Behind The Brains: LucasArts e “The Secret Of Monkey Island”

Logo após o enorme sucesso de sua primeira parceria com Steven Spielberg (“Indiana Jones: Os Caçadores da Arca Perdida”), e já com “Star Wars: O Retorno de Jedi” em fase de pós produção, Goerge Lucas começou a olhar de uma forma diferente para o, até então, nada bilionário universo dos games que conhecemos hoje.

O que despertou o interesse de Lucas foi ver e ouvir a Activision, que se tornaria em pouco tempo uma das maiores desenvolvedoras e distribuidoras de jogos, falar de seus designers como se fossem rock stars ou diretores de cinema, tratando cada game como um meio criativo vasto, excitante e cheio de possibilidades. Imagine pensar assim em uma época em que softwares inteiros cabiam dentro de um único disquete.

Lucas reuniu alguns programadores e designers talentosos, chamou a Atari para distribuir, e foi assim que o criador da saga “Star Wars” fundou a LucasArts em maio de 1982, uma empresa que se tornaria sinônimo de uma era na curta história dos videogames. Mais ainda, a LucasArts fez parte de um momento criativo na indústria que, a despeito dos orçamentos milionários e máquinas de última geração dos dias de hoje, certamente não pode ser comparado a nenhum outro.

Vale dizer que em uma de suas primeiras produções, a LucasArts já investia em uma criação multi-plataforma. “Labirinto” virou quase que simultaneamente um jogo de computador e um filme com David Bowie e Jennifer Connelly, marcando a integração entre a produtora de cinema (LucasFilms) e a divisão de games. Porém, esse início ainda não tinha a cara do conceito que a empresa tomaria nos anos seguintes.

LucasArts“Maniac Mansion”, para Commodore 64 e Apple II, o fundamento da LucasArts

Começaria em 1987, com “Maniac Mansion”, a principal característica que definiria a história da LucasArts: aventuras gráficas cerebrais, com humor sarcástico e irrevente, em que os personagem nunca morrem ou atingem um beco sem saída. Era o início da geração do point-and-click, do paradigma verbo-objeto.

O protagonista que o jogador controla é um inventário ambulante, e a interação com os objetos no ambiente se dão através de verbos como “Look at”, “Look through”, “Use”, “Pick up”, “Push”, “Pull”, “Talk to”, “Consume”, etc. Os puzzles geralmente evolvem o uso de um determinado verbo com o objeto apropriado – “use a panela com a corda”, por exemplo. O verbo “Talk to” gera sequências de diálogos, em que o jogador deve selecionar perguntas e comentários através de uma lista pré-definida de respostas.

LucasArts“Full Throttle”, um clássico cult de 1995 que quase teve uma sequência em 2000

LucasArts“The Dig”, que só virou um jogo porque Spielberg acho caro demais para fazer um filme

Parodiando filmes de terror com um enredo dentro de uma casa mal-assombrada, “Maniac Mansion” foi criado por Ron Gilbert, que inclusive desenvolveu seu próprio engine para facilitar a produção desse tipo de aventura: SCUMM (Script Creation Utility for Maniac Mansion). E outra vez a LucasArts já fazia a ponte com outras mídias, já que “Maniac Mansion” se transformou em um uma série de TV.

Ainda no final da década de 1980, o engine SCUMM foi a base para outros adventures, como “Indiana Jones and the Last Crusade”, “Zak McKracken and the Alien Mindbenders” e “Loom”. Na década seguinte, já consolidado como o backbone do estilo, o SCUMM deu vida a clássicos como “Day of the Tentacle”, “Sam & Max”, “Full Throttle”, “The Dig”, entre outros, dando lugar ao engine 3D The GrimE em 1998, com “Grim Fandango”, considerado por muitos um dos melhores games de todos os tempos.

Mas o tema desse post é uma jóia lançada exatamente em 1990, e que ajudaria a selar de vez a fama da LucasArts como o estúdio dos adventures point-and-click. “The Secret Of Monkey Island” é obra de uma união de três pessoas que, infelizmente, não acontece todos os dias. Ron Gilbert, já experiente com “Maniac Mansion”, se juntou com os designers Tim Schafer e Dave Grossman para desenvolver uma comédia de piratas.

A idéia de Gilbert era fugir dos tradicionais temas fantasiosos estilo “Dungeons & Dragons”, ser sobrenatural sem necessariamente ser uma fantasia, e piratas pareceram para ele o universo ideal. A inspiração veio de duas coisas bem distintas: a atração Piratas do Caribe na Disney, para a ambientação e cenários, e o roteiro do livro “On Stranger Tides”, uma fantasia escrita por Tim Powers em 1988. É culpa do livro a forte influência da magia vodu na história de “Monkey Island”.

Como protagonista, Ron Gilbert imaginou um cara meio bobo, que sabe tanto da história quanto o jogador, ou seja, nada. Guybrush Threepwood aparece de repente, e vai aprender ao longo das tarefas executadas por quem joga. Segundo Gilbert, se você começa uma aventura em que o personagem não sabe de nada, não se sentirá frustrado ao não saber como executar alguma coisa. A gênese desse conceito reside na frase que abre “Monkey Island”:

“Hi, my name is Guybrush Threepwood and I want to be a pirate!”

Com o argumento desenhado, verba e prazo aprovados, Tim Schafer e Dave Grossman começaram a trabalhar no desenvolvimento. Além disso, os dois escreveram praticamente dois terços dos diálogos do jogo. Em três meses, o trio já tinha uma versão teste de “Monkey Island” em funcionamento, só que ainda levariam mais um ano e meio para finalizar o projeto.

LucasArtsRon Gilbert não só fez história na LucasArts, como influencia até hoje a indústria dos games

Mais uma vez, o humor é peça chave para contar uma história interativa. Segundo Gilbert, é o tom de comédia que permite que o jogador imagine idéias malucas para solucionar problemas. O sucesso de “The Secret of Monkey Island” garantiu a primeira sequência, “Monkey Island 2: LeChuck’s Revenge”, já no ano seguinte. Em 1997 veio “The Curse of Monkey Island”, em 2000 “Escape from Monkey Island”, e agora em 2009 “Tales of Monkey Island”.

Só que com o sentimento nostálgico cada vez maior em relação a essas aventuras eletrônicas do passado, a LucasArts resolveu fazer mais do que novos games baseados na mesma história. Em parceria com a Telltale Games, empresa fundada por veteranos da própria LucasArts, resgatou um de seus maiores clássicos. Na semana passada, dia 15 de julho, lançaram através de distribuição digital (Xbox Live Arcade, PC) a versão remasterizada: “The Secret of Monkey Island: Special Edition”.

LucasArtsOs gráficos originais vs. a edição especial remasterizada

O diretor de arte Jeff Sangalli ficou encarregado de dar uma nova visão para os cenários e personagens do game original, imaginados por Steve Purcell e Mark Ferrari em 1990, recriando os gráficos em HD em 1080i widescreen. Além da trilha sonora de Michael Land, também remasterizada, o estúdio trouxe o elenco original de “The Curse Of Monkey Island”, o primeiro da série a ter vozes, para dublar os diálogos.

Uma das características mais aclamadas dessa edição especial é que o jogador pode passear pelos gráficos da nova versão e da original em 256 cores, sem interromper o fluxo do jogo, com um único botão. Abaixo você pode conferir um making of do projeto, em que o próprio Ron Gilbert e os produtores atuais da LucasArts contam o processo de remake.

| LUCASARTS PÓS-ADVENTURES

No período pós-1995, a LucaArts começou a ver a popularidade dos adventures caírem, já que o mercado de PC queria títulos que fossem capazes de aproveitar todo o poder das caríssimas placas de vídeo 3D. Jogos bidimensionais, focados na história, roteiro e solução de quebra-cabeças deram lugar a produções como “Quake” e “Tomb Raider”.

Ainda que a atenção para o roteiro tenha aumentado consideravelmente nos anos 2000, para Ron Gilbert “hoje não existe mais storytelling na indústria de games. Ao invés de história, existem cenários. ‘Aliens tentam dominar o planeta e você deve atirar em todo mundo para vencer’. A maioria dos jogos atuais é somente cenário.”

Ron Gilbert saiu da LucasArts em 1992 para abrir seu próprio estúdio, deixando nas mãos de Dave Grossman e Tim Schafer a sequência de “Maniac Mansion”, “Day of the Tentacle”, ao mesmo tempo que desenvolveram seus próprios personagens, “Sam & Max”. Foi ainda em 1993 que a LucasArts passou a focar em games inspirados pelo universo de “Star Wars”, e é praticamente o que sobrou hoje. Toneladas de títulos com a família Skywalker.

Grossman saiu da LucasArts em 1994, e chegou a trabalhar na Humongous Entertainment, companhia fundada por Ron Gilbert voltada para desenlvolver games para o público infantil. Nos anos seguintes, a LucasArts investiu ainda mais em jogos de “Star Wars”, e o fim do engine SCUMM se deu com “The Curse Of Monkey Island”, a segunda sequência da série. Foi também o fim da era 2D para o estúdio.

A última tentativa de se criar um adventure no estilo clássico da empresa foi em 1998. Tim Schafer, sozinho, comandou a criação do aclamado “Grim Fandango”. Em 2000 ele deixou a LucasArts para fundar a sua Double Fine Productions, onde criou outro sucesso, “Psychonauts”. Atualmente, Schafer trabalha na produção do hypado “Brütal Legend”, um jogo para PS3 e Xbox 360 protagonizado por Jack Black.

Além de relançamentos, remakes e de alguns títulos originais esporádicos, como o criticado “Fracture”, a LucasArts sobrevive hoje de “Star Wars”, porém, sem nunca conseguir repetir o sucesso do passado. O futuro promete boas brigas, mas a LucasArts construiu uma história que se transformou em exemplo, lançou talentos e criou uma identidade jamais esquecida com os seus games, marcando cérebro e coração dos jogadores. Criações que definiram um estilo, que redefiniram um mercado, e que 20 anos depois continuam fazendo sucesso.

Se você se interessou pela história da LucasArts, recomendo a leitura do livro “Rogue Leaders: The Story of LucasArts”, escrito por Rob Smith e com prefácio do próprio George Lucas. É mais um guia ilustrado do que uma história detalhada e completa, mas traz centenas de artes conceituais, rascunhos, storyboards e anotações dos processos criativos de todos os jogos clássicos. Confira também, o blog de Ron Gilbert.

Brainstorm #9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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