Estágios e eventos sob a mesma ótica

Esse post é mais um apelo do que uma reclamação. Mas notei semelhanças entre a mecânica de eventos e de estágios não remunerados. Provavelmente não vão me chamar para nenhum evento depois desse post mas vamos ver o que acontece.

Só pensei nessa comparação recentemente mas ela é muito bizarra. Já notou como alguns eventos têm o mesmo racional de estágio não remunerado? Quando alguém topa algo assim é sempre na esperança de que por conta dessa experiência as portas para o fabuloso mundo da publicidade irão se abrir para você.

Quem chama/contrata tem a mão de obra/conteúdo de graça e oferece educação/experiência grátis.

Acham que trabalhar naquela empresa de graça ou participar daquele evento vai ser bom para você, já que é bom colocar no CV que tem esse tipo de experiência.

A moral da história é: ou as pessoas aprendem a dizer não ou o mercado as engole.

Acho que trocar o tempo de qualquer pessoa apenas por visibilidade é algo que deveria ser evitado. Por apenas um motivo: você perde o controle do que pode fazer se der algo errado. Explico. Um palestrante pago provavelmente assinará um contrato em que assuntos, opiniões polêmicas e etc sejam evitadas e o foco da apresentação esteja definido. Ele pode ser penalizado por não cumprir o contrato e, sem ele, o organizador está sem nenhuma garantia. Dependendo pode até ameaçar queimar a reputação do palestrante quando as coisas derem erradas e não chama-los mais.

Lembro de uma história do Douglas Rushkoff em que ele nunca cobrava para fazer as palestras dele. Até o New York Times publicar que ele cobrava US$7.500 por hora de consultoria para empresas e ele começar a receber convites para palestras e agora já perguntando o valor da palestra. Ele falava para as pessoas simplesmente lerem o livro que seria a mesma coisa mas as empresas preferiam pagar 7500/hora do que 20 dolares e algumas horas para ler o livro.

Mas há situações e situações. Acho que palestras para estudantes, dentro de faculdades não deveriam ser pagas. Acho que palestrantes de eventos pagos devem ser remunerados. É meio que o dilema de Tostines, o que veio antes? O reconhecimento profissional para ser chamado para o evento ou reconhecimento profissional por participar de eventos? O evento é bom por ter bons profissionais mostrando o seu conhecimento, idéias novas além, claro, de uma boa organização e infra-estrutura.

Se todo mundo começar a negar estágios não-remunerados, as empresas terão que se virar e pagar.

O conhecimento que o estagiário acumulou até aquele momento será a sua ferramenta para mostrar o seu valor. E isso vale para estágios e eventos. O estagiário tem uma experiência de vida que vai ajudar na hora de tomar alguma decisão. O que estudou na faculdade é, para o estagiário, a base de conhecimento para o que vai usar/fazer no mercado de trabalho. Acontece que o que era diferencial, virou obrigatório porque ninguém tem paciência de ensinar e tem trabalho para caramba para fazer. Então o estagiário tem que entrar na empresa já sabendo fazer o que deveria aprender. Ele vira mais um trabalhador só que sem remuneração porque, segundo a lógica perversa das empresas que não pagam estagiários, eles estão sendo pagos em experiência profissional.

Já o palestrante, acredita que um dia vai ser remunerado por apresentar suas idéias mas esse dia raramente acontece. E, se acontece, geralmente é porque ele vai dar uma palestra numa empresa e não em outros eventos. Nessa esperança de visibilidade, ele não cobra as horas gastas para preparar e apresentar a palestra. Horas essas que muitas vezes quem paga é a empresa em que ele trabalha.

Agora imagino que um evento que chame alguém de fora para palestrar. Provavelmente vai oferecer o pacote básico de Passagem, Hospedagem e Alimentação e mais o pagamento pela participação. Fora o tratamento de rockstars. É por isso que os caras vêm. Todo mundo é um pouco Jimmy Cliff e quer se sentir importante. Aos palestrantes locais, as vezes rola um brinde de agradecimento e para aí. Transporte, estacionamento, alimentação muitas vezes ficam por sua conta. Parece reclamação mesquinha, né? E é mesmo. Eventos com grandes patrocinadores, com espaço de estandes pago, com inscrição paga e os únicos que não são remunerados são os palestrantes? Não faz muito sentido, né?

Resolvi procurar saber a definição de salário e olha o que achei. Pela Wikipedia a definição é:

Nas sociedades capitalistas, salário (ou capital variável no conceito de Marx), é o preço oferecido pelo capitalista ao empregado pelo aluguel de sua força de trabalho por um período determinado, geralmente uma semana ou um mês, ou por unidade de produção.

Aulete
3. Recompensa prestada em troca de serviço encomendado

E aí sabe o que acontece se todo mundo começar a cobrar para dar palestra? O preço de tudo (inscrições, patrocínio, etc) vai subir, alguns eventos podem acabar mas aí outra coisa também pode acontecer. O sarrafo da audiência pode subir e ela ficar menos tolerante no caso do conteúdo apresentado ser fraco e por consequência, existe a grande possibilidade de a qualidade dos eventos subir. Eu acho que vale o risco. É bom para o mercado todo.

No caso dos estagiários a situação é a mesma. Se todo mundo começar a negar estágios não-remunerados, as empresas terão que se virar e pagar.

Mas no mundo real o que acontece é que os palestrantes ainda acham que vale a pena não ser remunerado em um evento por que isso é um reconhecimento como profissional. E os estagiários continuam aceitando estágios não remunerados porque precisam de experiência. Ambos os casos são parte um ciclo vicioso que não é quebrado nunca. O ponto é que os dois estão pagando para trabalhar.

Para o palestrante a vaidade de ser reconhecido alimenta a ilusão de um futuro como palestrante remunerado. Já para o estagiário, é a ilusão de que essa experiência vá abrir espaço em outras empresas. Será que ninguém nota que desse jeito a mediocridade ganha? O estagiário que consegue bancar o estágio com a mesada dos pais é privilegiado e o palestrante que aceita o que oferecem em troca da tal exposição muitas vezes acaba não sendo o melhor.

Ou seja, sempre tem alguém que topa e quebra a corrente.

Eu participei de alguns eventos na minha vida. Alguns na mesma cidade em que moro, outros fora e notei que eu mesmo ajudei esse ciclo vicioso a se manter. Exigi coisas do pessoal de fora, coisas que não exigi de eventos na cidade em que moro. Acredito que deve haver um pacote básico para palestrantes independente da sua origem (transporte, alimentação e hospedagem se for o caso) e acredito que o mercado só vai evoluir quando os palestrantes forem remunerados. De novo, é garantia para os organizadores e estímulo/compromisso para os palestrantes.

Os melhores estagiários que tive nunca tinham trabalhado com redes sociais mas eram inteligentes, pro-ativos e tinham uma cultura geral de dar inveja. Eles foram remunerados por seu trabalho e todos eles são excelentes profissionais até hoje e acredito que o conhecimento acumulado está sendo usado até hoje na rotina deles. E vários não trabalham mais com redes sociais. E isso é que é legal. O conhecimento valeu para alguma coisa. A experiência valeu para alguma coisa e ela foi remunerada. Nada mais justo.

No final das contas a moral da história é ou as pessoas aprendem a dizer não ou o mercado as engole. E isso serve para os dois cenários que citei nesse post.

Em tempo, a foto que ilustra esse post é do OZinOH

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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ROFLcon 2010: Indieweb e a explosão criativa nos EUA

Com esse post, estreia aqui no Brainstorm #9 a participação de Bob Wollheim. Empreendedor, socio da Sixpix, conteúdo focado em Gen. Y, que publica as plataformas Pix e ResultsON

RolfconCreative Commons License fotos: Scott Beale / Laughing Squid

Este final de semana participei do ROFLcon, evento que aconteceu no MIT aqui em Boston (EUA), e que reuniu a galera que curte, faz, brinca e se diverte com os memes da web.

ROFL, ou Rolling on the Floor Laughing – algo como rolando no chão de tanto rir – juntou memes como os Lolcats do Ben Huh, o David After Dentist, com o Little David e o Big David presentes, o Mahir do I Will Kiss You, passando por todo o tipo de bobagem, brincadeira, escárnio e humor.

Foi uma experiência incrível mergulhar nessa web indie – muitas das coisas já nem tanto indie hoje em dia – e poder ver, papear, debater e interagir com quem produz o conteúdo que bomba (ou bombará) na internet do mundo.

RolfconCreative Commons License fotos: Scott Beale / Laughing Squid

Imagino que muitos conhecem vários destes sites (veja os links ali abaixo) e não tenho a menor pretensão de trazer as novidades da América (SIC!) para um público que conhece muito mais do que eu, mas queria fazer sim uma provocação: onde está essa web indie, criativa, ousada, menos politicamente correta e totalmente irreverente no Brasil? Temos alguns bons casos, claro, tipo o Jovem Nerd, o Kibeloco, o Judão, o Tas, a Rosana, o Inagaki e até o próprio Brainstorm #9, mas na realidade sinto que poderíamos ter uma veia indie MUITO mais forte, derrubando preconceitos, produzindo conteúdo e criando uma cultura pop wébica aí no Brasil.

Sinto falta de uma cena mais indie, mais ativa, tipo um ROFLcon onde uma galera se reune para papear e entender para onde vai a web (ou pra onde eles estão levando a web). Se estou certo no meu raciocínio, seriam os motivos culturais? Econômicos ou sociais?

Não sei, talvez de tudo um pouco, somado o fato que temos uma única emissora de TV que tem 80% da audiência (analisamos uma nuvem de tags de virais na Pix ano passado e deu um “Globo” enorme no centro dela!?), um povo um tanto quanto preconceituoso (já se ligou que uma parcela enorme dos virais brasileiros é de gente fazendo chacota ou rindo da desgraça ou da burrice alheia e normalmente de gente menos favorecida?!) e um país onde é duro ganhar a vida, o que nos força a pegar um emprego que nos garanta, mas que também nos tolha a liberdade? (já reparou quantos blogueiros bacanas arrumaram empregos na “social media inc” brazuca e perderam o charme (ou a independência) de blogar, tuitar, etc?)

RolfconCreative Commons License fotos: Scott Beale / Laughing Squid

Não quero estrear meus textos aqui neste espaço – btw, obrigado pelo convite editores! – de uma maneira negativa, muito menos macacando a gringaiada, mas também acho que simplesmente ser hey ho let’s go para tudo é confortável, simples e indolor, mas totalmente inócuo. Eu vir aqui para incensar meus amigos ou dizer que a web brasileira é demais… era melhor não vir! Claro que temos coisas muito legais, como já disse, mas pelo que somos, pela nossa criatividade, inventividade e até mesmo pelo “djeitinho” brasileiro, poderíamos ter muito mais!

Ou não?

Se você está lendo isso, ficou puto, discorda, e tem uma boa idéia, ótimo, era isso mesmo que eu queria criar na sua cabeça. Faz acontecer, acredita, me prova que estou errado, FAZENDO!

Não se contente com um bom empreguinho ou em ser convidado para todas as festinhas da social media, ganhar presentinho e ficar tuitando que o celular X é o máximo quando todos nós sabemos que não é! Tenho certeza que tem muito mais coisas bacanas nas cabeças por aí e se faltava um empurrão/provocação, agora não falta mais!

| Pessoas que estão pensando a web e que vale acompanhar:
Ethan Zuckerman (Berkman Center for Internet and Society) – @ethanz
Danah Boyd (Microsoft Research) – @zephoria
Christian Sandvig (Berkman Center for Internet and Society)

| Empresas/grupos que estudam os memes e a web:
BuzzFeed / Jonah Peretti
The Meme Factory

| Sites que estão acontecendo por aqui e vale ficar de olho:
Lamebook.com / Cockeyed.com / Rathergood.com / Awkwardfamilyphotos.com / Textsfromlastnight.com / Stuffwhitepeoplelike.com / Internetfamo.us / Youshouldhaveseenthis.com / KnowYourMeme.com / 4chan.org

Brainstorm #9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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