Procuram-se curiosos

Uma coisa que tenho notado muito ultimamente é a ausência da curiosidade nas pessoas. Quando falo de curiosidade é muito mais uma questão de estilo de vida do que procurar alguma coisa num FAQ. Sinto falta de ver pessoas questionando as coisas. E nem quero dizer que isso é algo apenas para nós publicitários. É para todo mundo. Se você é curioso, você vai perguntar o porque das coisas serem assim. Vai questionar o status quo. Vai perguntar “E se…?” e vai procurar outras respostas. É saber que mesmo que isso não resolva o seu problema imediato, isso pode ser uma referência que pode ser cruzada no futuro e resolver algum outro problema. Essa falta de curiosidade pode aparecer de várias maneiras independente da idade, cargo, ou função:

Quando se trabalha com relatórios qualquer e não se pergunta porque aconteceu um determinado desvio, quando vê algo que funciona ok e não tenta pensar em alguma maneira de muda-la e por aí vai. Quando simplesmente aceita-se que as coisas são assim e pronto.

Segundo o dicionário Houaiss, curiosidade é
2 desejo intenso de ver, ouvir, conhecer, experimentar alguma coisa ger. nova, original, pouco conhecida ou da qual nada se conhece
2.1 vontade de aprender, saber, pesquisar (assunto, conhecimento, saber); interesse intelectual
2.2 interesse, procura de coisas originais, insólitas etc.

Ou seja, o curioso é uma pessoa inconformada com o que lhe é apresentado. Ele sempre quer experimentar coisas novas. Teoricamente, curiosidade é o sobrenome do meio de todos os publicitários mas o que notei é que muitas vezes o que está acontecendo é um aprisionamento nos formatos e linguagens existentes. É ficar preso ao “Curta e Compartilha” porque “dá certo” em termos de números por mais que seja algo que muitas vezes nada tem a ver com a marca. É mais fácil repetir o que já existe do que procurar coisas diferentes. Claro, existem situações em que não dá para mudar muita coisa mesmo, tem outras que o cliente não topa. Mas há muitas vezes em que nem se tenta mudar nada. Alguns vão culpar a rotina do trabalho, o cansaço de ver idéias serem vetadas porque o cliente não entendeu ou porque não quis. Mas acho que quem não é curioso para pelo menos pensar se é viável

O Douglas Rushkoff falava nos seus primeiros livros, cheios de idealismo do início da internet, que as outras gerações iriam mudar o mundo porque elas se comportariam de outra forma e iriam aproveitar muito todas as possibilidades da internet para fazer coisas incríveis. O que aconteceu na verdade, e ele notou mais tarde, foi que a maioria dos jovens vê a internet apenas como mais um canal para falar com amigos e se distrair enquanto a vida passa. Acaba sendo quase como mais um canal de mídia passiva.

Essa falta da vontade de saber como as coisas e as pessoas funcionam me incomoda. As pessoas não querem assumir riscos. É uma postura quase de um hacker de tentar procurar maneiras de desafiar o status quo. Não estou falando que todos devem fazer coisas ilegais. Apenas acho que temos que procurar hackear o mundo. Nosso objetivo deve ser otimizar o trabalho e não apenas reduzir o trabalho. Reduzir trabalho hoje acaba sendo repetir formatos sem questioná-los.

Se você parar para pensar, vai notar que tudo relacionado ao movimento Open Source e Crowdsourcing é focado no que os curiosos podem conseguir para a humanidade. Em Crowdsourcing, tem aquele exemplo clássico de um chefe de logística solucionar um problema de química porque esse é um assunto que ele tem interesse e é curioso.
No caso do open source é um pouco mais meritocrático mas é interessante também: Você é tão bom quanto o seu código. Se o seu código continua em algum programa open source (que muita gente mexe) é por que você fez ele muito bem.

No Braincast sobre Insights uma coisa que foi pouco abordada na minha opinião é o lance de ter muitas referências e cruza-las quando tem um insight. E esse tipo de associação acontece mais quando se tem mais referências, quando se buscou mais assuntos, quando a pessoa foi mais curiosa.

Por isso que o discurso/manifesto “Stay Hungry,stay foolish” do Steve Jobs faz tanto sentido assim como o “Here’s to the crazy ones…”. O alvo deles são as pessoas insatisfeitas com alguma coisa e que vão correr atrás para muda-las. Pode ser uma coisa boba ou super complexa mas motivação e curiosidade são os principais motores dessa mudança.

É o caso do garoto que começa a jogar no computador e ele gosta muito do jogo. Primeiro ele tenta ganhar jogando na boa, depois ele arruma cheats para jogar e ganhar o jogo, depois ele começa a criar mapas e fases para o jogo e no final ele acaba fazendo seus próprios jogos. Claro que movido pela paixão pelo jogo e pela curiosidade de saber como funciona. Não é todo mundo que tem esse perfil de se aprofundar tanto em um assunto mas as vezes é melhor saber um pouco mais das coisas para ter mais informações. Infelizmente o que tenho visto é que nem nas coisas que as pessoas curtem elas tem procurado mais informações.

Em um mundo em que tudo está tão sob demanda que acabamos não procurando saber mais de algumas coisas. A impressão que tenho é que hoje em dia não é a curiosidade que matou o gato. O que matou o gato foi o tédio de ficar só olhando a vida passar.

Como diria o Timothy Leary numa citação que também aparece numa música do Tool”

Think for yourself, Question authority

Só de fazer isso, você já está bem mais perto do perfil do curioso. Por que ao questionar algo, você vai buscar alternativas e ao fazer isso, você vai buscar referências e tentar ver se isso que pensou é viável. E esse já é o comportamento de uma pessoa curiosa. Mesmo que dê tudo errado, aquele conhecimento já está com você e poderá ser usado em algum outro momento. Seja para verificar tudo de novo ou como referência.

Mesmo que esse texto tenha extrapolado um pouco a definição básica do curioso, acho que a curiosidade acaba sendo o primeiro passo para a mudança. Se somarmos curiosidade com determinação muita coisa pode mudar. E isso já é bem mais do que temos hoje.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie


Advertisement


Cloud Atlas: O épico processo criativo e financeiro enfrentado pelos irmãos Wachowski

Artigo da New Yorker relata o trabalho dos diretores na adaptação do “infilmável” livro homônimo de David Mitchell

O magnata de Hollywood Samuel Goldwyn, tem uma célebre frase de quatro décadas atrás que diz: “O nome dessa indústria não é show-art. É show-business”. Com o passar do tempo, é um pensamento que faz cada vez mais sentido.

Os grandes estúdios se transformaram em bancos, controlando indústrias criativas em que a independência é quase sempre comprada com um termo em contrato depois de complexas negociações com agentes, sindicatos, produtoras, seguradoras e outros profissionais terceirizados.

E vamos supor que você possa colocar no currículo que um dia escreveu e dirigiu “Matrix”, um filme que arrecadou meio bilhão de dólares, ganhou quatro Oscars e entrou instantaneamente para a cultura pop. Ainda assim, a sua vida não será menos complicada com os banqueiros de criatividade.

Em um excepcional artigo-entrevista em sua edição de setembro, a revista The New Yorker conta o bastidores da produção de “Cloud Atlas”, o novo filme de Lana (antes Larry) e Andy Wachowski, quatro anos depois de decepcionarem com “Speed Racer”.

Os irmãos detalham o épico processo financeiro e criativo que foi adaptar o livro homônimo de David Mitchell – já chamado pelo próprio autor de “infilmável” – em um longa-metragem. São seis diferentes narrativas que se conectam, começando no Pacífico Sul do século 19 até o futuro pós apocalipse nuclear.

Os Wachowski revelam que a Warner Bros. recusou seguidamente financiar o filme, já que eles comparavam “Cloud Atlas” com outros conceitos similares que falharam anteriormente no cinema. Um exemplo: O “Fonte da Vida” de Darren Aronofsky, que foi um fracasso de bilheteria.

“O problema da criação artística dirigida pelo mercado, é que os filmes recebem sinal verde baseados em filmes anteriores”, disse Lana. Antes de decidir produzir a trilogia “Matrix”, a Warner recorreu ao insucesso de “Johnny Mnemonic”, também com Keanu Reeves em 1995, como motivo para questionar o potencial da ideia dos Wachowski.

“Assim como a natureza abomina o vácuo, o sistema abomina a originalidade. A originalidade não pode ser modelada economicamente.”

Depois da batalha financeira, vieram os desafios criativos enfrentados pelos irmãos. O livro de David Mitchell tem capítulos em ordem cronológica até a metade, quando a história começa a ser contada em sentido inverso. Segundo Lana, seria impossível introduzir uma história nova depois de 90 minutos de filme.

Tendo “2001: Uma Odisséia no Espaço” de Stanley Kubrick como inspiração, a ideia inicial era estabelecer uma conexão entre as trajetórias de dois personagens, um do início do livro e outro do fim. Porém, eles não faziam ideia do que fazer com as outras narrativas e dezenas de personagens.

Os Wachowski dividiram então o livro em centenas de cenas, copiando os trechos em fichas coloridas e as espalhando pela casa. Cada cor representava um personagem ou período de tempo diferente. Todos os dias eles pegavam cartas em ordens diferentes, para criar novos arcos narrativos e ver se faziam sentido.

Não apenas devido aos intricados detalhes de bastidores, mas a matéria também é imperdível pois se trata de uma rara e extensa aparição dos irmãos Wachowsky depois de mais de 13 anos evitando a imprensa. Além do trabalho, “Beyond The Matrix” mostra também um pouco do lado pessoal dos diretores, especialmente sobre a mudança de sexo de Larry/Lana, e como isso impactou a carreira de ambos.

“Cloud Atlas” fará sua estreia mundial no Festival de Toronto em 6 de setembro, depois chega aos cinemas em 26 de outubro. O trailer extendido abaixo deu início a campanha de promoção do filme, o que fez disparar as vendas do livro em que é baseado.

Bom ou ruim, “Cloud Atlas” vai ser uma experiência cinematográfica imperdível.

Brainstorm9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie


Advertisement


O paradoxo do “novo que já tenha histórico de bons resultados”

Há alguns dias, o Daniel Sollero avisou sobre uma apresentação que ele havia subido para o SlideShare, intitulada “The Fake Innovator’s Dilemma”. Trata-se da apresentação de um paradoxo que se encara diariamente: ao mesmo tempo que o falso inovador quer algo novo e original, ele procura uma solução segura, com um histórico de sucesso comprovável.

Vale a pena bater um pouco nesta tecla, já que muitos daqueles que querem inovar não parecem perceber quando o seu briefing pede um absurdo destes.

Afinal, o que define realizar algo novo? Seria a vontade de fazer como uma marca arrojada faz? Talvez. O problema é quando o briefing pede para fazermos exatamente o que uma marca arrojada realiza. Diferença sutil ao primeiro olhar, mas que é fácil de perceber quando a peça está na rua.

Se buscamos a novidade ou a forma de fazer da novidade um atributo da marca, não podemos oferecer como solução aquela que estão todos procurando, a não ser que efetivamente tenhamos algo de novo para contar. Se o Twitter é a bola da vez, vale a pena lançar uma conta na ferramenta apenas para constar? Se o site institucional de agência está com os dias contados, vale a pena lançar uma simulação de presença digital, com meia dúzia de fotos no Flickr, um vídeo no YouTube e um verbete apagado na Wikipedia? Só porque alguém já fez? Acho que não.

Também não parece que vale a pena ser o só o primeiro a usar determinada tecnologia. Cases como “o primeiro vídeo interativo publicitário no YouTube” ou “a primeira empresa brasileira a utilizar QR Codes” falam muito pouco se não estiverem bem amparados por uma boa idéia. Não é o caso de usar uma ferramenta nova por usar. Cairemos fatalmente no erro de apenas constar ali.

No fim das contas, a questão de inovar pode ter releituras do passado. Pode comportar até o que uma empresa mais descolada já fez por aí. Mas é o caso de ter algo novo para contar. Alguma outra faceta ainda não explorada, algum feature matador. Algo que transforme aquele esforço de comunicação em único, e não mais um numa ruidosa pilha de intervenções diárias que temos que agüentar.

Em suma, eu posso até considerar o que uma outra empresa já fez. Mas para fazer diferente, da concepção criativa às metas de sucesso, para estabelecer um diálogo ainda mais eficiente com os meus consumidores, para, enfim, fazer algo que seja pertinente.

Se eu fosse um cliente e precisasse “inovar”, talvez fosse isto o que eu pediria à minha agência. Mas enquanto eu sou agência, não custa sonhar.

Brainstorm #9Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Contato | Anuncie