filme, junto com a proposta visual de retratar o mundo real em tons azuis e a simulação em verde. Além disso, os cenários recheados de malhas e grades representam a visão das máquinas, como 0 e 1.

No final das contas, “The Matrix” é um somatório de todas as suas influências, um amálgama artístico e filosófico que gerou um produto único. Porém, já era de se imaginar que o filme não passaria incólume das acusações de plágio e excesso de referência. Do animê “Ghost in the Shell” aos conceitos filosóficos milenares, dos quadrinhos “The Invisibles” aos livros cyberpunk, de “Alien – O Oitavo Passageiro” aos filmes noir clássicos, tudo virou pedra no telhado dos Wachowsky.

Uma comparação visual entre “The Matrix” e “Ghost In The Shell”

O processo criativo de “The Matrix” talvez nunca possa ser explicado ou enxergado da maneira como fazemos no dia-a-dia. Não é apenas sentar numa reunião e decidir o que fazer, também não é um insight milagroso que surge quando menos se espera, mas sim juntar o que se viu a vida inteira em uma obra distinta (Tarantino faz isso com todos os seus filmes).

Os próprios Wachowsky admitem que, nesse único filme, estão todas as idéias que já tiveram na vida. Isso ficou provado mais tarde, com as duas sequências meia-boca que prejudicaram algo que não precisava de continuação, arruinando o mistério, o tom político e dualidade.

De qualquer forma, souberam reunir conceitos e estéticas já existentes em algo que se tornou absolutamente novo, redefinindo um gênero. E certamente, com essas toneladas de referências que recebemos todos os dias, isso tudo funciona como uma lição. Se você é fã de “The Matrix”, finalizo com dois links pertinentes aos 10 anos do filme: “Animatrix: O Segundo Renascer” no Smelly Cat e o Nerdcast especial sobre a trilogia.

The Matrix | Revisited (excerpt)

Os Wachowsky, atores e produtores falam das origens de “The Matrix”

Brainstorm #9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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