Luiza no Canadá, o meme que morreu cedo demais

Hoje é sexta, e me parece ainda cedo para decretar que é o fim de uma das semanas mais bizarras da internet. Luiza, Canadá, SOPA/PIPA, discussões infindáveis sobre sexo sonolento, fim do Megaupload, Anonymous que tirou as calças, pisou em cima e atacou um monte de sites e, agora, algo a ver com suruba que eu ainda não me dignei a descobrir o que é (talvez o único tópico que eu não deveria perder).

E não querendo ter a empáfia de analisar e procurar uma explicação filosófica pra tudo, discordo do que disse o Nicolas nesse post, ontem. A Luiza no Canadá cansou sim, e eu não sou ranzinza por isso. É mais um sintoma gritante e atual da nossa neurose causada pelo excesso de informação.

Adoro memes e como as redes sociais colaboram para a criação e compartilhamento de conteúdo instantâneo, onde pessoas de toda parte podem fazer suas piadas, mas o exagero de repercussão e o circo gigantesco da cobertura da imprensa praticamente tornaram os meios inúteis nos últimos dias.

Com essa corrida e circo para ver quem consegue espremer mais a piada, o mistério acabou.

Não, eu não sou contra a popularização e alcance da rede, como se a internet devesse ser um clubinho fechado dominado pelos “analistas de mídias sociais” e frequentadores de fóruns obscuros, pelo contrário – também não me acho um imbecil por nunca ter ouvido Michel Teló, mas esse é outro assunto – só que todo excesso torna-se insuportável. Eu não consegui ler ou aproveitar nada do que foi dito em português no Twitter e Facebook essa semana, plataformas que justamente deveriam ajudar a me manter conectado com amigos e pessoas/marcas/veículos que julgo importantes para o meu conhecimento.

Por exemplo, mal descobrimos que a Luiza estava no Canadá, e a mídia já tinha falado com ela, com o pai dela e com família toda, já tinha descoberto seu paradeiro, comprado passagem de volta, e tão logo pisasse no Brasil – com direito a transmissão ao vivo de sua chegada – a adolescente de 17 anos tinha participação marcada em telejornais, comerciais, entrevistas, já sabíamos tudo sobre a sua vida, tinha vendido seis apartamentos e certamente já tinha combinado de preparar alguma receita culinária no programa da Ana Maria Braga ou algo que o valha.

Não só ferramentas sociais, mas grandes portais, jornais e toda a sorte de sites tinha sido invadido pelo efeito Luiza – quem não entrava na onda era bobo, feio e chato. A moça se tornou celebridade da noite pro dia, e agora é garota propaganda da Vivo (seu pai também vai ser) e da Fiat, por enquanto.

“É muito estranho…”

Não existe problema nisso. Um dos grandes trunfos da imprensa e da publicidade é aproveitar oportunidades para gerar audiência e atenção. A diferença é que antes o universo da internet não fazia parte desse radar. Um fato global ou um bordão de novela era capaz de gerar essas reações, mas uma piada ou uma bobagem qualquer surgida na internet dificilmente ultrapassava o cabo azul do computador – ou o sinal do wi-fi, para os mais modernos.

É bonito e revolucionário ver que agora isso acontece, mas com essa corrida para ver quem consegue espremer mais a piada, o mistério acabou. Não deu tempo nem de gostar da Luiza, e eu já estava odiando a coitada e jurado nunca pisar no Canadá. A brincadeira é saudável e diverte, mas precisamos mesmo dispensar tanto esforço por isso?

No começo de 2011, nos EUA, aconteceu quase a mesma coisa. Alguém encontrou um mendigo com uma voz radiofônica, gravou, publicou no YouTube e em 15 minutos o mundo inteiro conhecia Ted Williams. A imprensa americana caiu em cima querendo fazer todo tipo de atração com o cara, agências e empresas correndo para ver quem chegava nele primeiro, e todo o mesmo freak-show que acabamos de ver.

A diferença é que, pelo menos, Ted Williams realizou seu sonho: Ter um emprego e uma casa.

Sim, eu sei que pra fazer meme e humor não precisa ser solidário ou edificante. Que não temos que ser profundos e complexos o tempo todo. Como falei lá em cima, eu adoro o nonsense que a internet cria com tudo, todos os vídeos de bebês e filhotes fofos, todas as imagens de memeface, LOLcat, todos os double-rainbow, rickroll, arvores somos nozes e outros bordões repetidos nas redes sociais desde os primórdios do bebê dançarino. Mas quando aparecer uma outra Luiza vamos apreciar com moderação, senão o barato acaba rápido demais.

Se atualmente reclamamos da angústia de viver com excesso de informação – a dor de nunca saber o bastante – jamais saberemos mais, pelo menos um pouco mais, se insistirmos na repetição ad aeternum daquilo que pouco importa.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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Por que não apostar em qualquer número que se vende por aí?

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Durante esta semana, a E-Life publicou um estudo sobre os hábitos dos internautas brasileiros em relação às Mídias Sociais. Uma das coisas interessantes de se ver é que o Twitter é bastante expressivo em lembrança entre a parcela mais heavy user de Internet, sendo o primeiro serviço lembrado por 38,5% dos entrevistados, sendo que pouco mais de 80% dos respondentes já possuem cadastro nele e 86% destes usuários fazem uso quase diário da ferramenta.

Conclusão interessante? Sim, se levarmos em consideração que outros serviços como o Orkut, YouTube, Facebook e afins têm espaço entre os internautas entrevistados, mas, apesar de já serem conhecidos até há mais tempo do que o Twitter, não possuem a mesma freqüência de uso.

Daí a considerarmos o Twitter a mídia social mais utilizada no Brasil, como ousaram afirmar o blog do Portal Exame (com o qual fiz contato) e a Época Negócios, existe uma grande diferença.

Como eu disse, eu entrei em contato com a repórter do Portal Exame via comentário, porque a reportagem continha dados errados: o texto original de Luiza Dalmazo fazia uma grosseira comparação entre o costume de uso entre Twitter e o Orkut. Afirmava o texto que a maior parte dos usuários do Twitter o utilizavam de 5 a 7 vezes por semana, enquanto os de Orkut utilizavam de 2 a 4 vezes. Eu chamo de grosseiro porque o gráfico que ilustra o post já desmentia de cara o parágrafo, apontando que mais de 72% dos usuários do Orkut o acessavam quase diariamente.

Então a repórter trocou o texto e respondeu-me via e-mail que passaria a utilizar estas porcentagens. Tendo em vista que o título continuava a querer mostrar que o Twitter havia passado o Orkut como “mídia social mais usada do Brasil”, respondi ao e-mail dela com mais alguns questionamentos, que agora trago ao leitor do Brainstorm #9.

O estudo aponta uma ligeira “liderança” na questão de uso diário do Twitter, mas é ligeira. Se considerarmos que o estudo deve ter uma margem de erro, podemos até chamar de empate técnico. Como? 86 contra 72 pontos percentuais? Não: 86% dos 80% que responderam ter Twitter contra 72% dos quase 90% que responderam ter Orkut.

Mas a anomalia da manchete da notícia não pára aqui. Uma outra pesquisa, um pouco mais abrangente, feita pelo Comitê Gestor de Internet do Brasil serviria para acabarmos de vez com esta brincadeira. Ao compararmos o perfil socioeconômico e a distribuição da população pelo território brasileiro da amostra da pesquisa da E-Life com a amostra da pesquisa TIC Domicílios 2008, fiel à real distribuição existente no Brasil, temos um choque: o público majoritário da pesquisa da E-Life corresponde a 1% da amostra de pesquisa do Comitê Gestor de Internet do Brasil.

Aí é só começar a pegar uns números por lá para continuar a surra nesta manchete surreal: ninguém perguntou ao pessoal da classe C (51% dos entrevistados da TIC Domicílios, sendo que 46% deles acessam diariamente a Internet e, segundo dados da Telefônica, já formam mais de 30% da base de Speedy e 80% das vendas atuais do serviço de banda larga) qual é o serviço que eles usam mais. Aí fica difícil.

É preocupante ver como anda a interpretação de dados por aí…

Mais sensato foi o G1 em apontar o Twitter como o queridinho da classe A ou a própria E-Life, em tirar como conclusão que 4 serviços podem ser destacados como os preferidos pela amostra.

Eu me pergunto se estariam todos os profissionais especializados em Internet dispostos a relatar dados sem maquiar um numerozinho sequer e se estariam todos os clientes de agências, ávidos por esta “novidade” chamada Mídias Sociais, preparados para filtrar montagens tendenciosas de gente querendo empurrar engodos como planos estratégicos ou querendo dar o furo do ano. Estariam?

A existência de tantos gurus de Mídias Sociais neste Brasilzão de Deus, a tentativa eloqüente da imprensa de tornar o Twitter o serviço mais popular do país e o número de retweets que a notícia com manchete equivocada teve dão dicas da resposta…

Brainstorm #9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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