Tá Chovendo Nerd!

Fiquei ansioso pelas entrevistas de “Tá Chovendo Hambúrguer 2” por uma razão: um dos diretores, Cody Cameron, foi um dos responsáveis por “The Chubbchubbs”, o único curta-metragem animado de ficção científica a ganhar um Oscar. Sentia cheiro de nerdice no ar. Descobrir que Kris Pearn, o outro co-diretor, é tão ou mais nerd que Cody, só deixou meu dia mais feliz e facilitou o trabalho. Jovens, engraçados e alimentados pelas mesmas fontes que muitos de nós fomos, nos anos 80, essa dupla entupiu a sequência dessa animação de sucesso da Sony Pictures Animation com referências pesadas e piadas nerds num filme que, essencialmente, deveria ser “apenas infantil”.

O roteiro de “Tá Chovendo Hambúrguer 2” continua imediatamente após o fim do primeiro filme e os moradores da ilha foram relocados para que a “limpeza” fosse feita. O arauto da bondade é Chester V, uma mistura de Steve Jobs, Bill Gates e todos os outros tecnogurus modernos. Se no primeiro filme, Flint Stockwood queria ser aceito pelo pai, nesse segundo, ele quer encontrar seu lugar no mundo e impressionar seu herói de infância. É o mesmo que Sheldon Cooper tentar cair nas graças de Leonard Nimoy.

Aí já cabe a primeira crítica social, pois o protagonista – que, visual e criativamente, lembra Neil Gaiman, por ser uma “metralhadora de ideias”, como diz Kris Pearn – tem tantas ideias, mas elas só serão relevantes se validadas pela mente corporativa da Live Corp, liderada por Chester V. O sujeito inventou uma máquina de criar comida usando apenas um pouco de água! Ele não precisa provar mais nada. Porém, o vazio existencial pode ser um problema e ele sofre desse mal. Claro, tudo dá errado e quem vai tentar consertar a bagunça? O próprio Flint.

Os diretores na Comic Con 2013

Os diretores na Comic Con 2013

Ao retornar à ilha, Flint entra no “Parque dos Comidossauros”. A comida criada pela máquina de Flint ganhou consciência e uma nova espécie de criaturas – em inglês batizados como Foodanimals, o Comidossauros é por minha conta – tomou conta da região. A referência a Spielberg é descarada numa das tomadas mais bonitas da animação, quando os personagens percebem que estão envoltos em novas formas de vida.

Mesmo tendo que agradar crianças e adultos, o roteiro consegue manter algumas surpresas na manga

“Era preciso mostrar todo esse escopo e a grandiosidade. Foi inevitável não pensar em “Jurassic Park” e o carinho que nós, e todo mundo, temos pelo filme”, comenta Cody Cameron. “Até o visual da personagem Sam veste roupas inspiradas nas que Laura Dern usou!”, complementa Kris Pearn. Os dois batem bola com uma facilidade imensa, nascida pelos interesses semelhantes e forjada ao longo de anos de produção dos dois filmes (Pearn foi Head of Story, ou seja, cuidou dos storyboards e do encadeamento de ideias do primeiro filme).

“TÁ CHOVENDO HAMBURGER 2”

Por que dois diretores?

Muitas animações são comandadas a quatro mãos. Nunca houve uma boa justificativa e vendo esses dois trabalhando em tamanha sincronia, tentei desvendar. “Olha, nunca me perguntaram isso e nunca parei para pensar na razão”, diz Cameron. “Provavelmente é por conta do volume de trabalho. Temos que controlar a qualidade e gerenciar tantas unidades e profissionais que estar em dois lugares ao mesmo tempo ajuda”.

Pearn complementa: “O resultado do trabalho depende exclusivamente do alinhamento de ideias, então, a habilidade de transferir isso para toda a equipe, constantemente, todos os dias, sem vacilar, é vital. No fim de cada dia, nós dois sentamos para conversar e checar a evolução do trabalho e da história em si. Num set real, o diretor toma todas as decisões, mas elas acontecem ao vivo e no ambiente do set. No nosso caso, os problemas surgem ao longo de meses de dedicação, logo, muito do que fazemos é antecipar ou corrigir o curso na gênese do problema. É uma vantagem em relação ao diretor live action, mas quantidade de decisões aumenta absurdamente”.

Tá Chovendo Hambúrguer 2

Essa não é uma regra do mercado (“Madagascar” tem vários diretores, “A Lenda dos Guardiões” teve só um, por exemplo), mas parece ser a opção mais comum e ela afeta outra particularidade da animação: a inexistência de um Diretor de Fotografia. Normalmente, o Designer de Produção e o Head of Lighting cuidam dos aspectos visuais, enquanto o Head of Layout cuida da movimentação de câmera. Logo, cabe aos diretores transmitir as instruções precisamente para que o resultado final seja o vislumbrado pela dupla criativa.

“Muito do trabalho de câmera é discutido e definido na fase de storyboard, então é só questão de conferir a execução. O importante é permanecer aberto às sugestões do líder da equipe e a improvisos. Especialmente no caso de “Tá Chovendo Hamburger 2”, no qual tudo é grande e cheio de profundidade, tivemos que ir alinhando a nossa visão com a evolução visual”.

Evolução é tudo na animação. Os personagens evoluem, o estilo também e é preciso muita fé no roteiro original, especialmente nas piadas, para manter a coesão. “Algumas piadas funcionam bem. Entretanto, depois da centésima vez que você a vê, por conta das diversas fases do processo, ela se transforma em apenas mais uma linha de roteiro e cena a ser finalizada”, alerta Cameron. O mesmo vale para aqueles momentos especiais e egocêntricos dos diretores. Eles passaram anos criando os “comidassauros” – bananas velozes, elefantes de melancia, morangos simpáticos, pepinos apaixonados por sardinhas e X-burgers monstruosos, entre tantos outros –, mas nunca deixaram o lado nerd de lado.

“Tá Chovendo Hamburger 2” estreou no Brasil no dia 4 de outubro

O final do filme conta com uma menção magnífica ao primeiro filme de “Jornada nas Estrelas”. Berry é um moranguinho alucinado, mas também é um fanático religioso à espera de um momento especial. “Não podíamos incluir religião de forma direta, ou mesmo mencionar algum “deus”, mas demos um jeito de incluir esse momento no roteiro”, conta Pearn. Vou guardar a surpresa, claro. Mas nerds convictos vão poder entender. Curioso foi eu ter defendido essa teoria para vários jornalistas, antes da entrevista, e me chamaram de louco. Perguntei aos diretores e ganhei até um high five! 😀

“A leitura do roteiro foge do nosso controle. Ser óbvio é ruim, mas as dicas precisam estar lá. Acreditar que o espectador vai pensar do nosso jeito é um erro. Se você quer transmitir algo, seja claro. É preciso correr o risco da obviedade”, defende Cameron, para quem o “ser óbvio é melhor que falhar no ato de contar a história”.

Mesmo tendo que agradar crianças e adultos, o roteiro de “Tá Chovendo Hamburger 2” consegue manter algumas surpresas na manga, que, ao lado de momentos de fofice pura (Berry é algo inexplicável!), garantem um filme competente. Nada extraordinário, mas efetivo no ato de entreter, mesmo ficando um passo atrás do primeiro filme em termos de originalidade e coragem.

Assista e descubra o segredo de “eee… muuuuu”.

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Fábio M. Barreto é jornalista, cineasta e autor da ficção brasileira “Filhos do Fim do Mundo”, publicada em 2013 pela editora Fantasy/Casa da Palavra, integrante do Grupo LeYa. Mora em Los Angeles e está escrevendo seu segundo romance, “Snowglobe”.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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Smurfalidade: O encontro de dois mundos

Raja Gosnell esperava na porta de entrada do estúdio da Sony Animation, em Culver City, aqui pertinho de Los Angeles, quando a reportagem do B9 foi convidada a visitar o “set de filmagens” de “Smurfs 2”.

E, nesse momento, você tem razão em perguntar: Raja quem? Raja Gosnell é o diretor da segunda aventura smurfética nos cinemas, mas, possivelmente, você curte o trabalho dele sem saber. Ele foi editor “Uma Babá Quase Perfeita”, “Esqueceram de Mim” e “Uma Linda Mulher”. Ele estava ali para defender, e promover, a nova cria, afinal, Raja dirigiu o primeiro filme e repetiu a dose agora.

O sujeito é experiente e fincou o pé na Sony ao criar uma franquia de sucesso surpreendente. Pouca gente acreditava que “Smurfs”, de fato, fosse vingar. O filme virou fenômeno e “Smurfs 2” é líder de bilheteria desde a estreia. Há algo especial ali, há algo diferente.

Minha missão naquele dia era descobrir qual a força de Raja Gosnell. Descobri rapidamente, quem esperava sentado à mesa era o produtor Jordan Kerner, uma máquina de fazer dinheiro especializada no mercado infantil e com alguns filmes adultos de renome, entre eles, “Tomates Verdes Fritos” e “Íntimo & Pessoal”.

Smurfs

“É muito fácil se perder nas possibilidades da animação e se desfazer de todas as referências do que é real.”

De cara, Kerner mandou o cartão de visitas. “Conseguimos filmar em locações que mais ninguém consegue na França, entre elas a Opera House de Paris”, disse o produtor. Isso já diz muito sobre os objetivos, afinal, quando se pensa em “Smurfs 2”, crianças e filme enlatado são algumas das ideias iniciais. Entretanto, pensando pelo aspecto da criatividade, tudo fez sentido, pois a mistura da mente de um diretor que cresceu como editor e um produtor de nicho só poderia gerar algo direcionado e efetivo.

Entretanto, tantos filmes já seguiram essa onda e poucos chegaram ao topo. As perguntas ainda eram inúmeras, mas, pouca a pouco, Kerner e Gosnell provaram funcionar perfeitamente como um time criativo e produtivo. Gosnell preocupado com o resultado final; Kerner disposto a tudo para garantir que o filme fosse o melhor, tecnologicamente possível. Para tanto, ele precisou alugar alguns cacarecos especializados e um deles foi a câmera Spheron.

Basicamente, ela rastreia a área de filmagem, checa todas as fontes de luz, níveis de contraste e efeito da iluminação na cena para garantir que, quando os Smurfs sejam inseridos, não aja discrepância. “Misturar live action com animação 3D dá uma certeza ao projeto: planejamento é tudo”, diz Raja Gosnell.

Diferente da Pixar, que reinventou o engine de animação a cada novo “Toy Story”, a Sony reaproveitou muito do filme anterior

“Gastamos muito tempo no estudo de desenvolvimento da versão 3D, assim como nas decisões que permitiriam aos atores experimentarem dentro dos limites permitidos pela tecnologia. Nosso maior inimigo era trabalhar a perspectiva e a colocação adequada dos personagens”. Quem aí se lembra da Rainha Amidala olhando para a barriga de Boss Ness no final de “Episódio I”?

O resultado visual é inegável. A integração atingida entre os Smurfs e o cenário real é convincente, portanto, o espectador pode ficar ligado apenas na história, em vez de procurar falhas ou pontos de escape visuais.

De acordo com Gosnell, “dirigir um filme cheio de personagens imaginários (representados por bolas de tênis ou miniaturas de pano) é como dirigir dois filmes: um com atores reais, outro com os simulados. O trabalho de fotografia é redobrado e muitas das cenas precisam ser filmadas com precisão computadorizada para garantir a sincronia”, comenta o diretor, que usa a experiência como editor para imaginar as cenas já cortadas para a versão final.

Smurfs

“Reescrever e reorganizar a animação foram duas das tarefas mais presentes nas primeiras fases do projeto, eu simplesmente não poderia iniciar as filmagens sem ter a certeza. Precisava ser absolutamente claro para os atores fazerem o trabalho deles”.

Para evitar deslizes, além dos cacarecos, “Smurfs 2” preferiu criar duas versões do gato Cruel. Uma delas é animada em 3D e aparece em momentos específicos, enquanto o gato de verdade é usado na maioria das corridas, close ups e cenas mais “naturais”. “É muito fácil se perder nas possibilidades da animação e se desfazer de todas as referências do que é real. Aí o filme fica totalmente artificial. Não queríamos isso, o objetivo era ter algo baseado na realidade. Por isso a mistura”, comenta Kerner. “O pensamento inicial é comparar o investimento na versão animada contra o custo de treinamento do gato de verdade. Se posso usar as duas coisas, por que não?”.

Smurfs

O pensamento em custo é constante e, de acordo com Kerner, mesmo com os exageros financeiros em Paris, “Smurfs 2 custou menos do que o primeiro filme”. Algumas coisas são relevantes aqui. Diferente da Pixar, que reinventou o engine de animação a cada novo filme da série “Toy Story”, muito do que foi utilizado em Smurfs foi apenas aperfeiçoado para a segunda parte. “Estávamos felizes com o visual, não havia necessidade de grandes reinvenções. Queríamos aumentar o nível de realismo e melhorar a ambientação”, comenta Gosnell.

Falando em ambientação, a equipe da Sony resolveu garantir que a mensagem fosse transmitida e, literalmente, me colocaram no mundo dos Smurfs. Visitei um dos estúdios de dublagem e, sem ensaio nem nada, fui desafiado a redublar o trailer de “Smurfs 2”. Pagar mico faz parte do show! Assista por sua conta e risco!

“Smurfs 2” é a segunda parte de uma trilogia, que será concluída pela dupla Kerner & Gosnell. Para felicidade financeira, e criativa dos herdeiros de Peyo – que foram “duros, mas justos; e nos deixaram trabalhar em paz, depois que viram as primeiras provas”, de acordo com Kerner –, os filhotes de Papai Smurf reinventaram-se com efetividade, já estão no imaginário das crianças e lá devem permanecer por algumas gerações.

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Fábio M. Barreto é jornalista, roteirista, autor da distopia nacional “Filhos do Fim do Mundo” e tem uma esposa, e uma filha, apaixonada por Smurfs!

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